segunda-feira, 26 de junho de 2017

"Os Níveis da Vida" - o Amor e a Morte, por Julian Barnes

Em Os Níveis da Vida Julian Barnes toma como metáfora e ponto de partida a história do balonismo para elaborar uma sofrida meditação sobre o sentido do amor após a morte da pessoa amada - neste caso, a sua mulher, Pat Kavanagh, falecida em 2008.

De forma amarga, Barnes assume a impossibilidade da superação do luto e da dor, assumindo corajosamente que, nos anos subsequentes à morte do objeto de afeição, continuou a conversar com a sua mulher, ainda que perante a incompreensão de amigos e conhecidos que, provavelmente, nunca sofreram a dor da perda do verdadeiro amor. Julian Barnes assume ter fantasiado inúmeras vezes com o suicídio, tendo-o até planeado com minúcia, no entanto decide permanecer vivo sob o argumento de que "era a sua memória principal", pelo que não podia pôr termo à vida, "porque assim estaria a matá-la também".

Brilhante exercício literário inserido no contexto da não-ficção, Os Níveis da Vida coloca-nos frente a frente com a morte, ao mesmo tempo que nos dá uma lição moral sobre o Amor.

domingo, 18 de junho de 2017

"A Filha de Ryan" - melodrama épico de David Lean

Cineasta meticuloso, David Lean assinou em 1970 aquele que é para muitos um filme menor no seu admirável currículo. Todavia, já é altura de reavaliar A Filha de Ryan, melodrama com laivos de épico filmado com regra e esquadro e, sobretudo, com uma entrega apaixonada a cada plano geometricamente desenhado. 

Adaptação livre de Madame Bovary, de Gustave Flaubert, A Filha de Ryan é uma reflexão sobre a natureza contraditória dos impulsos populares, que tem a Guerra Civil irlandesa como pano de fundo e uma recôndita aldeia do litoral irlandês como cenário. Rosie (Sarah Miles numa lição de expressividade que só tem paralelo no melhor cinema mudo), a filha de Ryan (proprietário do pub local), anseia perdidamente por amor, acabando por casar com Charles Shaughnessy, o professor da escola local (Robert Mitchum a demonstrar por que era, já na altura, um dos símbolos máximos do cinema clássico), viúvo com o dobro da sua idade e com um carácter tão honesto quanto emocionalmente refreado. A chegada de um oficial inglês vai despertar a paixão de Rosie Ryan e a respetiva condenação dos aldeões, não só pelo adultério mas - e sobretudo - pelo facto de o amante ser inglês. 

A banda sonora de Maurice Jarre acentua o tom simultaneamente épico (a heroicidade do povo na luta contra o opressor inglês) e trágico do filme (o julgamento popular de Rosie); a fotografia de Freddie Young é poesia em imagens; a interpretação de John Mills (o idiota da aldeia) é inolvidável - ele que, sem proferir uma única palavra, conseguiu a justa proeza de conquistar o Óscar de Melhor Ator Secundário; a sequência da tempestade no mar com o povo a resgatar o armamento roubado aos alemães pelos independentistas irlandeses é arrepiante. Filme menor? Ensombra qualquer melodrama filmado na última década.

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...