Em 1986, quando ir de autocarro de Leça da Palmeira ao Porto era fazer uma grande viagem, fui ao saudoso Charlot no shopping center Brasília ver o primeiro filme de um novo cineasta português. Eu tinha apenas 14 anos, mas a paixão pelo cinema e pelos seus autores já despontava com uma intensidade mais emotiva que racional. O filme chamava-se "Duma Vez Por Todas" e trazia a assinatura de Joaquim Leitão. O pequeno trailer que passava nos intervalos para publicidade na televisão levavam-me a crer que estávamos perante algo de muito diferente no cinema português. Além disso, o anti-herói do filme era protagonizado por um jovem músico que, com a sua banda pop, Heróis do Mar, tinha sido responsável por uma das maiores revoluções na música portuguesa. Os ingredientes tornavam, portanto, a película apetecível. E, na verdade, a obra encheu-me as medidas, correspondendo a tudo o que um adolescente cinéfilo esperava de um bom filme: uma história voyeurista em tons noir (está lá a loira fatal e tudo), uma interpretação electrizante de Pedro Ayres de Magalhães (infelizmente, sem consequências em filmes posteriores), uma boa banda sonora e uma montagem feérica. A partir de então, Joaquim Leitão seria um nome a seguir com muita atenção.
O resto, já todos sabemos: apesar de assinar grandes sucessos como "Adão e Eva" e "Tentação", bem como uma mão cheia de obras menores ("Uma Vida Normal", por exemplo), o cineasta nunca mais conseguiu repetir o fulgor do primeiro opus.
Mais de 20 anos depois, Joaquim Leitão volta a assinar um filme relevante, demonstrando toda a sua capacidade para saber contar uma boa história por imagens. "A Esperança Está Onde Menos Se Espera" é um conto moral acerca de um promissor treinador de futebol (Virgílio Castelo num registo sóbrio e minimal), cujos sólidos princípios morais colidem com o universo relativista e corrupto de managers e dirigentes desportivos. Desempregado, não consegue voltar à ribalta e a sua família não está interessada em adaptar-se à situação de despromoção social (a mulher fica privada das suas férias no Algarve, o filho de 15 anos é forçado a abandonar o colégio privado e a inscrever-se numa escola pública). Abandonado pela mulher, fica a viver com o filho, Lourenço, de quem se tenta reaproximar e transmitir os valores éticos que sempre nortearam a sua conduta. Por outro lado, Lourenço, após a dificuldade inicial em se adaptar ao ambiente da nova escola, acaba por fazer novos amigos, habitantes de um bairro social que lhe dão a conhecer uma outra realidade, bem distante daquela onde ele cresceu. Aquilo a que assistimos a seguir é a progressiva reaproximação afectiva entre pai e filho, culminando numa redenção mútua.
Joaquim Leitão é um daqueles cineastas que, na minha opinião, procura fazer um cinema português verdadeiramente alternativo ao pretender, sobretudo, contar uma boa história capaz de comunicar com todos os públicos e criar um filme que concilie a arte com o comércio. Haverá, com certeza, muitos detractores que classificarão o filme como um mero produto comercial. Mas convém não esquecer que o cinema é uma arte muito dispendiosa, que exige elevados esforços de produção e o cinema português só sobreviverá, num mercado tão pequeno quanto o nosso, se conseguir esse equilíbrio - entre a arte e o público consumidor de filmes - com dignidade. Joaquim Leitão é, definitivamente, o exemplo maior de um artesão competente que não se envergonha de tentar fazer bons filmes para todos os públicos.
"A Esperança Está Onde Menos Se Espera" não chega a ser uma obra-prima, nem pretende sê-lo, mas cumpre aquilo a que se propõe, conseguindo prender o espectador do primeiro ao último plano. Pelo meio há também cenas verdadeiramente comoventes, destacando-se a química entre os dois actores principais - Virgílio Castelo e Carlos Nunes. Um última nota para um actor, com provas dadas em muitas peças de teatro, que neste filme consegue, no papel do taxista que se recusa a conduzir o par romântico à Cova da Moura, demonstrar que não há papéis pequenos para grandes actores. Chama-se Jorge Loureiro e é meu amigo de infância.
Trailer de "A Esperança Está Onde Menos Se Espera", de Joaquim Leitão