sábado, 19 de setembro de 2009

"A Esperança Está Onde Menos Se Espera", de Joaquim Leitão


Em 1986, quando ir de autocarro de Leça da Palmeira ao Porto era fazer uma grande viagem, fui ao saudoso Charlot no shopping center Brasília ver o primeiro filme de um novo cineasta português. Eu tinha apenas 14 anos, mas a paixão pelo cinema e pelos seus autores já despontava com uma intensidade mais emotiva que racional. O filme chamava-se "Duma Vez Por Todas" e trazia a assinatura de Joaquim Leitão. O pequeno trailer que passava nos intervalos para publicidade na televisão levavam-me a crer que estávamos perante algo de muito diferente no cinema português. Além disso, o anti-herói do filme era protagonizado por um jovem músico que, com a sua banda pop, Heróis do Mar, tinha sido responsável por uma das maiores revoluções na música portuguesa. Os ingredientes tornavam, portanto, a película apetecível. E, na verdade, a obra encheu-me as medidas, correspondendo a tudo o que um adolescente cinéfilo esperava de um bom filme: uma história voyeurista em tons noir (está lá a loira fatal e tudo), uma interpretação electrizante de Pedro Ayres de Magalhães (infelizmente, sem consequências em filmes posteriores), uma boa banda sonora e uma montagem feérica. A partir de então, Joaquim Leitão seria um nome a seguir com muita atenção.

O resto, já todos sabemos: apesar de assinar grandes sucessos como "Adão e Eva" e "Tentação", bem como uma mão cheia de obras menores ("Uma Vida Normal", por exemplo), o cineasta nunca mais conseguiu repetir o fulgor do primeiro opus.

Mais de 20 anos depois, Joaquim Leitão volta a assinar um filme relevante, demonstrando toda a sua capacidade para saber contar uma boa história por imagens. "A Esperança Está Onde Menos Se Espera" é um conto moral acerca de um promissor treinador de futebol (Virgílio Castelo num registo sóbrio e minimal), cujos sólidos princípios morais colidem com o universo relativista e corrupto de managers e dirigentes desportivos. Desempregado, não consegue voltar à ribalta e a sua família não está interessada em adaptar-se à situação de despromoção social (a mulher fica privada das suas férias no Algarve, o filho de 15 anos é forçado a abandonar o colégio privado e a inscrever-se numa escola pública). Abandonado pela mulher, fica a viver com o filho, Lourenço, de quem se tenta reaproximar e transmitir os valores éticos que sempre nortearam a sua conduta. Por outro lado, Lourenço, após a dificuldade inicial em se adaptar ao ambiente da nova escola, acaba por fazer novos amigos, habitantes de um bairro social que lhe dão a conhecer uma outra realidade, bem distante daquela onde ele cresceu. Aquilo a que assistimos a seguir é a progressiva reaproximação afectiva entre pai e filho, culminando numa redenção mútua.

Joaquim Leitão é um daqueles cineastas que, na minha opinião, procura fazer um cinema português verdadeiramente alternativo ao pretender, sobretudo, contar uma boa história capaz de comunicar com todos os públicos e criar um filme que concilie a arte com o comércio. Haverá, com certeza, muitos detractores que classificarão o filme como um mero produto comercial. Mas convém não esquecer que o cinema é uma arte muito dispendiosa, que exige elevados esforços de produção e o cinema português só sobreviverá, num mercado tão pequeno quanto o nosso, se conseguir esse equilíbrio - entre a arte e o público consumidor de filmes - com dignidade. Joaquim Leitão é, definitivamente, o exemplo maior de um artesão competente que não se envergonha de tentar fazer bons filmes para todos os públicos.

"A Esperança Está Onde Menos Se Espera" não chega a ser uma obra-prima, nem pretende sê-lo, mas cumpre aquilo a que se propõe, conseguindo prender o espectador do primeiro ao último plano. Pelo meio há também cenas verdadeiramente comoventes, destacando-se a química entre os dois actores principais - Virgílio Castelo e Carlos Nunes. Um última nota para um actor, com provas dadas em muitas peças de teatro, que neste filme consegue, no papel do taxista que se recusa a conduzir o par romântico à Cova da Moura, demonstrar que não há papéis pequenos para grandes actores. Chama-se Jorge Loureiro e é meu amigo de infância.

Trailer de "A Esperança Está Onde Menos Se Espera", de Joaquim Leitão

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