sexta-feira, 31 de julho de 2009

Julho


Fazendo um balanço do mês de Julho que agora cessa, guardarei com carinho na memória o fim de mais uma etapa no percurso do grupo de teatro que tenho o prazer de dirigir - o GAEDE.

Foi na Casa da Cultura de Paredes, no passado dia 24 de Julho, que fizemos a última apresentação da peça "Ontem à noite, uma criança sonhou...", da qual sou autor e encenador.

Após os três primeiros Opus ("O Muro", "A Morte Não Existe" e "O Eterno Retorno"), o quarto espectáculo foi uma viagem com algumas curvas e socalcos, mas bem-sucedida. Parabéns a todos os que nela embarcaram sempre com sentido incondicional de compromisso e responsabilidade. Foi o trabalho persistente e árduo que nos permitiu chegar a bom porto.

"Ontem à noite, uma criança sonhou..." foi um passo importante no desenvolvimento e na definição rigorosa de um rumo estético para o GAEDE, sem concessões ou cedências a soluções fáceis. É bom lembrar que, em Abril, levámos este trabalho ao palco do Pequeno Auditório do Rivoli, no Porto.

Espero que nos voltemos a encontrar noutros palcos - os do futuro.

Para mais informações sobre o GAEDE, façam o favor de consultar: http://bebegaede.blogspot.com

Dedicatória ao GAEDE 2009



quinta-feira, 30 de julho de 2009

Estado do Mundo (2) - com comentários


Segundo a revista Focus (nº 509), o armamento é o grande vencedor da crise. De facto, "apesar da actual conjuntura económica, os governos do mundo voltaram a investir mais dinheiro em armamento durante 2008 - ao todo, 105 mil milhões de euros, mais quatro por cento do que em 2007." Os Estados Unidos da América lideram a tabela (434 mil milhões de euros investidos na indústria bélica), seguidos da China (61 mil milhões de euros gastos em armamento).

É caso para perguntar:

Como é possível?
Que valores éticos norteiam os governantes do mundo?
Quais as grandes finalidades da política internacional?
Para quando uma política regulada por uma ética da responsabilidade?
O que aprendemos em dois mil anos de cristianismo e muitos mais de História da Humanidade?
Será que o Homem é merecedor do lugar que ocupa no Planeta Azul?

Provavelmente, quem tinha razão era um soldado no filme "Non ou a vã glória de mandar", de Manoel de Oliveira, quando dizia em plena Guerra do Ultramar que o homem fez-se para guerrear...

Estado do Mundo (1) - sem comentários


"Deixo uma herança de vergonha para a minha família e para os meus netos."
Bernard L. Madoff, Veja

"A estagnação pode ser mais longa do que esperávamos."
Durão Barroso, Diário Económico


Estado da Nação (1) - sem comentários


"Fiquei muito ofendido com as afirmações que me foram feitas e excedi-me, lamento."
Manuel Pinho, JN


"Portugal não é um parque de diversões, mas a política parece que vive nas voltas de uma roda gigante à procura de uma estática terra do nunca."
Carlos Marques de Almeida, Diário Económico

terça-feira, 28 de julho de 2009

"The Guitar" - redescobrir a vida


Eis um filme que reúne todas as condições para se tornar um objecto de culto: uma jovem realizadora, sem vedetas, com uma estética arty e passou quase despercebido nas salas de cinema. Além disso, convém assinalar que se trata de uma obra-prima.

A película conta a história de uma mulher que no mesmo dia em que descobre que, devido a um cancro inoperável, restam-lhe dois meses de vida, é despedida da empresa onde trabalha e o companheiro termina a relação. Desesperada, decide gastar todo o dinheiro que lhe resta no aluguer de um apartamento de luxo, desfrutando dos últimos dias de vida em solidão. É então que se lembra de um sonho de infância ainda por concretizar: aprender a tocar guitarra. A concretização desse desejo vai alterar o que parecia ser o seu destino inevitável.

Através do olhar delicado da cineasta - Amy Redford - entramos na pele da personagem principal e sentimos tudo o que ela sente. A direcção de fotografia é sublime, captando com delicadeza os espaços interiores onde grande parte da acção decorre - o apartamento e o universo interior da personagem. Amy Redford prova que não são necessárias muitas palavras e diálogos para contar uma boa história e captar a atenção do espectador. Neste ponto, é de destacar a interpretação soberba de Saffron Burrows, atriz plena de recursos dramáticos e, normalmente, subaproveitada. Neste filme tem o papel da sua vida.

Trailer de "The Guitar", de Amy Redford



domingo, 26 de julho de 2009

Banda sonora para o Verão (6)


Jorge Palma ocupa um espaço único na história da música portuguesa. Músico irregular em termos editoriais (esteve mais de dez anos sem editar um disco de originais), é um compositor de primeira linha e um cantor inimitável.

Com uma discografia que começa em 1972 e se prolonga até hoje, editou sempre discos excepcionais. Em 1986, depois do sucesso de "O Lado Errado da Noite", grava "Quarto Minguante", um disco injustamente esquecido entre uma obra claramente superior. À semelhança dos outros álbuns do mesmo autor, "Quarto Minguante" é um objecto inclassificável, navegando com a mesma segurança pelas estéticas rock, pop e jazz. É um dos discos mais luminosos de Jorge Palma, mesmo que neste músico a luz seja sempre a forma como a sombra da dor, da perda, do amor, do sexo, da política e da religião se manifestam. Além disso, a sonoridade do LP preparou a obra-prima que iria surgir três anos depois: "O Bairro do Amor".

"A Caminho de Casa", "O Gigante na Jaula de Vidro", "Quarto Minguante" e "Ordem é Ordem" são quatro canções do disco em análise que demonstram o génio sempre inspirado de Jorge Palma. Custa acreditar que esta obra foi marcada por problemas com a editora que levaram o músico a sair da EMI-Valentim de Carvalho...

sábado, 25 de julho de 2009

Terror "light" (2)


Os filmes de terror constituem hoje uma das maiores apostas da indústria cinematográfica de Hollywood. Se outrora o género estava consignado a filmes low budget ou série B, hoje o investimento dos estúdios é proporcional a grandes épicos de aventura e repletos de efeitos especiais. Compreende-se porquê: uma percentagem considerável do público, sobretudo norte-americano, são adolescentes, sendo a estes que a maioria dos filmes de terror se dirige. Há, claro, excepções: cineastas como John Carpenter, Dario Argento e George A. Romero são verdadeiros autores de culto entre os cinéfilos mais aficionados. Mas esses herdaram o espírito e as marcas autorais de Roger Corman, produtor e realizador de alguns títulos incontornáveis em qualquer análise da história do cinema.

Isto vem a propósito de "Ruínas", objecto curioso realizado por Carter Smith. Narra a história de quatro jovens americanos que, prestes a terminarem umas curtas férias no México, decidem explorar um templo maia que não vem nos mapas turísticos da região. Ao ficarem encurralados por uma sinistra tribo descendente do povo maia, apercebem-se que dificilmente escaparão à maldição que habita o templo.

"Ruínas" vai insinuando o medo que se vai instalando nos personagens e, por consequência, no espectador. Não abusa de efeitos visuais e sonoros nem recorre à violência gratuita. Prefere, pelo contrário, centrar-se no drama vivido pelos personagens e, através do espaço onde os enclausura, criar uma atmosfera claustrofóbica. Não está à altura das obras de Carpenter, mas resulta durante os seus 90 minutos de duração. Vê-se, desfruta-se e esquece-se.

Trailer de "As Ruínas", de Carter Smith


quinta-feira, 23 de julho de 2009

Elegia: o amor e a morte, segundo Philip Roth


Philip Roth é um dos melhores escritores contemporâneos. Para muitos, ele é o maior vulto de sempre da literatura norte-americana. Para mim, juntamente com Norman Mailer, Philip Roth é o mais interessante romancista do mundo ocidental da segunda metade do século XX. Para aqueles que, mesmo depois de saber isto, ainda não estão convencidos recomendo a leitura da obra "A Mancha Humana".

O filme que dá o mote a esta crónica adapta o livro "O Animal Moribundo", escrito pelo mesmo autor.

"Elegia" conta a história de um professor de meia-idade, também crítico literário com dois programas semanais na televisão e na rádio, que se apaixona por uma aluna de vinte e quatro anos. A beleza da jovem vem abalar a independência afectiva que o professor sempre cultivou. Ao mesmo tempo, a relação amorosa intensa e apaixonada que vai desenvolver pela sua aluna fá-lo reavaliar as noções estéticas que construiu ao longo da vida. De facto, à semelhança do romance de Philip Roth, o filme de Isabel Coixet assume-se como uma reflexão em torno da beleza, do amor, do sexo, do casamento, da pintura, da literatura e da morte enquanto indagações fundamentais da existência e inspirações para a criação artística. Uma reflexão que resultou numa película belíssima, na qual se destacam dois actores em estado de graça: Ben Kingsley e Penélope Cruz.

Trata-se, no fundo, de um filme romântico, maduro, apaixonado, construído com a alma de uma cineasta a ter em conta.

Trailer de "Elegia", de Isabel Coixet


quarta-feira, 22 de julho de 2009

"Watchmen" - Uma lição de cinema fantástico


Desde o primeiro "Batman" de Tim Burton que não se via um filme assim: sob a capa de um filme de super-heróis, encontramos uma análise profunda, sociológica e política dos Estados Unidos da América. "Watchmen", de Zack Snyder, é uma autêntica (re)visão histórica da América do século XX. O genérico inicial, acompanhado pela canção "The Times They're A-Changin'" de Bob Dylan, é a este nível exemplar, um verdadeiro prodígio técnico e estético. Aliás, para quem achar que o cinema enquanto arte é incompatível com efeitos especiais encontra neste filme uma prova do contrário.

A película em análise é uma espantosa e fiel construção a partir da mais aclamada graphic novel de todos os tempos, desenhada por David Gibbons e escrita por Alan Moore, mas agora com o cunho indiscutível de Zack Snyder (o mesmo que adaptou "300" para o cinema). Com um grupo de actores de excelência (não confudir com vedetas da sétima arte), Snyder consegue recriar os cenários, adereços e ambientes que se situam entre os anos 40 e 80 do século passado, onde um diverso e fascinante leque de personagens habita: o honesto Coruja Nocturna (Patrick Wilson), o existencialista e introspectivo Rorschach (Jackie Earle Haley), o racionalista Dr. Manhattan (Billy Crudup), a sensual Espectro de Seda (Malin Akerman), o megalómano Ozymandias (Matthew Goode) e o ambíguo Comediante (Jeffrey Dean Morgan).

Numa estrutura narrativa que integra uma brilhante encenação, cruzando a continuidade temporal (a história que começa com o assassínio do Comediante) com a descontinuidade (os flashbacks que nos revelam detalhadamente o passado dos personagens principais), Snyder filma a história de uma equipa de super-heróis, outrora glorificados, que agora (leia-se, nos anos 80) foram postos de lado pelo próprio poder político. No entanto, uma guerra nuclear prestes a ser travada entre norte-americanos e soviéticos vai conduzir os extintos "Watchmen" a recuperarem os seus fatos de super-heróis e tentar impedir a destruição da humanidade.

Refira-se que neste filme estamos perante um progresso histórico e político alternativo: os EUA sairam vitoriosos da Guerra do Vietname e Richard Nixon foi reeleito (pressupomos que o escândalo Watergate não chegou a acontecer), continuando Henry Kissinger como seu principal conselheiro. Aliás, o filme termina com a referência à candidatura de Ronald Reagan à presidência, mas já no final da década de 80, o que, na realidade, coincidiu com o fim do seu segundo mandato.

Outra marca distintiva da presente película é a curiosa inversão nas características psicológicas/identitárias dos super-heróis: em "Watchmen", eles sentem-se despojados do seu verdadeiro eu quando confudidos com qualquer outra pessoa vulgar; pelo que as suas verdadeiras identidades estão nessa diferença, a de terem sido super-heróis e, por isso, sê-lo-ão para sempre. Pelo contrário, se atentarmos em todos os outros super-heróis da BD e do cinema, todos gostariam de poder ser apenas Peter Parker (Homem-Aranha), Clark Kent (Super-Homem) ou Bruce Banner (Hulk).

Trata-se de um verdadeiro deleite para os sentidos e a inteligência contemplar este objecto fílmico, construído com sentido de compromisso e paixão pela sua origem - a BD. Parábola épica sobre o poder e a justiça, "Watchmen" é uma grandiosa e profunda obra moral e um dos objectos artísticos mais impressionantes e arrojados da primeira década do século XXI.

Trailer de "Watchmen", de Zack Snyder

terça-feira, 21 de julho de 2009

Terror revisitado (1) - um remake desnecessário



"A Última Casa à Esquerda" é o remake de um clássico do cinema de terror da autoria de Wes Craven, cineasta de culto que assinou obras como "Pesadelo em Elm Street" e a trilogia "Gritos". Agora revisto por Dennis Iliadis, o filme em análise é uma colagem de lugares-comuns com uma ou outra adaptação do original aos novos tempos, mas sem um único rasgo de criatividade que justifique a revisão da matéria dada.

Bem sei que este é um sinal dos tempos que afecta, sobretudo, os filmes de terror: é hoje uma tendência dos estúdios de Hollywood - desde que Gus Van Sant fez copy/paste de "Psico", de Alfred Hitchcock - recriar os clássicos deste género (o mesmo aconteceu recentemente com "Massacre no Texas" e "Sexta-Feira 13", para dar apenas dois exemplos de reciclagem da matéria cinematográfica). No entanto, a pergunta torna-se inevitável: porque não repôr, em cópias restauradas, os filmes originais, tal como aconteceu, há alguns anos atrás, com "O Exorcista", de William Friedkin?

Talvez a resposta à questão enunciada esteja na tentativa de adaptar as narrativas já filmadas aos critérios estéticos do público-alvo deste género de filmes, a saber: os adolescentes do século XXI, que, habituados ao zapping televisivo, não suportam planos com mais de dois ou três segundos de duração.

Quanto à sinopse do filme... Bom, como dizia o saudoso Lauro Dérmio de Herman José, "let's look at the trailer"!

Trailer de "A Última Casa à Esquerda", de Wes Craven
The Last House On The Left - Film Trailer


segunda-feira, 20 de julho de 2009

Crónica Existencialista


O último romance publicado por José Saramago, "A Viagem do Elefante", é uma crónica existencialista, à semelhança de livros anteriores do Nobel português da literatura.

Obra superior, narra o trajecto de um elefante e da comitiva que o acompanhou de Portugal a Espanha e daqui a Áustria, passando por terras de Itália. É o regresso de Saramago ao romance histórico, pretexto para traçar sem rodeios um retrato da condição humana (o cornaca é um verdadeiro anti-herói, símbolo do trabalhador explorado que aceita o seu destino de eterna subserviência) e animal (o elefante pode ser entendido como símbolo da natureza, tão desprezada e mal tratada pelos homens do poder).

A história é simples: em pleno século XVI, o rei D. João III oferece ao Arquiduque Maximiliano da Áustria um elefante vindo da Índia, que há dois anos se encontra em Belém. O animal, outrora aplaudido e motivo de autênticas peregrinações do povo português que nunca tinha visto semelhante criatura, vive agora esquecido e entregue aos cuidados de um cornaca indiano.

O autor do livro em análise vai sempre directo ao osso, num estilo narrativo ao qual já há muito habituou os seus fiéis leitores, e fazendo uso de um sentido de humor muito aguçado. De facto, há momentos tão hilariantes que nos fazem olvidar que, enquanto escrevia "A Viagem do Elefante", Saramago passou por um doloroso período de convalescença.

"(...) [Ao lado do Arquiduque Maximiliano] está sentada a formosíssima esposa, a Arquiduquesa Maria, em cujos rosto e corpo a beleza não irá durar muito porque parirá nem mais nem menos que dezasseis vezes, dez varões e seis fêmeas. Uma barbaridade." (Círculo de Leitores, pp. 151-152)

"A Viagem do Elefante" parece saído da pena de um jovem escritor, tal é a frescura, realismo e lucidez que transpira em todas as páginas. Ah!... e que belíssimo filme daria este livro se o cinema português estivesse para aí virado! Curiosamente, desde a leitura das primeiras páginas imaginei a história transfigurada num filme de animação. Enfim, devaneios de um leitor que devorou com imenso prazer a presente obra.

Saramago é um autor singular no auge da sua criatividade e recomenda-se.

domingo, 19 de julho de 2009

Banda sonora para o Verão (5)


Verão sem a audição e fruição integral do álbum "Clocktower Park", disco gravado por Kate Walsh em 2003, torna-se uma estação fria. Produzido por Lee Russell, é indie rock vintage, pleno de grandes canções que primam pela coerência num todo que não se reduz a uma mera soma de partes. É difícil, portanto, destacar apenas um dos temas, mas "It's Never Over" é um digno representante do todo.

Kate Walsh - "It's Never Over"
Kate Walsh - It's Never Over
4:12

Vinil (2)


O i publicou um excelente artigo sobre o vinil, nas páginas 34 e 35 da edição de 7 de Julho.

À semelhança do texto que postei aqui no dia 18 de Junho, podemos agora confirmar que a paixão pelos LP está novamente a crescer: em 2008 as vendas de discos de vinil cresceram 54 por cento. Segundo a Associação Fonográfica Portuguesa, os pedidos de álbuns no formato referido, das lojas às editoras, passaram de quatro, em 2007, para 2174 no ano seguinte.

Aproveito para deixar aqui o endereço do blogue de Júlio Marques, coleccionador e melómano aficionado do vinil: http://cultovinil.blogspot.com. Para quem gosta apaixonadamente de música.

sábado, 18 de julho de 2009

"Duplo Amor": Os dilemas morais, segundo James Gray

Depois de "Nós Controlamos a Noite", intenso melodrama familiar em tons noir, James Gray retoma os seus temas autorísticos com "Duplo Amor" (no original, "Two Lovers") e, mais uma vez, reinventa o melodrama.
Predominam as cores esbatidas, o nevoeiro, os tons cinzentos e os néons nesta história sobre um homem com tendências suicidas que, após uma desilusão amorosa, reencontra o amor em duas mulheres bem diferentes: uma, por quem se apaixona perdidamente; e outra, de quem se limita a receber amor. Com a primeira mulher (uma interpretação espantosa de Gwyneth Paltrow) estabelece uma relação de amor obsessivo mas unidireccional, visto que ela não sente por ele mais que amizade. Trata-se de um amor forte, intenso, não construído, como normalmente são os amores à primeira vista. Ela é também uma mulher com uma relação disfuncional e, aparentemente, condenada ao fracasso com um homem casado que a sustenta. No entanto, é da segunda mulher (interpretada por Vinessa Shaw) que recebe um amor incondicional, verdadeiro e com quem o protagonista aprende que é possível construir uma relação serena e segura.
Escolher entre a paixão intensa e carnal por uma, e a bondade e lealdade da outra, é o grande dilema moral do personagem interpretado por Joaquin Phoenix, actor que sabe sempre alternar entre a luz e a escuridão enquanto estados de alma. Identificamo-nos com ele pela sua humanidade frágil, pelas suas incertezas e inseguranças, pela sua crise de identidade, por não conseguir ser sincero com a família e com a mulher que o ama. No fim, compreendemos e identificamo-nos também com a sua decisão.
Com um argumento depurado, um trabalho de fotografia que realça as sombras da alma humana e dos lugares onde a acção decorre, bons actores e uma realização superior, o filme recomenda-se.
Trailer de "Duplo Amor", de James Gray

quinta-feira, 16 de julho de 2009

"Il Ya Longtemps Que Je T'aime": Refazer a vida


Retomando o tema de filmes como "O Quarto do Filho", de Nanni Moretti, "Reservation Road", de Terry George e "O Casamento de Rachel", de Jonathan Demme, Philippe Claudel coloca agora o drama da morte de um filho na perspectiva da mãe.

Após 15 anos a cumprir pena de prisão por ter assassinado o filho de seis anos, Juliette vai viver com a irmã enquanto procura reintegrar-se na sociedade. O filme vai mostrando essa readaptação de Juliette e o modo como os outros - família, polícia, empregadores - a avaliam a partir do crime que cometeu. À medida que a história avança vamos suspeitando que esse acto, bárbaro se analisado friamente, foi uma decisão tomada por amor incondicional ao filho e é neste pormenor que o filme ganha força e sentido. Dito de outro modo: a película cresce dramaticamente quando nos faz compreender a escolha de Juliette e identificarmo-nos com ela, mesmo conhecendo as consequências de tal acto.

Além do mérito de Philippe Claudel (escritor premiado que aqui se estreia na realização) em centrar o olhar nos personagens em detrimento de qualquer virtuosismo estético, é de destacar a interpretação sublime de Kristin Scott-Thomas, que consegue um registo que nos coloca permanentemente entre a escuridão e a luz, a melancolia depressiva e a alegria de viver.

Trata-se de uma ode à possibilidade de reconstruirmos a vida, assumindo a responsabilidade por todas as nossas acções. Por isso mesmo, não se trata aqui de apagar o passado, mas sim de aprender a integrá-lo nas experiências pessoais de vida e seguir em frente.

"Il Ya Longtemps Que Je T'aime" - Trailer

quarta-feira, 15 de julho de 2009

(Re)Visões sobre a 2ª Guerra Mundial (2) - As crianças no conflito


Em "O Rapaz do Pijama às Riscas", Mark Herman desenha um novo olhar sobre os campos de concentração nazis ao filmar a amizade improvável entre duas crianças de oito anos: Bruno, filho de um oficial alemão responsável pela gestão de um campo de concentração; e Shmuel, filho de um relojoeiro judeu, com quem está preso no campo dirigido pelo pai de Bruno.

É uma história verdadeiramente tocante, conseguindo provocar comoção e dor no espectador, sem ser lamechas. Trata-se, no fundo, de uma tragédia que coloca em causa, uma vez mais, todo aquele absurdo irracional que constituiu a base teórica (aqui apresentada no modo como no sistema de ensino era transmitida às crianças) e de acção (os trabalhos forçados e as aniquilações em série nos campos de concentração para judeus) do III Reich. Há, aliás, um momento no filme que demonstra o modo como Hitler procurou usar o cinema documental em benefício da sua acção de propaganda, a saber: quando Bruno assiste a um filme que retrata a vida nos campos de concentração como uma espécie de campo de férias com vista à doutrinação dos judeus e sua posterior integração na sociedade.

Não chega a ser uma obra-prima, mas é um bom filme com um final verdadeiramente perturbador, que nos leva, por um lado, a repensar o sentido da humanidade e, por outro lado, a nunca esquecer que o holocausto aconteceu mesmo e temos o dever de não deixar que se repita. Afinal, foi há pouco mais de seis décadas atrás.

"O Rapaz do Pijama às Riscas" - Trailer
TRAILER - O rapaz do pijama às riscas
2:11


segunda-feira, 13 de julho de 2009

"It's the economy, stupid!"


"Se juntarem dois economistas numa sala, terão sempre duas opiniões, a não ser que um deles seja Keynes: nesse caso, terão sempre três opiniões".

Vale a pena lembrar esta observação, atribuída a Winston Churchill, que, de forma talvez não intencional, valoriza Keynes. A economia é sempre plural e política. E, citando uma expressão corrente, a economia é demasiado importante para ser deixada apenas aos economistas.

Na verdade, a divisão e a incerteza chegaram ao debate económico. Os recentes manifestos e contra-manifestos assinados por alguns dos mais ilustres economistas deste país à beira-mar plantado, a favor e contra as obras públicas, mostraram, mais que nunca, que não há certezas quanto ao rumo a seguir no nosso país. Pior: as críticas de alguns economistas ao partidarismo e o timing da iniciativa deitaram por terra todas as esperanças de um debate credível sobre as obras públicas. Hoje ninguém se entende sobre a real necessidade e utilidade do TGV ou da nova ponte dobre o Tejo. Há, aparentemente, apenas uma excepção: Alcochete. O aeroporto que esteve para ir para a Ota tornou-se o único projecto público de grande envergadura que tem pernas para andar. No entanto, se bem me lembro, há pouco mais de um ano o "jamais" (o itálico pretende ser fiel ao termo pronunciado em francês) de Mário Lino parecia um erro monumental de avaliação. Hoje parece uma brincadeira de crianças no país onde tudo se decide para voltar a ser decidido.

Enfim, nada de novo neste Portugal dos pequeninos.

domingo, 12 de julho de 2009

Banda sonora para o Verão (4)





Há um álbum que transpira em todas as canções uma certa melancolia de Verão. Não sei se foi por ter comprado o CD num Domingo do mês de Julho de 2007, mas o que é certo é que passou a ser um disco de referência dos meus verões, e que ouço exclusivamente nessa estação do ano. Para muitos a música de Jay-Jay Johanson é exclusivamente outonal, tal a tristeza introspectiva que perpassa pelas suas músicas. Mas, para mim, as onze doces melodias de "The Long Term Physical Effects Are Not Yet Known" soam a um fim de tarde em frente ao mar. E só me apetece regressar ao som de "She Doesn't Live Here Anymore".

Jay-Jay Johanson: "She Doesn't Live Here Anymore"



Mulheres (2) - Intrigas palacianas


"A Duquesa", de Saul Dibb, é bem superior ao último filme analisado neste blogue. A comparação é, porventura, abusiva, pois, na verdade, tratam-se de duas obras cinematográficas bem diferentes, tanto do ponto de vista estético, como do ponto de vista narrativo. "Mulheres" é, ou pretende ser, um retrato da mulher urbana sofisticada do nosso tempo; "A Duquesa" é um filme de época, que narra parte da vida de Georgina Spencer, duquesa inglesa do século XVIII, célebre pelo seu comportamento ousado ao assumir abertamente posições políticas progressistas e participando até em campanhas de apoio a Charles Grey. A duquesa da família Spencer (no filme superiormente defendida por uma Keira Knightley em estado de graça) granjeou espontaneamente a simpatia do povo inglês, tornando-se um símbolo da emancipação feminina.

No entanto, o que mais interessou a Saul Dibb foi a exploração da sua peculiar vida privada: o duque, seu marido, era um mulherengo compulsivo que forçou Georgina a partilhar o seu palácio com a amante. Farta de conviver com as infidelidades do marido decide pôr em risco o seu casamento ao assumir uma relação extraconjugal com um jovem político promissor. Mas, o amor aos filhos vai obrigá-la a tomar uma decisão que comprometerá a sua felicidade.

É por entre estas intrigas, que diria palacianas, que a película de Dibb se move, conseguindo fazer brilhar a actriz principal, passando, contudo, ao lado do que poderia ter sido um statemente acerca da condição feminina e das mulheres que, à semelhança de Neda Agha Soltan, brutalmente assassinada há algumas semanas no Irão, lutam pelos seus direitos. Ficamo-nos por um filme competente, o que, nos dias que correm, já não é mau.

Trailer de "A Duquesa", de Saul Dibb




Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...