sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz 2011!

Dezembro é um mês diferente, o mais cruel, dizem alguns. Leva o Outono e, num repente, lembra-nos que já estamos no Inverno. Paradoxalmente, celebra o Amor incondicional, aquele que vincula pais e filhos (ou não fosse o Natal a celebração da Natividade), mas obriga-nos a repensar aquilo que fizemos/realizámos/concretizámos/escolhemos durante o ano prestes a findar. É por isso que no dia 31 de Dezembro se prepara de forma vívida o novo ano e, à meia-noite, abrem-se as garrafas de champanhe, comem-se doze uvas-passas e pedem-se doze desejos. Esperamos que no ano que começa sejamos mais corajosos, lutadores, coerentes, melhores do que éramos no ano anterior. Todavia, esquecemo-nos que o melhor princípio de mudança interior é aceitarmo-nos nas potencialidades e limitações, reconhecermos introspectivamente o que temos de melhor e pior, virtudes e defeitos. A partir dessa consciencialização, devemos agir responsavelmente, tendo em conta que a liberdade é a capacidade de escolher dentro dos limites que nos são impostos (biológicos, sociais, culturais, económicos, políticos...). Acima de tudo, viver e deixar viver, essa é uma máxima universal, um imperativo categórico do qual nunca nos devíamos afastar. Até porque, como diz o ditado, tristezas não pagam dívidas.

Votos de um ano de 2011 pleno de Luz.

"New Year's Day" - U2

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Crise?! Que crise?

"Crisis? What Crisis?" foi o título de um álbum dos Supertramp, lançado na década de 70 do século passado. Traduzido para português, "Crise? Que Crise?", serva também de mote a esta breve crónica , mais filha da estupefacção do que da vontade de revisitar o dito disco. 

O facto que, verdadeiramente, motivou semelhante entrada foi saber pelos jornais de ontem que, entre os dias 20 e 26 de Dezembro, os portugueses efectuaram oito milhões de levantamentos no valor de 578 milhões de euros nas caixas automáticas da rede Multibanco. Assim, na totalidade, entre levantamentos e pagamentos efectuados através da rede ATM, os portugueses gastaram 1360 milhões de euros, mais 149 milhões de euros do que em igual período do ano passado.

O melhor mesmo é revisitarmos o disco dos Supertramp e esquecermos que a crise será agravada em 2011. Feliz Ano Novo!

"Poor Boy" - Supertramp

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

"Marina" - um romance fascinante

Carlos Ruiz Zafón é um dos maiores escritores contemporâneos. "Marina", apesar de, na sua génese, preceder o seu livro mais conhecido - "A Sombra do Vento" -, só recentemente foi publicado entre nós, talvez motivado pelo sucesso da última obra do autor. É, no entanto, um romance superior na sua singularidade. Há, de facto, qualquer coisa diferente que se desprende de "Marina", inebriando o leitor com o odor, as cores, as ruas, os edifícios e a geometria de Barcelona dos idos anos 80. Trata-se de um mistério que nos conquista logo no primeiro parágrafo, transportando-nos de imediato para o espaço e o tempo dos lugares onde a acção decorre.

Na Barcelona de 1980, Óscar Drai (um jovem estudante de um internato da cidade) deambula pelas ruas, deslumbrado pelos palacetes antigos da parte velha da cidade. Numa das suas escapadelas nocturnas conhece Marina, uma bela e misteriosa rapariga com quem Óscar irá viver a aventura de penetrar num enigma doloroso que remonta à primeira metade do século XX. 

"Marina" é um romance fascinante, sem uma única palavra ou frase a mais.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Sócrates, o humorista (4)

Portugal vai chegar a 2011 com mais 600 mil desempregados, o nível mais alto em cerca de 30 anos. Mesmo assim, o primeiro-ministro de Portugal, responsável pelo nosso desgoverno já há mais de meia década, na tradicional mensagem autista, perdão, optimista de Natal, garantiu que "o Governo português (?) tomou as medidas necessárias para enfrentar esta situação", acrescentando que "é nestes momentos que mais" sente "energia interior".

Esta é mais uma pérola de humor involuntário, pelo que começo a ter certeza de que estamos perante um líder com um cérebro autista. Fosse o homem inteligente e uma horda de psiquiatras e neurologistas quereriam seriamente analisá-lo e, quiçá, interná-lo.

Assim vai este triste fim de ano.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Natal 2010

De origem pagã, o Natal celebrava inicialmente o Solstício de Inverno, a noite mais longa no Hemisfério Norte. A celebração cristã do Natal só foi instituída após a formação da Igreja Romana (século IV d.C.) pelo Papa Júlio I, isto apesar de não ser conhecida a data exacta do nascimento de Cristo, substituindo assim a veneração ao deus Sol - a contagem do tempo tal como a conhecemos no calendário actual existe apenas desde 1582.

A árvore de Natal, o presépio, os Reis Magos, o Pai Natal, os presentes e a tradicional ceia são os símbolos que enquadram a época natalícia. Durante o Advento somos invadidos pelo espírito natalício e valores como o Amor Fraterno, a Amizade, a Solidariedade e a Generosidade tornam-nos mais altruístas. No entanto, a tradição já não é o que era e há muito que a celebração da Natividade deixou de ser apenas uma comemoração em que se reúne toda a família, uma vez que o consumismo tomou conta da época. Centros comerciais decorados a preceito e apinhados de gente, são, infelizmente, a imagem (quase total) do Natal contemporâneo.

Não esqueçamos, todavia, que o Natal é a época em que a Solidariedade, a Amizade, o Amor incondicional e a Luz se tornam mais presentes. Que neste Natal o absurdo dos preconceitos, amarras e muros interiores se desmoronem. Ou, pelo menos, que cada um de nós destrua mais um tijolo do muro.

"God Rest Ye Merry Gentlemen" - Annie Lennox

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

"Joana D'Arc - a Donzela de Lorena" - um excelente filme para um serão em família

Surgiu recentemente no mercado DVD um telefilme de 1999, superiormente realizado por Christian Duguay, que adapta para o pequeno ecrã a inesquecível história de uma rapariga do campo cuja fé sem limites e coragem ímpar a transformou numa das mais veneradas líderes de todos os tempos. Leelee Sobieski brilha no papel da lendária guerreira Joana D'Arc, que, aos dezassete anos, liderou uma das maiores campanhas pela liberdade que o mundo alguma vez testemunhou. 

A reconstituição da época (a acção situa-se no século XV) é soberba, as interpretações são magistrais (além de Sobieski, destaca-se um subtil Peter O'Toole) e o argumento é uma lição de depuração narrativa. Curiosamente, no mesmo ano de produção desta película, Luc Besson levou ao grande ecrã a sua visão da personagem, mas essa película está uns bons pontos abaixo do filme de Duguay.

Trailer de "Joana D'Arc", de Christian Duguay



quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Banda sonora para o Inverno (11)

Há quem não goste mesmo nada de discos de Natal. Para esses, o novo CD de Annie Lennox pode funcionar como um elixir reconciliador com as canções tradicionais desta época festiva. "A Christmas Cornucopia" é, na verdade, uma pequena pérola estética, tal o bom gosto com que a antiga vocalista dos Eurythmics trabalhou os arranjos de clássicos como "Angels From The Realms Of Glory" e "God Rest Ye Merry Gentelman". No fim do álbum surge o maior presente: um tema original da cantora, belíssimo! Chama-se "Universal Child".

"Universal Child" - Annie Lennox

domingo, 19 de dezembro de 2010

"A Golpada" - um clássico exemplar

Vencedor de sete Óscares da Academia, em 1973, "A Golpada" é um dos filmes mais aclamados de sempre pelo público e pela crítica. Trata-se de uma comédia cuja acção decorre nos anos trinta do século XX, em plena época da Grande Depressão, protagonizada por dois vigaristas (o sempre jovial Robert Redford e o subtil Paul Newman) que pretendem arruinar um mafioso (o injustamente esquecido Robert Shaw), responsável pela morte de um dos seus parceiros. A forma como este inolvidável par de charlatães prepara a golpada contra o inimigo torna-a uma das mais espectaculares armadilhas da história do cinema, culminando num surpreendente desfecho. 

Crítica explícita à facilidade com que os regimes democráticos, sobretudo em épocas de crise económica, cedem à corrupção e caem num relativismo axiológico, "A Golpada" é uma obra imperdível realizada por um dos últimos cineastas clássicos de Hollywood - George Roy Hill.

Trailer de "A Golpada", de George Roy Hill



quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Banda sonora para o Outono (14)

Nick Cave é um verdadeiro artista: camaleónico, divergente, irónico, romântico, versátil. Já deu provas não só como músico singular, mas também enquanto romancista, poeta e argumentista tem demonstrado uma criatividade rara. Avesso a modas, seguindo o seu próprio caminho e fiel ao seu universo existencialista, acabou de lançar o opus 2 do seu último alter-ego: Grinderman. Não se pode considerar este como um álbum que traga algo de novo à sua já extensa discografia; continua, no entanto, a ser musicalmente interessante e, sobretudo, esteticamente ousado. Grinderman 2 é, portanto, um disco que merece ser escutado sem pressa, com disponibilidade, atentamente, sempre.

"Palaces of Montezuma" - Grinderman

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Portugal, país de desigualdades sociais

O livro "Desigualdades Sociais 2010 - Estudos e Indicadores", conclui que Portugal é o segundo país da União Europeia (o primeiro é a Letónia...) onde a desigualdade na distribuição de rendimentos é maior. Ainda assim, Sócrates e seus comparsas continuam a discursar sorridentes.

domingo, 12 de dezembro de 2010

"Afogados" - a Espanha em "pulp fiction"

"Afogados" é uma insólita obra escrita por Carlos Eugenio Lopez, que analisa a Espanha através da perspectiva de dois anónimos gangsters em travessia por La Mancha numa madrugada de Outono. Na bagageira do carro transportam o cadáver de um imigrante narroquino e, enquanto viajam, estabelecem um diálogo ininterrupto acerca do passado de Espanha, do presente e do futuro. A estrutura narrativa é mesmo essa: um diálogo contínuo sem qualquer interferência de um narrador presente ou ausente, como se de um filme ou de uma peça de teatro se tratasse. A nós, leitores, resta-nos acompanhar os discursos desconcertantes dos dois filósofos de pacotilha, que reflectem sobre amor, sexo, infidelidade, morte, religião, política, imigração e até o sentido da existência. Como num filme de Quentin Tarantino...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

"Vencer" - teatro trágico

Marco Bellocchio é um cineasta genial (talvez o mais interessante cineasta italiano no activo) e, em tempos de crise também no cinema europeu, ele é um dos poucos sobreviventes do que se convencionou chamar de cinema de autor. "Vencer", a sua última e multipremiada obra, é um ensaio operático visionário que toma Mussolini como pretexto para uma profunda parábola sobre a megalomania política. 

O ponto de partida de "Vencer" é a relação amorosa do egocêntrico ditador italiano com Ilda Dalser, mãe do primeiro e renegado filho de Mussolini, que vendeu todos os seus bens em prol da ascensão do homem que amava obsessivamente. Separados à força, Ida Dalser e o seu filho, viveram os últimos anos num manicómio sob uma violenta clausura. 

O filme de Bellochio assume-se também como reflexão sobre a forma como o poder corrompe o amor. A montagem, os planos, a luz, são soberbos, transmitindo ao espectador uma sensação de asfixia, tal a densidade e aproximação da câmara à loucura e paranóia esquizofrénica do par romântico da obra.

Trailer de "Vencer", obra de Marco Bellochio

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...