quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Estado da Nação (a análise política de um amigo) - Portas apresenta o Guião da Reforma do Estado que só o próximo governo pode executar

O vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, apresentou na quarta-feira o "guião para a reforma do Estado", uma espécie de documento que garante ter sido elaborado com "humildade democrática" que ninguém sabe bem o que será, quando o próprio, nem os restantes membros do governo, não a tem? e cujo horizonte classifica como sendo "de médio prazo", o que é mau sinal pois estou esperançado que este governo desapareça a curto prazo.
Em bom português, a montanha pariu um rato e o que está no guião do estado não é mais do que um programa, feito aos pontapés e que muitas das medidas, para não dizer todas, não são exequíveis. Antes de mais, e destacando a "recuperação de uma parcela importante da soberania nacional", que a meu ver nunca a perdemos, pois não esqueçamos que Portugal contribui tal como outros tantos países para o FMI e outras instituições, para que em momentos de instabilidade financeira possam ser ajudados.

Posteriormente Paulo Portas começou por afirmar que várias das reformas propostas "transcendem o prazo de uma legislatura", ou seja, continuam a governar pensando na rotatividade partidária e na expetativa de que o próximo governo socialista vá executar o que estes abutres estão a aplicar. Este último aspeto é deveras Maquiavélico pois, como já referi anteriormente, gostava que o governo desaparecesse a curto prazo e não existissem mais cortes, na medida em que, apesar de ser um leigo em economia, pensei que o próximo corte seria nos pulsos e de preferência com um x-ato e isto porque, inicialmente, foi o corte nos salários, depois o corte nas prestações sociais, a seguir o corte nas reformas, mais tarde o corte nas pensões de sobrevivência. Como tal, pensei que agora o governo ia obrigar os portugueses a cortarem os pulsos. Mas não, afinal vai cortar novamente nos salários e nas pensões. Isto revela falta de imaginação, sabendo nós que é sempre possível cortar mais nas PPP, rendas das elétricas, aumentar impostos sobre a banca e grandes fortunas, acabar com as reformas milionárias e as subvenções vitalícias dos políticos que ainda as recebem, entre outros.
Cada vez mais o Governo está parecido com o Estripador e não há ninguém que os apanhe, tal como o Estripador de Lisboa.

Paulo Portas apresentou assim, as principais propostas para a reforma do Estado a ser executado pelo próximo governo, que são[1]:

- Nomeação, no início do ano de uma comissão de reforma do IRS e redução deste imposto em 2015, bela medida pré eleitoral para que o povo vote neles. Neste ano de 2015 a crise já terminou e Portugal tem mais poder económico que a Alemanha pela certa.
-  A inclusão da chamada "regra de ouro" na Constituição, o que, alega Paulo Portas, daria "confiança" às instituições e aos mercados. Como é evidente, daria confiança às instituições e aos mercados, mas o Estado Social irá desaparecer, pois sabemos perfeitamente que num país com Estado Social as pessoas recorrem a ele com frequência. A tendência é para americanizar Portugal.
-  "Não podemos continuar com o mesmo número de funcionários como antigamente e não podemos continuar a fazer desvalorização salarial na função pública", defendeu o vice-primeiro-ministro ao anunciar a proposta de uma administração pública com "menos funcionários, mas que seja possível pagar-lhes melhor". No entanto, continuamos sem saber quantos funcionários públicos existem, quantos estão a trabalhar, que funções executam e se em determinados setores da função pública faltam funcionários.
- Trabalho a tempo parcial na administração pública. Vamos ter tarefeiros a trabalhar em períodos sazonais. Imagino a Marinha a funcionar só na época de Verão para vigiar as praias. 
 - Renovação da administração pública com o reforço da contratação de jovens licenciados. Ou se quisermos as cunhas para os “jobs for the boys” dos partidos.
- "Plafonamento" das contribuições dos futuros pensionistas e um teto máximo para as reformas do Estado. E em relação aos que já contribuem para a Segurança Social não irá haver um plafonamento? É que, se vier a existir, era bom que começassem a fazer as minhas contas.
 - Promoção de formas que permitam a agregação de municípios. Para quem pretende descentralizar, mais não está a fazer do que centralizar. Certamente, irão ter o número de câmaras que estes dois partidos, por norma, conseguem obter e as restantes desaparecem. PCP/Verdes/Bloco e Independentes que se cuidem.
- Avaliação do cheque ensino, que permita às famílias escolherem a escola que querem, um caso a ser estudado com casos-piloto. Estou mesmo a ver o filho do cigano bater à porta de um colégio, com vários cheques na mão mais parecendo as senhas do almoço.
- Criação de "escolas independentes", abrindo concursos que permitam aos professores tornarem-se proprietários e gestores de uma escola. As escolas nunca foram nem são verdadeiramente independentes, pois estão debaixo da tutela do Ministério da Educação. O que se pretende realmente é passar as escolas para a tutela das autarquias e aí, onde contínua a vigorar a corrupção, passará a ser mais fácil colocar nas escolas os filhos, os primos, os sobrinhos e os filhos das amantes dos Presidente de/da Câmara.
- Prioridade para a colocação de desempregados e criação de prémios para quem criar postos de trabalho. Não vejo os patrões criarem postos de trabalho sem terem a garantia de que uma boa porção de “carne” é dada pelo Estado e além disso vai ser mais fácil despedir, existindo assim mais precariedade laboral, com implicações diretas na economia e no crescimento demográfico do país.
- Redução do "Estado proprietário" (alienação de imóveis), a redução do Estado inquilino (poupança de rendas) e a racionalização de espaço dos serviços públicos (com levantamento dos espaços não utilizados). Em termos práticos: vender o nosso património.
- Criação, em 2014, de uma Comissão de Reforma da Segurança Social para elaborar uma proposta de reforma que assegure a sustentabilidade do sistema. Mais uma Comissão para levar uns quantos milhares de euros no fim de cada mês e no fim vão dizer que: Reforma? Nem morto!
- "Nem estatização nem Estado mínimo". O documento aprovado quer "abrir um debate nacional sobre o que devem ser as tarefas do Estado no século e no mundo em que vivemos”. O que ele pretende é pura e simplesmente não haver Estado, pois as principais obrigações do Estado para com o seu povo ficarão sem condições de ser executado. Em termos práticos, a iniciativa privada toma conta de todos nós. Basta pagar, claro.
- Justiça mais célere e melhor acesso efetivo. É só ver as condenações realizadas em Portugal relativamente ao BPN e BPP.

Desta forma, iremos ver nos próximos anos, a manter-se esta linha de pensamento neoliberal, o fim do Estado como nós o conhecemos. Querem americanizar-nos, mas esquecem-se que, como povo latino que somos, não temos a mesma cultura, os mesmos princípios, os mesmos costumes e desta forma estão a criar clivagens sociais graves, num país que está pobre e que não aguenta mais cortes. Deixo aqui uma ideia para quem governa. Porque não nos mandam tomar Depuralina? Depuralina “aspira” as gorduras ao longo do dia, durante a noite e também “aspira” as gorduras dos alimentos, evitando assim que as recuperemos. Ficamos mais magros, poupamos e certamente o país ficará mais rico.

Por André Nuno Rodrigues de Sousa

Quem quer comprar uma escola?


domingo, 27 de outubro de 2013

Estado da Nação - A pobreza, de acordo com o PP

Nos vários círculos da exclusão, os pobres de Paulo Portas ocupam os lugares mais profundos, secretamente irrevogáveis. Pertencem a um mundo que não muda, que Salazar interpretou superiormente e tentou confundir com a alma lusa. Este miserável perfeito só existe no subconsciente de Paulo Portas e nesse lugar é, curiosamente, o único elemento parado, voluntariamente desprovido, feliz com a sua miséria. Está num estádio inferior ao da resignação. A resignação pressupõe um incómodo, o desconforto de se imaginar uma outra realidade e, mesmo como possibilidade remota, a sua inclusão nela. A resignação tem em si, paradoxalmente e de forma ardilosa, a proto-ambição de mudança, porque é potencialmente provisória, precária, instável. Essa ousadia está completamente ausente da pobreza de Portas.

Os pobres de Portas são as vítimas da fome perpetuamente agradecidas à amabilidade enlatada da Dra. Isabel Jonet. Os pobres de Portas são o povoléu agrilhoado e agradecido, a arraia-miúda confundida com "a convergência do sistema de pensões", a gentalha aturdida com "o regime geral", o escorralho adormecido com "a condição de recurso", a ralé que "não aparece na televisão".

Mas nos círculos mais exteriores - e esta verdade fere a testa dos opressores como uma espada de fogo - há seres cada vez mais livres, alguns e algumas dos quais são tão livres como Paulo Portas.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Estado da Nação - Ilusionismo retórico

Alguém morre e deixa uma pensão de 1000 euros. Desse montante, o cônjuge recebe 60%, ou seja, 600 euros. Um dia, um vice-primeiro-ministro e uma ministra das finanças anunciam que, dada a situação dramática do país, o sobrevivo passa a receber 54%. "Ou seja, estão a dizer-me que vou perder 6%, isto é, 60 euros", pensam os viúvos. Conformados, aceitam. Preparam-se para deixar de comprar o remédio para as varizes, cortam no pão, nas bolachas de água e sal e no café. Chega a pensão no mês seguinte e lá está a verba. Acham que está certa, mas, na verdade, não está. Foram iludidos. Isto porque a conta real é a seguinte: o novo montante da pensão, ou seja, 540 euros, é a base sobre a qual devem ser feitas as contas e significam, na realidade, um corte de 10% no rendimento disponível, que anteriormente era de 600 euros. Se calhar, é ilusionismo retórico. Baralha e volta a dar! A democracia é cara, mas quem disse que a trafulhice é a essência da democracia?

sábado, 19 de outubro de 2013

Banda sonora para o outono - Kenny Garrett: "Pushing The World Away"

Kenny Garrett é um dos nomes fortes do jazz contemporâneo. Tocou na orquestra de Duke Ellington e na banda de Miles Davis, tendo editado o seu primeiro LP em nome próprio em 1984. Desde então, tem construído a sua obra num tecnicismo crescente e em estéticas herdeiras de John Coltrane e Sonny Rollins. "Pushing The World Away", editado no início do outono, é um álbum que harmoniza o post bop e o jazz fusion mais espiritual com resultados impressionantes do ponto de vista da composição e da execução. 


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Estado da Nação - Era uma vez um governo que se habituou a chamar idiota a um povo inteiro...

O Orçamento de Estado recentemente apresentado pela troika, perdão, pela atual Ministra das Finanças é um documento vergonhoso, que privilegia os grandes interesses - a banca e as elétricas - em detrimento dos pobres e remediados, que são todos os funcionários públicos com um salário de 600 euros ilíquidos. Um Orçamento que aumenta os gastos de funcionamento do próprio governo em níveis vergonhosos (os gabinetes vão gastar mais 3,3 milhões de euros que em 2012, época em que o primeiro-ministro anunciava que a austeridade começava dentro de portas), enquanto aniquila as pensões de reforma daqueles que nasceram noutros anos de chumbo e se esforçaram por nos entregar um país mais decente - e que agora sustentam os filhos desempregados por causa de uma política económica cega que trava o crescimento, a procura interna e a criação de emprego. O que está em curso é o desmantelamento do país tal como o conhecemos, a reboque de uma experimentação económica comandada por pessoas que não elegemos (embora boa parte do governo em funções se identifique com tal tentativa de implosão, na certeza, claro está, que do alto dos seus cargos - e futuros cargos em grandes empresas - nunca terão de se confrontar com as dificuldades do cidadão comum).
Já se sabia que o pretenso novo ciclo era um embuste retórico, uma vez que havia um compromisso prévio de corte de 4 mil milhões de euros. Afirmar, como os dois líderes dos partidos da coligação no poder, que isto "não é um novo pacote de austeridade", é chamar idiota a um povo inteiro.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Banda sonora para o outono - Gregory Porter: "Liquid Spirit"

Há um disco que não sai da minha aparelhagem há já duas semanas: chama-se "Liquid Spirit" e traz a assinatura de Gregory Porter, talvez a mais profunda voz do jazz surgida no século XXI. Descobri este artista num concerto transmitido no canal Mezzo. Fiquei imediatamente hipnotizado pelo canto natural e pela simpatia de Porter. De grande porte, mas com pose elegante, o músico destaca-se pelo timbre e fraseado singular, por uma voz simultaneamente suave e poderosa, que evoca toda uma tradição de cantores norte-americanos de jazz e soul. 

Gregory Porter cresceu na Califórnia mas foi do lado Atlântico do continente americano que nasceu, verdadeiramente, para a música. Na verdade, foi já a viver em Brooklyn que lançou, em 2010, o seu disco de estreia, Water, seguido em 2012 pela obra-prima Be Good. Agora, aos 41 anos, assinou contrato com a editora Blue Note para a edição do terceiro álbum, o espiritual Liquid Spirit. Que não restem dúvidas: Liquid Spirit é mesmo um disco para polir a sensibilidade e elevar a alma. Quem não ouviu ainda Gregory Porter que o faça imediatamente, pois arrisca-se a passar ao lado do futuro do jazz e - mais importante ainda - poderá nunca vir a perceber por que razão a música também pode ser uma experiência religiosa.

Gregory Porter dará esta semana dois concertos em Portugal: dia 9 no CCB e dia 11 na Casa da Música. Que fizemos nós para merecer isto? 


Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...