Em Coração de Cão, Laurie Anderson constrói um complexo filme-ensaio sobre o significado da morte e a sua ligação ao amor.
A partir da morte do seu cão, Lolabelle, a mítica artista nova-iorquina monta um puzzle de imagens acompanhadas por uma banda-sonora algo soturna (da sua autoria) e por narração em off (a cargo da própria realizadora), transcendendo as barreiras da ficção e do documentário. No fundo, estamos perante poesia em imagens ou, como diria Nietzsche, "o filósofo [a falar] pela boca do poeta".
É particularmente arrepiante a breve aparição de Lou Reed enquanto ouvimos Anderson sussurrar: "Reconhece isto!". De resto, o filme é dedicado à memória do músico falecido em 2013 (Coração de Cão termina com uma balada de Reed, com o sugestivo título Turning Time Around).
Que não restem dúvidas: a película de que aqui se fala é uma obra de arte completa, reunindo várias linguagens estéticas (pintura, desenho, fotografia, música, poesia, filosofia, imagens de arquivo, documentário, filmes de 8mm, ficção, história) e, sobretudo, assumindo, de forma corajosa, a morte como o maior (e talvez o único) problema existencial - feito cada vez mais raro no cinema contemporâneo, que se entretém, não poucas vezes, a celebrar a vida enquanto oposto da morte (ou como tentativa de a anular).
Laurie Anderson olha a morte nos olhos, relaciona Wittgenstein, Kierkegaard e O Livro Tibetano dos Mortos para concluir que a morte é a libertação do amor. Se quer saber porquê, veja o filme. É apenas o melhor que as salas de cinema nacionais exibiram em 2016.