domingo, 25 de setembro de 2016

Filmes tão maus, que são tão bons! (1) - "Quando o Mundo Nasceu", de Don Chaffey

Título original: One Million Years B.C. (1966)
Intérpretes: Raquel Welch e John Richardson

Trata-se de um remake de um filme de 1940, que narra a história de Tumak, uma espécie de anti-herói da pré-história, que, após ser banido da sua tribo, conhece uma beldade (por sinal, helvética!), de nome Loana, que pertence a uma tribo civilizada, onde Tumak vai ter sérias dificuldades de integração. Se não, vejamos:

- A tribo de Tumak era caçadora-recoletora; por sua vez, o grupo de Loana já cultiva os próprios alimentos;
- Na tribo de Tumak imperava a lei do mais forte; na de Loana a liderança é confiada ao homem mais sábio;
- Quem morre, ou fica gravemente ferido, na tribo de Tumak, é abandonado para gáudio dos abutres; na tribo civilizada os rituais fúnebres são muito parecidos com os das religiões monoteístas;
- Na tribo de Tumak, homens e mulheres são morenos, feios, imundos e maus; a de Loana parece uma utopia ariana: são todos bonitos, loiros e com olhos azuis.

A este delírio psicadélico, juntem-se animais pré-históricos (sim, afinal o Homo Sapiens Sapiens teve que enfrentar perigosos dinossauros e tartarugas gigantes, tão lentas quanto perigosas), efeitos especiais ranhosos (da responsabilidade do mítico Ray Harryhausen) e diálogos (escassos, felizmente!) hilariantes, e ficamos com uma película tão má, que é uma delícia da arqueologia cinéfila.

sábado, 17 de setembro de 2016

Estado da Nação (14) - 80 mil alunos no 1º ano

O ano letivo 2016/2017 iniciou com a maior quebra de sempre no número de alunos no 1º ano do 1º ciclo. Há quatro anos, as escolas abriram pela primeira vez para 107 mil alunos.

Sinal dos tempos. O mesmo país que atrai cada vez mais turistas não gera confiança na renovação geracional.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Adeus, Gene Wilder (1933-2016)


Este comediante genial foi o primeiro (muito antes de Johnny Depp) Willy Wonka no cinema - em A Maravilhosa História de Charlie, realizado por Mel Stuart, em 1971. Mas, na minha memória afetiva, ficará por três das comédias que mais me fizeram rir na adolescência: Frankenstein Junior (a obra-prima de Mel Brooks), filme de 1974, A Mulher de Vermelho (assinado pelo próprio Gene Wilder, em 1984) e Cegos, Surdos e Loucos (realizado pelo mestre Arthur Hiller, em 1989). 

De olhar brilhante e sorriso luminoso, Gene Wilder foi um artista generoso.


segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Estado do Mundo (40) - A liberdade de expressão na Turquia de Erdogan


A escritora e jornalista Asli Erdogan foi presa a 20 de agosto deste ano. Detida na prisão feminina de Barkirköy, de acordo com o seu advogado, está confinada a uma solitária com uma cama cheia de urina, foi privada dos medicamentos de que necessita e não a deixam ver a luz do dia.


O Pen Club Internacional lançou uma campanha pela libertação de Asli Erdogan (que, apesar do apelido, não tem qualquer ligação de sangue com o atual presidente turco). No site é possível consultar as moradas das embaixadas turcas e o endereço da presidência do país, para onde devem ser enviadas cartas a pedir a libertação da escritora.

domingo, 11 de setembro de 2016

Estado do Mundo (39) - (des)igualdade de género (2)

«Que exemplo estaremos a dar aos aos nossos filhos ao pagarmos menos às mulheres do que aos homens por trabalho igual?»
Barack Obama, Presidente dos EUA, que lançou um apelo em defesa da igualdade salarial no País

sábado, 10 de setembro de 2016

Estado do Mundo (38) - (des)igualdade de género


Facto 1: De acordo com o Global Gender Gap Report 2015, as mulheres, em Portugal, ganham em média menos 9.200 euros por ano do que os homens.

Facto 2: 16% é o que os homens recebem a mais do que as mulheres, em média, nos países da União Europeia por desempenharem trabalho igual, de acordo com o Fórum Económico Mundial.

Facto 3: Nos últimos dez anos, a desigualdade salarial diminuiu apenas 3%, pelo que, a este ritmo, serão precisos 118 anos para se atingir a igualdade salarial.

Facto 4: A atriz mais bem paga no mundo é a talentosa Jennifer Lawrence, ganhando 40,6 milhões de euros num ano; o seu congénere masculino é o canastrão Dwayne "The Rock" Johnson, que lucrou mais 17,4 milhões do que aquela atriz.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

"100 Code" - uma série policial competente


Da Suécia, surge uma série policial competente liderada pelos atores Dominic Monaghan e Michael Nyqvist. A premissa é clássica: Tommy Conley é um detetive nova-iorquino enviado à Suécia para observar e aconselhar a polícia de Estocolmo nas investigações dos assassinatos de várias jovens. Conley acaba por formar equipa com Mikael Eklund, um polícia veterano que começa por hostilizar o seu novo parceiro mas que, rapidamente, aprende a respeitar.

100 Code obedece ao filão de filmes e séries em torno de duplas de polícias bem diferentes entre si, um mais sereno e racional, outro mais nervoso e impulsivo. Há, todavia, o toque nórdico que confere alguma singularidade à série. Desde a saga Millenium que estão na moda os thrillers escandinavos. Ainda bem. O céu permanentemente cinzento e o frio glaciar ajudam a criar uma atmosfera de perigo iminente.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

"Os últimos na Terra", de Craig Zobel - o desejo depois da catástrofe


Craig Zobel constrói uma parábola futurista centrada na relação entre dois sobreviventes de uma catástrofe nuclear. A aparente paz e vontade de recomeçar e reedificar por parte desta reatualização do mito de Adão e Eva em Éden pós-apocalíptico vai ser perturbada pela chegada de um estranho, que desperta o desejo na mulher e o ciúme e sentido de posse no homem. A partir deste jogo de ambiguidades, onde o que se expõe é muito menos do que aquilo que se esconde, somos conduzidos ao inevitável pecado original e à reposição da normalidade pelo crime.


Qual eterno retorno, a história repete-se: o desejo sexual, a propriedade privada, a desconfiança, a inveja, o egoísmo e o ciúme são confundidos com a proteção do que se ama. Sim. Não de quem se ama, mas das coisas que se amam, daquilo que se ama. Instinto, impulso, pulsão, líbido, desejo, corpo, matéria das paixões, mesmo após a catástrofe da destruição da natureza.


quarta-feira, 7 de setembro de 2016

"A Rapariga no Comboio", de Paula Hawkins - um "page turner" dececionante





Confesso que tenho como guilty pleasure de eleição o gosto pela leitura ávida de alguma literatura mais comercial, invariavelmente romances policiais que, todos os anos, surgem como best seller do verão. Livros nem sempre brandos para tardes solarengas de estio, portanto.


A Rapariga no Comboio é um desses livros que vendem milhares de exemplares e que se anunciam como "o êxito de vendas mais rápido de sempre". A premissa é sedutora: durante as suas viagens de comboio, uma mulher fantasia acerca da vida de um jovem casal que vive próximo de um apeadeiro; ela observa a sua rotina matinal no pequeno terraço da casa onde vivem, até que assiste a uma alteração nessa repetição, que a inquieta: em vez do marido julga ver um amante da jovem. A notícia do desaparecimento da última mulher, leva a protagonista (de espírito cínico, agora caída em desgraça) a tentar deslindar o mistério.

Há no livro sinais do clássico Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock, e do romance Em Parte Incerta, de Gillyan Lynn, mas, no fim, fica a sensação de que Paula Hawkins desperdiçou uma boa história, tal é o vazio de ideias e a pobreza literária do romance. Hitchcock ou Brian de Palma talvez conseguissem transformar A Rapariga no Comboio num bom thriller.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

"A Assassina" - o regresso de Hou Hsiao-Hsien


Filme premiado em vários festivais de cinema, A Assassina marca o regresso de um dos mais prestigiados cineastas asiáticos, Hou Hsiao-Hsien, que não assinava uma obra desde 2007.

A Assassina é uma película de câmara, de planos e de cores. Parábola moral que narra o conflito interior de uma mulher treinada para matar mas que escolhe não perpetrar o crime, esta é uma obra para contemplar e deixar que se vá entranhando na sensibilidade.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

"A venturosa história do usbeque mudo", de Luís Sepúlveda - Nostalgias de esquerda

É impossível não nutrir simpatia e carinho pela escrita de Luís Sepúlveda. Desde os clássicos O velho que lia romances de amor e História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar, passando por Patagónia Express e Diário de um killer sentimental, é fácil sentirmo-nos rendidos às suas narrativas simples (mas não simplistas) e fluídas, aos seus heróis generosos e até a uma certa poesia romântica, como se todas as histórias fossem contadas a partir da memória afetiva de pessoas, lugares ou animais.

É neste contexto que se lê o pequeno volume de contos A venturosa história do usbeque mudo, uma espécie de requiem nostálgico por uma juventude irrepetível, aquela que, durante as décadas de 60 e 70, lutou contra regimes fascistas na América Latina. São histórias breves que trazem à memória camaradas de esquerda do próprio autor, heróis míticos como Che Guevara (há um capítulo que detalha os seus últimos momentos de vida) ou soldados que pereceram em nome da causa revolucionária e que, de outra forma, estariam condenados ao esquecimento.

Claro que a perspetiva de Sepúlveda nunca é imparcial: os revolucionários são sempre guerrilheiros de bom coração. Mas esse era também um sinal dos tempos retratados nesta obra, uma determinada ingenuidade e honestidade que já não volta. E tal visão não revela qualquer forma de maniqueísmo, antes pelo contrário, torna as histórias mais comoventes e intensificam o prazer da leitura.

domingo, 4 de setembro de 2016

"Quarto" - exercício de afetos, por Lee Abrahamson


A partir do romance O Quarto de Jack, de Emma Donoghue (e segundo argumento da mesma autora), Lenny Abrahamson constrói um comovente drama centrado na relação entre uma jovem e o seu filho de cinco anos, que vivem presos num minúsculo quarto cuja única janela para o mundo exterior é uma clarabóia. A mãe mantém o pequeno Jack na ilusão de que aquele quarto é o mundo onde se encontram protegidos de extraterrestres.

Quarto está dividido em duas partes: a primeira corresponde à sinopse apresentada atrás; a segundo descreve a fuga da criança e a adaptação ao novo mundo fora do quarto. Abrahamson consegue manter o equilíbrio com uma realização segura que, respeitando o olhar de uma criança de cinco anos, é tão hábil a filmar o huis clos da primeira parte como na captação do novo ambiente familiar da última parte.

Apesar de algum maniqueísmo emocional (difícil de evitar, tendo em conta a terrível situação em que os protagonistas se encontram), estamos perante um bom filme, fazendo-nos acreditar, desde o primeiro minuto, na vinculação securizante estabelecida entre aquela mãe e o seu filho. Por isso, também nós, espetadores, passamos cerca de uma hora encerrados naquele quarto feito mundo - e esse é o maior mérito da película.

sábado, 3 de setembro de 2016

Estado do Mundo (37) - Os 10 países mais perigosos para as mulheres

Quase que podíamos citar o título do primeiro tomo da saga Millennium, de Stieg Larsson, Os Homens [neste caso, Países] que Odeiam as Mulheres. Na sequência de declarações do ministro do Turismo e da Cultura indiano, que pediu às mulheres que visitem a Índia que não usem saia e evitem saídas à noite (no que pode ser interpretado como uma responsabilização da mulher pelo crime do qual é vítima), o i publicou na edição de 31 de agosto o ranking dos países mais perigosos, sobretudo para as mulheres. Eis a lista:

1 - Índia [a cada quatro horas há uma violação em Nova Deli]
2 - México [onde existem altos níveis de criminalidade e violência de gangues]
3 - Brasil [terceiro país do mundo com maior taxa de homicídios]
4 - Egito [depois da primavera Árabe houve um aumento do número de casos de violência sexual]
5 - Arábia Saudita [no ano passado, 1200 mulheres morreram durante visitas ao país]
6 - Turquia [o uso das chamadas "drogas da violação" tem vindo a aumentar exponencialmente]
7 - Honduras [aqui encontra-se a cidade mais violenta do mundo]
8 - Quénia [são inúmeros os casos de violação e rapto]
9 - Colômbia [país que coloca muitos entraves à condenação de um homem pelo crime de violação]
10 - Jamaica [onde o crime violento tem vindo a crescer de forma impressionante].

Países a educar e a evitar, portanto.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

"Os Oito Odiados" - Wester Spaghetti + Agatha Christie = Quentin Tarantino


Nicholas Ray, Sergio Leone, Alfred Hitchcock e Agatha Christie parecem reunir-se no oitavo filme de Quentin Tarantino. Em boa verdade, Os Oito Odiados constitui a oitava homenagem deste autor às suas influências estéticas e identitárias, depois de já ter feito o mesmo a Scorsese, aos blaxploitation movies, à pulp fiction, aos filmes de guerra, aos westerns e ao cinema de Hong Kong.

Há uma vontade de fazer cinema de recorte clássico, tanto na escolha da película (70mm), como na decisão de estender o filme por três horas com longos planos fixos e dando primazia aos diálogos (à semelhança das outras obras que assinou), bem como na banda sonora de Ennio Morricone (justamente premiada com um Óscar). Depois há as fabulosas interpretações, com destaque evidente para Samuel L. Jackson naquele que é, provavelmente, o melhor desempenho da sua carreira.

Juntando os códigos do western e do thriller, Tarantino cria uma fita de detalhes, em que o misterioso desaparecimento dos proprietários de uma estalagem nas montanhas, durante um inverno rigoroso, é o dispositivo narrativo cujo desenlace, afinal, é um pretexto para a (des)construção de um mito: a carta que Lincoln terá escrito a um escravo foragido durante a Guerra Civil Americana.


Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...