segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Feliz Ano Novo!


Aos leitores deste blogue, desejo um Feliz 2013, pleno de luz, saúde, amizade, paz e sabedoria na esperança de que a união dos homens de boa vontade nos conduza a um mundo melhor.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Banda sonora para o inverno (22) - Natal em Brooklyn

O Natal tem sido pretexto para inúmeras composições que, desde há muito, fazem parte do cancioneiro popular. Todavia, nunca como em Surfjan Stevens esta quadra religiosa (mais do que festiva) tem sido objeto de obsessão, como se de um desígnio de vida artística se tratasse. Talvez movido pelo imaginário da infância (basta atentar nas capas dos cinco discos que compõem "Silver and Gold" para verificarmos que é todo um universo infanto-juvenil que as inspira), aquele músico editou este mês a sua segunda obra dedicada à Natividade (a primeira, "Songs For Christmas", foi publicada em 2006) e , uma vez mais, é constituída por uma caixa (que inclui autocolantes, um poster, um ornamento de Natal e um booklet com partituras, fotos e um texto assinado pelo músico de Brooklyn) com cinco CD (sim, cinco!) divididos por subtemas ilustrados por títulos litúrgicos ou fantasiosos. Ao todo, são 58 canções que tanto viajam por standards bem conhecidos, como também há espaço para divagações pessoais (são 21 originais e um cover de "Alphabet St.", de Prince, agora transformado em canção de Natal).

Não se pense, contudo, que a fixação de Surfjan Stevens resulte num produto convencional de mero consumo sazonal. Bem pelo contrário! A provar a perspetiva apaixonada mas singular do músico perante a época natalícia está o facto de as composições originais se dedicarem a questionar - e até a satirizar (ouça-se o brilhante grand finale que é a canção "Christmas Unicorn") - o consumo excessivo que marca tristemente aquela que deveria ser, sobretudo, a época da celebração da família e do amor incondicional.

"Silver and Gold" é uma obra concetual constituída por cerca de três horas de música, uma viagem pela arte das musas que passa por hinos celestiais, cantigas folk e barrocas, desconstruções de clássicos, retratos apocalípticos, ambientes futuristas e cenários quase esquizofrénicos. De qualquer forma, estamos perante uma obra-prima que celebra o solstício de dezembro e em que o todo não se reduz à soma das suas partes. Daria um excelente presente de Natal...

Surfjan Stevens - "I'll Be Home For Christmas"

domingo, 23 de dezembro de 2012

Natal 2012

Numa planície de esperança, resta-nos semear o futuro. Que o amor entre todos nós seja o suficiente para adicionar as cores que precisamos na nossa vida.

Votos de um Natal pleno de Luz, Amor e Saúde.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Banda sonora para o outono (27) - Cody ChesnuTT: "Landing on a hundred"

Cody ChesnuTT foi o autor de "The headphone experience", provavelmente a maior obra da soul music da década passada. Na verdade, esse foi um disco monumental composto por mais de trinta canções da mais pura filigrana musical, à altura do legado de autores como Marvin Gaye e Stevie Wonder. 

Dez anos volvidos sobre a dita obra, finalmente Cody ChesnuTT edita o LP sucessor (sim, o homem compõe sem pressa, consciente de que quando a música é boa o artista não é esquecido). Chama-se "Landing on a hundred" e justifica o tempo que levou a bulir. É um disco com doze canções nascidas de uma alma maior, que sabe que a música vale por si mesma e que uma obra-prima basta-se a si própria. Além disso, talvez esteja aqui a melhor canção do ano: "Chip's Down (in a landfill)".

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

"007 Skyfall" - exercício trágico [falhado] de Sam Mendes

Esperava-se muito da nova aventura de 007, mas "Skyfall", assinado pelo prestigiado Sam Mendes, dececiona quer como filme por si, quer como parte da série de fitas do popular agente secreto inglês. Pretende ser um exercício trágico distinto dos episódios anteriores, mas apenas serve para acentuar o tom cada vez mais sisudo do personagem, desde que é interpretado por Daniel Craig. Vai com certeza contribuir para aumentar a conta bancária do autor de "American Beauty", mas não terá lugar no panteão de películas de James Bond. Que saudades de "Goldfinger" e "A View To A Kill"!




Trailer de "007 Skyfall"

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Banda sonora para o outono (26)

Corresponsáveis pelo ressurgimento em força do rock progressivo, os Muse acabam de lançar o muito aguardado sexto álbum de uma carreira discográfica fulgurante. The 2nd Law prolonga o esforço da banda para criar uma sonoridade cada vez mais pop e orelhuda. Estamos, portanto, perante um disco com algumas boas canções (Madness, Big Freeze, Follow Me são épicos que vão com certeza levar os fãs ao rubro nos concertos de estádio), mas que está longe de ser uma obra-prima, aumentando a distância dos Muse em relação às suas grandes referências, nomeadamente aos bíblicos Radiohead e Pink Floyd. Na verdade, The 2nd Law soa a um bom disco dos Queen. Nem mais nem menos.

Muse - "Madness"

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

"Looper" - um emocionante filme assinado por Rian Johnson

Em "Looper" Rian Johnson escreve uma variação da wellsiana história das viagens no tempo, refletindo sobre a questão filosófica de sabermos se a vida humana é orientada por decisões livres ou se, pelo contrário, é governada pelo determinismo. Joseph Gordon-Levitt é o grande ator norte-americano do século XXI e Bruce Willis ressurge, finalmente, como ator maior.
 
"Looper" só não é uma obra-prima por Rian Johnson fazer uma ou outra cedência a soluções de argumento fáceis e que nada acrescentam ao drama (as sucessivas tentativas falhadas do personagem Kid Blue para eliminar o protagonista servem somente para entreter as massas).
 
Trailer de "Looper", de Rian Johnson



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

"Porque não morres Emma Blank?" - a morte é sempre absurda

Uma mulher que vive numa casa senhorial humilha os seus empregados enquanto aguarda pela morte. Esta é a sucinta sinopse do filme de Alex van Warmerdam (realizador que, na fita, também interpreta o papel do sinistro Theo). Trata-se de uma comédia negra que se estranha nos primeiros minutos, mas que rapidamente se vai entranhando à medida que o absurdo e a malvadez vão assumindo contornos de película existencialista. Interessante!

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Banda sonora para o outono (25) - "HQ Live", Incubus

Há cerca de um ano, os Incubus editaram aquele que é talvez o melhor disco da sua carreira, "If not now, when?". Álbum confessional, de pendor introspetivo, foi considerado por este escriba um dos dez melhores álbuns de 2011. Para promover o lançamento dessa obra, a banda norte-americana decidiu oferecer aos fãs um concerto intimista, cujas impressões foram registadas sob a forma de desenhos numa grande tela. Finalmente, todos podemos desfrutar da gravação desse concerto em "HQ Live". 

O álbum percorre os momentos fundamentais da discografia da banda, desde o clássico "Drive", passando pela adrenalina de "Anna Molly" até à balada arrepiante "If not now, when?". Não é um disco obrigatório, já que por aqui não há nada de novo; mas confirma uma banda na sua plena maturidade artística e em verdadeiro estado de graça.

Incubus - "If not now, when?"

domingo, 30 de setembro de 2012

"Para Roma, com Amor" - a comédia, segundo Woody Allen

Depois de filmar em Londres ("Matchpoint", "Scoop" e "Vais Conhecer o Homem dos Teus Sonhos"), Barcelona ("Vicky Cristina Barcelona") e Paris ("Meia-Noite em Paris"), Woody Allen regressa com mais um olhar sobre a Europa, desta vez com Roma como cenário para uma comédia inteligente e sofisticada. Não se entenda por esta última palavra a cedência a técnicas contemporâneas de desenhar planos, mas antes a continuação de uma estética clássica que Allen cultiva e consegue tornar sempre sua.

"Para Roma, com Amor" narra quatro histórias distintas que nunca se chegam a cruzar: (1) um arquiteto americano de férias em Roma conhece um jovem estudante de arquitetura, reportando-o para memórias de um triângulo amoroso que ele próprio viveu na cidade eterna, trinta anos antes; (2) um encenador de óperas com uma carreira repleta de fracassos críticos e comerciais descobre que o pai do noivo da sua filha, apesar de ser um simples armador, tem uma espantosa voz de tenor, mas só é capaz de cantar no chuveiro; (3) um vulgar e anónimo trabalhador da classe média vê-se, subitamente e sem qualquer razão aparente, perseguido por paparazzi e alvo das atenções dos media italianos (o que permite a Allen fazer uma interessante reflexão acerca dos reality shows e das suas celebridades instantâneas); (4) um casal de província chega a Roma a sonhar com uma vida faustosa na capital, mas uma prostituta e o traçado labiríntico da grande cidade vão alterar os seus planos (narrativa que permite ao autor de "Annie Hall" prestar uma divertida homenagem à comédia italiana das décadas de 60 e 70 do século passado).

É certo que a mais recente fita de Woody Allen não está à altura das obras-primas do cineasta. Todavia, como bem sabemos, uma obra de Allen é sempre garantia de cerca de duas horas bem passadas e nunca se sai da sala de cinema vazio. No presente caso, saímos com um sorriso nos lábios.

Trailer de "Para Roma, com Amor" 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Legendar o silêncio icónico (25) - a Síria também somos nós (4)

18 de setembro de 2012. À saída de um hospital da massacrada cidade de Alepo, no norte da Síria, um homem leva ao colo a sua filha, ferida durante os confrontos entre o exército e forças da oposição civil ao regime ditatorial. O amor incondicional atravessa fronteiras e não escolhe etnias ou credos. E nós, ficaremos indiferentes até quando?

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Banda sonora para o outono (24) - "Tempest", de Bob Dylan

Patriarca dos cantautores, poeta por excelência, vencedor do Pulitzer, um dos candidatos ao Prémio Nobel da Literatura (há quem diga que este ano vai parar às suas mãos), trovador folk e blues carregado de aspereza na voz, músico rock incontornável, ativista político (mesmo que sempre tenha recusado tal epíteto), vencedor de um Óscar, Bob Dylan é tudo isto e muito mais. A sua vida já deu um fabuloso documentário assinado por Martin Scorsese; a sua obra inspirou ícones como Bruce Springsteen; as suas composições têm contribuído para a luta pela defesa dos Direitos Humanos. O mundo comemora este ano o simbolismo de 50 anos de carreira do músico maior do século XX, aproveitando o lançamento do seu 35º LP, "Tempest". E que disco, senhores!

Para quem ainda estiver na disponibilidade de escutar repetida e concentradamente um disco, facilmente se deixará levar pela gentileza melódica de "Duquesne Whistle", a sinceridade crua de "Pay In Blood", o romantismo de "Scarlet Town", a nostalgia trágica do tema-título (ode centenária ao Titanic) e o saudoso abraço de "Roll On John" (canção para relembrar outro ícone do século passado, o enorme John Lennon).

"Tempest" está aí para quem quiser perceber por que Bob Dylan vai ganhar o Nobel e por que será o artista mais celebrado deste fim de ano.

Bob Dylan - "Duquesne Whistle"

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O Estado da Nação - Mário Soares, o último monarca português


Mário Soares afirmou recentemente que "o Governo está moribundo", pedindo a sua substituição sem recurso a eleições antecipadas. Este é o mesmo animal político que, quando era primeiro-ministro do IX Governo Constitucional, entre 1983 e 1985, advogou que "os problemas económicos de Portugal são fáceis de explicar e a única coisa a fazer é apertar o cinto". Acrescentou que "quem vê, do estrangeiro, este esforço e a coragem das medidas impopulares aprecia e louva o esforço feito por este Governo". Lembrou ainda que "Portugal habituara-se a viver, demasiado tempo, acima dos seus meios e recursos". Nesses anos da década de oitenta, assim que tomou posse o Governo do Bloco Central, liderado por Soares, iniciaram-se conversações com o FMI, das quais resultaram um acordo com medidas de austeridade extremamente duras. Em boa verdade, esse foi já o segundo memorando com o FMI assinado pelo antigo líder do PS, que repetira o que tinha feito em 1977. 

Convém não esquecer que o Governo liderado por Pedro Passos Coelho vai cortar 30% dos financiamentos à Fundação Mário Soares, que recebeu do engenheiro José Sócrates 1,2 milhões de euros entre 2008 e 2010. Muito provavelmente, Soares ainda sabe fazer contas quando se trata de viver à custa do Estado. E ainda há quem não veja a marosca e lhe dê crédito?

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Legendar o silêncio icónico (24) - o Sudão também somos nós

No campo de refugiados de Juba, no Sudão do Sul, uma jovem prepara o pequeno-almoço para os seus irmãos. Relembre-se que nesse país decorre uma das maiores crises humanitárias de que há memória. Sim, o Sudão também somos nós.

sábado, 15 de setembro de 2012

Ecologia e crise

A falta de visão de conjunto, a incapacidade de articular as diferentes escalas dos problemas, as diferentes agendas das dificuldades, que são as queixas mais frequentes aos processos de decisão política em curso, estão também a ocorrer no domínio da crise ambiental que estamos a atravessar e a propagar de forma irremediável.

Em boa verdade, estamos contínuamente a quebrar os elos, a eliminar conexões e as relações com o resto da Natureza, tornando-os cada vez mais precários. Vamos, como espécie, devorando o planeta Terra, como se ele fosse um mero armazém, e não o nicho, o corpo, o berço, onde a identidade humana ganha contorno, realidade e possibilidade de duração. A religião do crescimento prega a intensificação da perda desses laços e a vitória do olhar de armazenista sobre qualquer outro. Um armazenista que delapida, não que entesoura e preserva. Crescer significa consumir, significa intensificar o ritmo da devastação, do cortar de laços com todos os outros (espécies diferentes, povos ou populações mais frágeis), de aumentar mais e mais a pegada humana, de acentuar desmesuradamente a apropriação do mundo pela pilhagem devoradora, como ontem o fizemos pelo sangue, suor e lágrimas.

E esta devastação, deve causar-nos pena ou revolta? Talvez ambas as coisas, pois a sua natureza moral é aparentemente evidente. Mas, sobretudo, deve causar pena, pois o que está em causa mais do que um crime é um erro. E o erro remete sempre para uma mente embutida, ignorante, enviesada. As organizações, os Estados, os partidos e as empresas conseguem ser ainda mais egoístas, mais errados, mais idiotas do que os indivíduos. À sucessão das suas decisões, surpreendentemente destituídas de sensatez, chamamos História, ou, como disse um dia Konrad Adenauer, "a soma das coisas que poderiam ter sido evitadas...".

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Legendar o silêncio icónico (23) - a Síria também somos nós (3)

2 de setembro de 2012. Um menino sírio, ferido durante os confrontos na cidade de Alepo, é tratado num hospital próximo da frente de guerra. O que lemos no seu olhar? Clemência? Tréguas? Socorro? O absurdo da guerra? Com certeza que para esta criança o mundo é todo assim. Que marcas, porventura irreversíveis, a guerra deixará em tantas crianças cuja infância foi roubada?

domingo, 9 de setembro de 2012

Banda sonora para o verão (24) - Squackett

Squackett é o nome de um projeto musical que tem vindo a unir a criatividade de dois veteranos do rock progressivo: Chris Squire (baixista dos Yes) e Steve Hackett (guitarrista dos Genesis durante a primeira década de atividade desta histórica banda). "A Life Within a Day" é o título do álbum que lançaram há 3 meses atrás. 

Não sendo uma obra-prima (não seria, aliás, de esperar isso de dois músicos que já não têm nada a provar ao mundo e que apenas fazem a música que bem lhes apetece e lhes dá prazer), é um disco interessante, que contínuamente solicita repetidas audições. Estando uns furos abaixo do resultado final dos trabalhos das bandas onde estes virtuosos instrumentistas alcançaram popularidade (sobretudo, ao nível do trabalho vocal a cargo dos dois Squackett, bem aquém das vozes distintas de Jon Anderson e Peter Gabriel, primeiros frontmen dos Yes e dos Genesis, respetivamente), ainda assim, em "Life Within a Day", estamos perante um longa duração que transparece um genuíno amor à música por parte de artistas que exigem de si mesmos uma permanente vitalidade. 

Em boa verdade, este poderia ser um disco de uma banda nova, tal a frescura ao nível da produção das canções. E há quatro momentos de autêntica antologia pop (e não, como seria de esperar, prog rock) a assinalar: Divided Self, Aliens, Sea Of Smiles e Can't Stop The Rain. São canções bem orelhudas, que dariam 4 perfeitos singles se o airplay das rádios nacionais se pautasse pelo bom gosto.

Squackett - "Aliens"

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

"Jesus Cristo bebia cerveja" - descobrir Afonso Cruz

Jesus Cristo bebia cerveja  é um romance de um dos escritores mais fortes e originais da literatura portuguesa deste século. Nome a reter: Afonso Cruz. Estamos perante um escritor consumado, que, como bem referiu Miguel Real no Jornal de Letras, é "tão original quanto profundo", capaz de criar personagens comoventes na sua plena humanidade: frágeis, simples e complexos, contraditórios, bons e cruéis, sonhadores e pragmáticos. Mais do que isso, o autor consegue a proeza de fazer daquele romance um melting pot de filosofia, ciência, religião e senso comum, envolvendo o leitor da primeira à última página. 

Desafio o leitor a comprar Jesus Cristo bebia cerveja e a tentar adiar a leitura de mais um capítulo. Sim, porque se trata de um romance de leitura compulsiva. No fim da última página fica a vontade de procurar mais obras de Afonso Cruz, e já está aí um novo livro, por sinal extremamente interessante: Encilcopédia da Estória Universal: Recolha de Alexandria.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Legendar o silêncio icónico (22) - a Síria também somos nós (2)

24 de agosto de 2012, cidade de Alepo, norte da Síria. Um menino sírio que ficou ferido quando uma bomba, lançada pelas forças do regime, atingiu a sua casa espera num hospital para ser tratado. Na expressão do seu rosto podemos ler toda uma infância roubada.

Quantos de nós param para refletir sobre o sofrimento de milhares de crianças que são, diariamente, fustigadas pelo drama da guerra? Quantos, de entre nós, procuram imaginar tal dor? Quantos são capazes de pensar no quão afortunados somos por viver em paz?

Infelizmente, são sempre muitas as pessoas que não pensam nem sentem para além do seu umbigo e, em vez de aproveitarem a paz, preferem a incerteza da guerra.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Tony Scott (1944-2012)

Como muitas outras pessoas da minha geração, descobri o cinema de Tony Scott com a sua segunda longa-metragem, Top Gun (1986). Escusado será descrever a forma como tal espetáculo visual me impressionou aos 14 anos de idade. Nunca tinha visto nada que se comparasse àquele sedutor objeto filmado nos céus. Claro que o filme fez mais pela carreira de Tom Cruise e pela reputação da Força Aérea do que pela Sétima Arte. Mas não devemos desvalorizar Top Gun por pretender ser tão e somente um (muito bom) entretenimento, dado que o cinema é, acima de tudo, uma arte de massas e é nessa matriz popular que devemos incluir uma parte considerável da filmografia de Tony Scott. Neste sentido, O Caça-Polícias 2 (1987), Dias de Tempestade (1990), A Fúria do Último Escuteiro (1991), Adepto Fanático (1996), Domino (2005) e Imparável (2010) permanecerão enquanto objetos exemplares da arte de criar grandes espetáculos sem perder marcas autorais. Na verdade, é na forma de filmar que o cinema de Tony Scott sempre se distinguiu dos demais: câmara precisa mas sempre em movimento, uma montagem frenética, personagens definidos nos primeiros cinco minutos de filme, violência crua e doses de testosterona em personagens herdeiros da filmografia viril de um Howard Hawks ou de um Samuel Fuller.

No entanto, Tony Scott foi revelando uma urgência de complexidade em muitas outras películas, sendo altura de rever e revalorizar obras como Fome de Viver (uma inovadora história de vampiros realizada em 1983 e que ainda hoje empalidece as recentes revisitações da história criada por Bram Stocker; é também um filme pop protagonizado por um impressionante David Bowie e uma belíssima Catherine Deneuve), A Vingança (um drama adulto e intensamente violento, realizado em 1990), True Romance (obra crua de 1993, a partir de um guião de Quentin Tarantino), Maré Vermelha (drama de cortar a respiração, com dois excelentes Denzel Washington e Gene Hackman; 1995), Inimigo Público (pesadelo orwelliano que nos revelou todo o potencial político da internet; 1998), e três outros filmes que prolongam uma das associações artísticas mais bem sucedidas do cinema norte-americano, isto é, aquela que uniu em amizade e em trabalho, Tony Scott e Denzel Washington: Homem em Fúria (2004), Déjà Vu (2006) e Assalto ao Metro 123 (2009). Os dois colaboraram em 5 filmes de qualidade superlativa.

Foi com realizadores como Tony Scott que a indústria de Hollywood construiu uma série de obras que hoje estão inscritas na memória coletiva. Apesar de uma ou outra fita menor (tal como outrora também artesãos como Michael Curtiz ou Henry Hathaway tiveram alguns tiros ao lado), Tony Scott ficará, com certeza, na história do cinema como um realizador visionário, singular e - esperemos - incontornável.

sábado, 1 de setembro de 2012

E foi agosto...


E foi agosto
Por entre a espuma dos dias
Embalado pelas ondas do entardecer
E agasalhado pelo sorriso de uma criança

Galga as rochas
Atira o pequeno seixo ao mar
Fá-lo saltar sobre a água salgada
E, assim, enche-te de maresia

Por agora foi agosto
Que regressará, retornará um dia,
No próximo verão, tenho a certeza,
O teu rosto será ainda mais exultante!

E foi agosto
Em teus olhos.
Sabes, eles são o Sol
Que em ti se faz a aurora de um novo dia.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

"4:44 Último Dia na Terra" - a obra-prima de Abel Ferrara

Descobri Abel Ferrara ainda durante a minha adolescência, nos últimos anos da década de oitenta. Curiosamente, numa altura em que o seu nome não era levado a sério pela mesma crítica que agora faz de cada novo filme daquele cineasta nova-iorquino um acontecimento. Ainda assim, via os seus filmes de baixo orçamento com algum fascínio, neles percecionando o alvor de um autor. "Fear City", "China Girl", "Cat Chaser" e "King Of New York" permanecem películas de culto a necessitarem de urgente reavaliação, face à credibilidade conquistada por Ferrara a partir da década de noventa, sobretudo graças a "Bad Lieutenent" (filme que o consagrou como legítimo herdeiro de Scorsese).

"4:44 Último Dia na Terra" é uma profundíssima reflexão em torno do sentido da existência, das escolhas que definem o que somos e da irreversibilidade das mesmas. Trata-se de uma fita complexa, soberbamente interpretada por Willem Dafoe e Shanyn Leigh, que assumem o papel de um casal a contas com a vida, o passado, o presente e o futuro que lhes espera após o apocalipse (sim, o futuro, já que a espiritualidade e a procura da redenção são traços comuns da demanda dos personagens criados por este cineasta). A Nova Iorque de Ferrara é preenchida por poucos personagens, todos eles reais, divididos entre os prazeres da carne e as necessidades espirituais. 

Após o visionamento da obra em análise, vem à mente uma questão essencial: será Abel Ferrara o último dos cineastas urbanos? Duas coisas são certas: (i) o filme deixa-nos sem fôlego; (ii) é o melhor filme deste verão. 
Trailer de "4:44 Último Dia na Terra"

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Banda sonora para o verão (23) - "Lost In The New Real"

Arjen Anthony Lucassen é um músico holandês de 52 anos, corresponsável pelo ressurgimento e revitalização do rock progressivo nos últimos dez anos. No início da sily season editou um ambicioso disco duplo, "Lost In The New Real". Trata-se de uma obra conceptual, cuja história sci-fy é narrada de forma arrepiante por Rutger Hauer (ator de culto, também holandês, que na década de 80 trabalhou com os últimos cineastas clássicos em filmes como "Fim de Semana de Osterman", de Sam Peckinpah, "Blade Runner", de Ridley Scott, "A Mulher Falcão", de Richard Donner, "Flesh and Blood", de Paul Verhoeven, "Terror na Auto-Estrada", de Robert Harmon, "Fúria Cega", de Philip Noyce, entre outros filmes de culto): num futuro indeterminado vive-se uma distopia cibernautica que anulou a dor e a morte, mas onde a perceção humana do real é manipulada (aliás, a questão central do disco é saber distinguir o real do virtual) e o preço a pagar é a hipervigilância de um big brother que acompanha todos os nossos passos, decide quem pode procriar e as escolhas que podemos fazer. Ah, nesse espaço e tempo (o new real que dá nome ao álbum) já tudo foi inventado e está registado numa imensa base de dados (ouça-se a canção deliciosamente retro Pink Beatles In A Purple Zeppelin). Deprimente, sobretudo para quem precisa de criar para se sentir vivo (o paraíso artificial é viajar em sonhos por múltiplas realidades).

É um pesadelo orwelliano, contaminado pelas distopias digitais imaginadas por Philip K. Dick. E já que de música se trata, pois bem, fiquem sabendo que o disco de Arjen Lucassen é um autêntico caleidoscópio musical que apetece ouvir vezes sem conta.  

Arjen Anthony Lucassen - "Lost In The New Real"


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

"Se isto é um homem" - obra incontornável de Primo Levi

Escrito entre o final de 1945 e o início de 1947, ou seja, imediatamente após os factos narrados, Se isto é um homem é, antes de mais, a narrativa seca e minuciosa, a crónica submissa e por vezes intencionalmente humilde, de uma experiência extrema: um ano vivido por Primo Levi (1919-1987) no campo de concentração de Auschwitz, vítima e testemunha do maior horror que o século XX produziu. E um horror que ressalta em toda a sua evidência "natural", justamente pela firme recusa por parte do autor de qualquer forma de amplificação retórica, de qualquer forma de "fingimento" literário, ainda que legítimo; um horror nu e cru, e totalmente autêntico: por isso mesmo, tanto mais aterrador, tanto mais iniludível e impossível de exorcizar.

Trata-se definitivamente de um testemunho sobre a condição humana, sobre os seus limites e os seus insuspeitáveis recursos, sobre a sua obstinada capacidade de conceber o bem e sobre a fragilidade das suas defesas perante a sugestão do mal. Não é tanto a relação carrasco-vítima que interessa a Levi (os carrascos raramente aparecem no livro, longínquos e ausentes, encerrados numa dimensão quase estranha), mas sim a que se cria entre uma vítima e outra, nas absurdas hierarquias internas, nos ingénuos conluios com o poder e nas igualmente ingénuas esperanças numa humanidade sobrevivente, no escárnio dos prisioneiros "veteranos" nos confrontos com os "noviços", ou de alguns grupos étnicos nos confrontos entre si.

E é no lúcido registo da terrível desumanização a que todos, sem exceção, se submetem no campo de concentração, que encontramos a mensagem da mais elevada e sofrida ética contida em Se isto é um homem. O juízo moral, naturalmente, não invalida nem ignora as responsabilidades individuais e coletivas, conseguindo sempre, no entanto, avaliá-las na base simples mas difícil da consciência humana: o inapelável tribunal dos justos que se encontra no fundo de cada um de nós, e que Primo Levi consegue inteira e miraculosamente trazer à luz do dia. 

terça-feira, 14 de agosto de 2012

A urgência do silêncio na esplanada

Gostava de entender o outro, mas às vezes não chego lá. Há um outro que me atazana o juízo nestes dias de verão, porque ao fim da tarde, a melhor hora para contemplar em sossego o céu a alaranjar-se no oceano, insiste em ouvir música (?) minimal eletrónica, de graves intensos, que estremecem a areia, desfazem as conchas e afugentam os escaravelhos. Esse outro, que não concorda comigo, é uma multidão que se abana em fato de banho e biquíni num bar de madeira, emborcando bebidas coloridas, gritando inanidades aos ouvidos, enquanto o sol - pobre coitado que prefere o silêncio - lá se esconde no horizonte, lamentando que a natureza não lhe permita que acelere o processo. 

Devem render bastante estas licenças de décibeis, atendendo à propagação de festas do género nos últimos verões. E se tantos concelhos se orgulham de ter praias com bandeira azul, questiona-se que raio de classificação é esta que não contempla a poluição sonora. 

Se é assim ao lusco-fusco, durante o dia a coisa não melhora muito. Os veraneantes são maioritariamente citadinos e devem andar tão viciados no tráfego que, só para matar saudades, enquanto descansam na praia, regalam-se a ouvir o som de fundo das motas de água. São cada vez mais os pontos de entrada desses hediondos brinquedos. Quase desapareceram as gaivotas. Não me refiro aos pássaros, outros pobres coitados, mas das pequenas embarcações a pedal, demasiado simples para um mundo tecnológico. Gosto dos surfistas, que desafiam o mar com uma prancha, mas nunca desses demónios a motor, que empestam o mar de gasolina e barulho, deixando-o, tenha a certeza, um pouco menos azul.

O último grito da tecnologia é o silêncio - esse é o verdadeiro luxo. Mas é um luxo desprotegido e em vias de extinção porque, por mais que se levante o volume do silêncio, o ruído ouve-se sempre mais alto. O silêncio não se pode gritar.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

"Polissia" - um filme direto ao osso

Para que não restem dúvidas: "Polissia", magistralmente realizado por Maïwenn (que também participa como atriz), é um filme fabuloso. Posto isto, podemos ir direto ao osso.

Acompanhamos uma brigada de proteção de menores em França, imergindo sem rede num universo extremamente duro, difícil, nauseabundo e aversivo. Tal como a personagem interpretada pela própria realizadora também nós vemos através de uma lente a rotina de polícias que lutam diariamente contra pesadelos; sentimos no seu quotidiano o terror e a frustração por saberem que, muitas vezes, têm o seu grito de presença abafado; imaginamos quão difícil deve ser regressarem a casa, ao final do dia, com a memória de tantas crianças tratadas de forma indigna por adultos com - como diz um dos personagens da película - complexos de Édipo mal resolvidos; crianças a quem foi roubada a infância, obrigadas a participar no mundo insano e criminoso de adultos com fixações execráveis. O título do filme (com a palavra polícia escrita com dois 'ss') remete simultaneamente para o erro ortográfico naturalmente cometido por crianças a aprender a escrever e para os desejos distorcidos/doentios de pedófilos e de pais que não têm competências para cuidar dos seus filhos.

"Polissia" é uma obra brutal na verbalização dos casos das crianças vítimas de abusos e maus tratos, mas não menos forte quando nos embrenhamos na intimidade dos polícias. Estamos, portanto, perante um filme que se enquadra numa matriz realista em que poucos cineastas se têm destacado. Maïwenn consegue a proeza de agarrar o espectador do princípio ao fim, num filme de câmara cru, ousado e que nunca nos dá tréguas. Venceu justamente o prémio do júri do Festival de Cannes de 2011.

Trailer de "Polissia", de Maïwenn

terça-feira, 24 de julho de 2012

Nunca te deixei partir - dias 26 e 27 de julho, 21h45, no Rivoli

Nos dias 26 e 27 de julho apresentaremos os dois últimos espetáculos de "Nunca te deixei partir", adaptação da obra "Morreste-me", de José Luís Peixoto.

Trata-se do relato comovente e avassalador da morte de quem mais amamos, a descrição do luto e, ao mesmo tempo, uma homenagem sentida sob a forma de memória redentora. Em palco, 17 atores desdobram-se no papel do filho que procura ultrapassar o momento de dor. Formalmente, é um texto contínuo, aqui repartido por vários monólogos e pequenos diálogos.

"Nunca te deixei partir" é um espetáculo intenso e sincero, que procura celebrar a vida, o amor entre pais e filhos, os laços afetivos mais puros, sólidos e incondicionais. O elenco da peça é constituído por jovens que se dedicam a este projeto em regime de complemento curricular, mas com a entrega dos melhores profissionais aliada à motivação e prazer genuíno de um artista amador.

Bilhetes à venda no Rivoli Teatro Municipal, Bilheteiraonline.pt, FNAC e CTT.
Reserva de bilhetes: 22 339 22 01


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Carta aberta ao reitor da Universidade Lusófona - por João Miguel Tavares

Exmo. Reitor,

Foi com grande satisfação que soube que a Universidade Lusófona conferiu uma licenciatura em Ciência Política ao Dr. Miguel Relvas em apenas 14 meses, reconhecendo dessa forma a sua elevada estatura intelectual. Sempre sonhei com o alargamento das Novas Oportunidades ao Ensino Superior e fiquei muito feliz por terem dado o devido valor à cadeira de Direito que o senhor ministro fez há 27 anos com nota 10. Depois, naturalmente, o processo foi "encurtado por equivalências reconhecidas" (palavras do Dr. Relvas), após análise do seu magnífico currículo profissional.

É dentro desse mesmo espírito que vinha agora solicitar igual tratamento para a minha pessoa. Embora seja licenciado pela Universidade Nova com uns simpáticos 17 valores, a verdade é que o curso levou-me quatro anos a concluir e o Jornalismo anda pela hora da morte. Nesse sentido, e após análise da oferta disponível no site da universidade, venho por este meio requerer a atribuição do grau de licenciado em: Animação Digital (tenho visto muitos desenhos animados com os meus filhos), Ciência das Religiões (às vezes vou à missa), Ciências Aeronáuticas (já viajei muito de avião), Ciências da Nutrição (como imensa fruta), Direito (fui duas vezes processado), Economia (sustento uma família numerosa), Fotografia (tiro sempre nas férias) e Turismo (visitei 15 países). Já agora, se a Universidade Lusófona vier a ministrar Medicina, não se esqueça de mim. A minha mulher é médica, e tendo em conta que eu durmo com ela há mais de dez anos, estou certo de que em seis meses posso perfeitamente ser doutor.
Respeitosamente,
João Miguel Tavares
in Correio da Manhã, 06/07/12

domingo, 8 de julho de 2012

As trafulhices de quem se arroga de nos (des)governar - ainda a propósito da licenciatura "honoris causa" de Miguel Relvas

Entre as várias características que podem determinar a vantagem competitiva de um país, uma cultura de seriedade é, sem sombra de dúvida, uma das mais significativas. Desde logo, porque a cultura deve ser entendida como o espelho de um povo, pelo que uma forte cultura organizacional pode servir para transformar a própria cultura sem que daí resultem as habituais resistências à mudança. Essa é uma indubitável vantagem competitiva, uma vez que os países, nessas circunstâncias, mudam porque os seus concidadãos têm consciência de que devem mudar e não porque são constrangidos a mudar. Em tais contextos, uma cultura de seriedade deve ser uma consciência quotidiana, de onde se segue que aquele que prevaricar - políticos incluídos -, para além dos tribunais, é ostracizado pela própria sociedade.

Hoje, quando olhamos para o país verificamos que, de há demasiados anos a esta parte, vivemos uma cultura de corrupção. Foi o BPN e a SLN, o Freeport, a Face Oculta, o caso da Cova da Beira, múltiplas parcerias público-privadas e tantos outros casos que já caíram no esquecimento porque, infelizmente, a memória dos portugueses é curta e, por essa razão, estamos a viver cada vez pior. Mas parece que, para além de terem memória curta, os portugueses aceitam resignadamente viver paredes meias com gente corrupta. O problema é que esta cultura de corrupção está a sair demasiado cara ao país.

É urgente tomarmos consciência de que a mentalidade permissiva que há muito habita no nosso espírito, sobretudo daqueles a quem o poder subiu à cabeça, atingiu os limites do impossível e, similarmente à democracia tão criticada por Sócrates - o filósofo - na Grécia Antiga, tornou-se legal. Senão vejamos: o que se ouve dizer é que Miguel Relvas do ponto de vista moral prevaricou, mas do ponto de vista jurídico não se lhe pode acusar de nada, o que significa que a corrupção aconteceu em conformidade com a lei e, como tal, passa a fazer parte dos não assuntos. Conclusão: legalizaram-se as trafulhices.

Ora, um país cujos governantes pensam desta maneira vai a caminho do cano de esgoto da História. Portugal não resiste muito mais tempo a esta cultura de corrupção. Haja vergonha!

quinta-feira, 5 de julho de 2012

O dilema de Passos Coelho - a propósito da licenciatura "honoris causa" de Miguel Relvas

Segundo a edição de ontem do jornal Público, o currículo profissional de Miguel Relvas no exercício de diversos cargos públicos permitiu-lhe concluir a sua licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais, na Universidade Lusófona, em pouco mais de um ano. 

Passos Coelho tem rapidamente de decidir se quer sacrificar o Governo para salvar Miguel Relvas, ou sacrificar Miguel Relvas para salvar o Governo. Porque a questão é simples: pode um país ser governado por gente que não merece confiança? Claro que não pode, e ainda pode menos quando os tempos são de grande sacrifício, sobretudo para as camadas da população mais desfavorecidas.

De há uns anos a esta parte, os portugueses habituaram-se a ver a população, mais ou menos manipulada, a perder o respeito por aqueles que a governam. E quando o povo perde o respeito por aqueles que o governam, então, todos estamos sujeitos à falta de respeito. Ora, sem respeito não há confiança, sem confiança não há economia e sem economia não há sociedade que resista.

Assim sendo, o primeiro-ministro devia precaver-se. Já não se trata de uma disputa jornalística ao estilo do diz tu, direi eu. Agora, o caso fia mais fino porque se trata da credibilidade de uma das mais velhas instituições do País: a instituição universitária. Por isso, a dita licenciatura tem de ser esclarecida. Desde logo, quem foram os júris que assinaram as várias peças do processo de equivalência, na medida em que não podemos crer que tal assunto tenha resultado de uma decisão unipessoal.

Faz mal Passos Coelho considerar a licenciatura em causa como um "não assunto". Porque, ou mata o assunto de uma forma definitiva, ou o "não assunto" passará a ser ele próprio, Passos Coelho. E nessa altura só lhe resta a demissão ou, em alternativa, a desconsideração dos portugueses. 

O primeiro-ministro tem de decidir urgentemente se quer sacrificar o Governo para salvar o Miguel ou sacrificar o Miguel para salvar o Governo. Poderá, por exemplo, sugerir a Relvas que vá tirar um curso de Ciência Política para Paris...

terça-feira, 3 de julho de 2012

Legendar o silêncio icónico (21) - a Índia também somos nós (2)

As autoridades indianas revelaram, no dia 1 de julho, que pelo menos 61 pessoas morreram e cerca de dois milhões foram afetadas pelas inundações que se têm registado desde o final de junho no estado de Assam. As cheias, provocadas pelas fortes chuvas da monção, alagaram duas mil aldeias, levando a que cerca de meio milhão de pessoas tenha procurado abrigo em acampamentos preparados pelas autoridades.

domingo, 1 de julho de 2012

Banda sonora para o verão (22) - a propósito do concerto dos Echo and the Bunnymen na Serra do Pilar

Os Echo and the Bunnymen estão no ativo desde 1978. Desde então, lançaram 11 álbuns de estúdio, entre coletâneas, registos ao vivo e algumas desavenças, que levaram o carismático vocalista e cofundador, Ian McCulloch, a abandonar, durante alguns anos, a banda para se dedicar a uma curta, mas interessante, carreira a solo. 

Ontem à noite, deram um bom concerto em Gaia, na Serra do Pilar, com vista privilegiada para o Rio Douro. Foi, sobretudo, uma oportunidade para o público revisitar memórias de adolescência e conhecer algumas canções da segunda fase da discografia dos autores de "Crocodiles" (o álbum de estreia, de 1980). Para muitos críticos, "Ocean Rain" (editado em 1984) foi um disco de uma qualidade melodiosa irrepetível. Quanto a mim, tenho "What Are You Going To Do With Your Life?" (gravado já em 1999) como a obra mais inspirada dos Echo and the Bunnymen. É, de resto, um dos CD que levaria para uma ilha deserta... no verão.

Echo and the Bunnymen - "Rust"

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Um primeiro post explicitamente sobre Futebol

Paulo Bento deve ser hoje um homem satisfeito. O selecionador trilhou um caminho muito próprio desde que assumiu o comando. Antes de mais, soube esperar pelo momento certo. Desde que saiu do Sporting teve oportunidades para voltar ao ativo, mas só quando foi convidado pela Federação Portuguesa de Futebol é que aceitou. Não era fácil: Portugal tinha empatado com o Chipre e perdido com a Noruega, mas Paulo Bento é um homem corajoso. O mote estava dado: "Se tivermos sucesso, o mérito é dos jogadores, se falharmos, a culpa será minha."

Foi assim que o coletivo foi conquistado. Os incidentes com Ricardo Carvalho e José Bosingwa foram tratados de forma célere e sem espaço para marcha-atrás. Quem não estava com ele, quem não respeitava a equipa, não interessava. Se o fez com a dupla, também soube fazer o inverso com Carlos Martins e Silvestre Varela, dois jogadores que tinham sido quase que ignorados no Sporting. Não foi orgulhoso e formou com eles um grupo vencedor: o primeiro esteve durante toda a qualificação e fez o golo à Espanha no 4-0; o segundo foi ao Euro-2012 apesar de algumas críticas, mas respondeu com um golo decisivo na partida com a Dinamarca.

As críticas choveram em vários momentos, mas Paulo Bento foi fiel à estratégia. Não interessava quem o dizia, mesmo que o nome fosse Figo ou outros internacionais. O selecionador tinha uma estratégia, tinha algo em mente e mostrava muita teimosia, mas daquela que tinha ajudado Luiz Felipe Scolari a chegar a uma final de um Europeu e a uma meia-final de um Mundial. Os jogadores corresponderam, mostraram estar com ele desde o primeiro momento e começaram a render mais, fosse Cristiano Ronaldo, a bater os números que tinha conseguido com Scolari e Queiroz, ou com João Moutinho, o médio que tinha sido ignorado para o Mundial-2010.

Portugal falhou a final, mas as declarações no final do jogo ajudaram a perceber o que sentia depois da primeira grande prova ao serviço da seleção nacional: "Caímos como deve cair uma grande equipa, com honra e com orgulho. Fizemos um campeonato da Europa extraordinário. Devolvemos essa confiança, de termos uma equipa para chegar à final, aos portugueses. Penso que eles estão orgulhosos daquilo que é a seleção nacional." É essa a vitória que Paulo Bento sentiu com esta campanha. Seja como for, Paulo Bento sai do Euro-2012 com poderes reforçados. O Mundial-2014 é a próxima meta.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Em dia de Portugal-Espanha, nada melhor que o velho Afonso Lopes Vieira para nos recordar que ainda vale a pena ser português



https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOdknBqRtVSMwQxmgp_2_myyxG7KZp_Ln6s9fnrDf4vWRHQpW1tqhyoKtLz6J8SN7GImTJWc80BW5GthmCn-GxTADOnBjKGMDUlIV6AcsERATnayVl4oHhLsYc6AYg8slzYNgQo5w7eVEW/s320/Afonso+l+vieira+mostra_imagem.jpg
Por Afonso Lopes Vieira
1878-1946 
Se um inglês ao passar me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
se tens agora o mar e a tua esquadra ingente,
fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente.
Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa,
fui eu que t'as cedi num dote de princesa.
e para te ensinar a ser correcto já,
coloquei-te na mão a xícara de chá...

E se for um francês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Recorda-te que eu tenho esta vaidade imensa
de ter sido cigarra antes da Provença.
Rabelais, o teu génio, aluno eu o ensinei
Antes de Montgolfier, um século! Voei
E do teu Imperador as águias vitoriosas
fui eu que as depenei primeiro, e às gloriosas
o Encoberto as levou, enxotando-as no ar,
por essa Espanha acima, até casa a coxear

E se um Yankee for que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Quando um dia arribei à orla da floresta,
Wilson estava nu e de penas na testa.
Olhava para mim o vermelho doutor,
— eu era então o João Fernandes Labrador...
E o rumo que seguiste a caminho da guerra
Fui eu que to marquei, descobrindo a tua terra.

Se for um Alemão que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Eras ainda a horda e eu orgulho divino,
Tinha em veias azuis gentil sangue latino.
Siguefredo esse herói, afinal é um tenor...
Siguefredos hei mil, mas de real valor.
Os meus deuses do mar, que Valhala de Glória!
Os Nibelungos meus estão vivos na História.

Se for um Japonês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Vê no museu Guimet um painel que lá brilha!
Sou eu que num baixel levo a Europa à tua ilha!
Fui eu que te ensinei a dar tiros, ó raça
belicosa do mundo e do futuro ameaça.
Fernão Mendes Zeimoto e outros da minha guarda
foram-te pôr ao ombro a primeira espingarda.

Enfim, sob o desdém dos olhares, olho os céus;
Vejo no firmamento as estrelas de Deus,
e penso que não são oceanos, continentes,
as pérolas em monte e os diamantes ardentes,
que em meu orgulho calmo e enorme estão fulgindo:
— São estrelas no céu que o meu olhar, subindo,
extasiado fixou pela primeira vez...
Estrelas coroai meu sonho Português!
P.S.

A um Espanhol, claro está, nunca direi: — Pois bem!
Não concebo sequer que me olhe com desdém.


segunda-feira, 25 de junho de 2012

Legendar o silêncio icónico (20) - a Índia também somos nós

19 de Junho de 2012. Na Índia, uma sobrevivente das cheias que afectaram o distrito de Barpeta, de pé sobre uma jangada improvisada feita de troncos de bananeiras, auxilia o seu filho enquanto transporta para terra firme os poucos pertences que conseguiu salvar. As notícias dos telejornais nacionais têm passado ao lado desta tragédia, que se arrasta há já algumas semanas. Será este um mundo globalizado?

sábado, 23 de junho de 2012

Banda sonora para o Verão (21)

É um pecado não acrescentarmos o novo álbum de Peter Gabriel, "Live Blood", à nossa cdteca. É um disco registado ao vivo, em Londres, nos dias 23 e 24 de Março de 2011, no The HMV Hammersmith Apollo. Nele, o fundador dos Genesis é acompanhado pela The New Blood Orchestra, que insufla novo sangue a clássicos como "Washing of the Water", "Biko", "Downside Up", "Blood of Eden", "Mercy Street", "Solsbury Hill", "In Your Eyes" e "Don't Give Up", havendo ainda tempo e espaço para algumas versões de Paul Simon ("The Boy in the Bubble"), Regina Spektor ("Après Moi"), Magnetic Fields ("The Book of Love") e Lou Reed ("The Power of the Heart"). 

"Live Blood" é a apresentação ao vivo do díptico "Scratch My Back" (dedicado a versões orquestrais de músicas de outros artistas) e "New Blood" (registo em estúdio que revisita composições do próprio Gabriel). Tenho os dois discos e aprecio-os, escutando-os com regularidade, mas essas canções ganham muito mais garra e intensidade em "Live Blood", o que não é de estranhar se tivermos em conta que o autor de "So" é, sobretudo, um animal de palco. Diz quem o viu no Dramático de Cascais, nos idos de 1974, ao leme dos Genesis que Peter Gabriel é o melhor artista em palco da história do rock. Não duvido. Há momentos em "Live Blood" em que a voz de Gabriel acompanhada pela orquestra e coros são incrivelmente arrepiantes. Quem quiser, terá oportunidade para confirmar a genialidade deste enorme artista no dia 7 de Julho, na Herdade do Cabeço da Flauta, no Meco, no âmbito do festival Super Bock Super Rock.

Peter Gabriel - "The Book of Love"

terça-feira, 19 de junho de 2012

Legendar o silêncio icónico (19) - as crianças de Cabul também somos nós

Num campo de refugiados em Cabul, Ibrahim segura no seu filho mais novo à entrada da cabana de lama onde vive com a sua mulher e onze filhos. Várias crianças morreram de hipotermia neste campo, em Janeiro de 2012, devido às baixas temperaturas que se fizeram sentir naquela região.

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...