domingo, 27 de fevereiro de 2011

Banda sonora para o Inverno (16)

Poucos músicos na história do jazz se demonstraram tão produtivos e com tanta capacidade de reinvenção quanto David Murray. Em 35 anos de carreira, o saxofonista norte-americano gravou 150 álbuns, e se não é fácil encontrar na sua discografia um mau disco, é tarefa ainda mais hercúlea escolher a sua obra maior. Acaba de lançar um novo CD com o seu Cuban Ensemble, com o sugestivo nome de "Plays Nat King Cole En Español". Quem procurar aqui uma mera repetição - instrumental ou cantada (desta vez por Daniel Melingo) - de parte do cancioneiro do mítico Nat King Cole, engana-se, uma vez que a revisitação de David Murray é sempre construtiva porque assumidamente interpretativa.

Assinale-se no disco o contributo da Sinfonieta de Sines, em perfeita harmonia com a elegância do saxofone de Murray. Embora não seja a obra-prima do músico, é um disco quente que merece ser escutado com atenção.

David Murray Cuban Ensemble Plays Nat King Cole En Español

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

"Indomável" - o melhor filme dos irmãos Coen

Joel e Ethan Coen têm uma das carreiras mais surpreendentes e regulares da história do cinema americano. Começaram a realizar filmes na década de 80 como cineastas independentes, mantendo uma produção regular já há cerca de trinta anos. Recordo-me perfeitamente de ver que algo divergente estava a nascer na produção cinematográfica norte-americana quando, nos meus tempos de adolescência cineclubista, me deliciei com o anti-thriller "Sangue Por Sangue" (1983). A partir daí, não mais deixei escapar qualquer fita assinada pelos dois irmãos e, apesar de nem sempre me ter deixado levar por algumas das suas obras (sim, até os grandes artistas têm obras menores), reconheço em todos os seus filmes traços autorísticos singulares no contexto da actual produção cinematográfica.

A última película de Joel e Ethan Coen chama-se "Indomável", tem Jeff Bridges no papel da sua vida e é um western à moda antiga: com uma estrutura narrativa clássica, sem floreados ou redundâncias, com a câmara sempre no sítio certo, sem um único plano a mais, uma montagem certa, ritmada mas sem ser feérica, pleno de humor (negro, ou não fosse este um filme dos Coen), mas sempre visceral e directo ao osso.

Surpreendentemente, ainda há críticos que analisam "Indomável" como se se tratasse de uma visão peculiar do western, adjectivo que em nada abona a favor do filme nem ilustra a garra (a true grit do título original) com que os Coen atacaram o romance de Charles Portis. É um filme inspirado em John Ford, Howard Hawks, George Stevens, Michael Curtiz, entre outros monstros sagrados da Sétima Arte. Ah, e é uma obra-prima!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

"Alfreda ou a Quimera" - o Porto visto por Vasco Graça Moura

Obra de elevada inspiração, "Alfreda ou a Quimera" é a confirmação do talento - imenso! - de Vasco Graça Moura como romancista de excepção. Trata-se de uma história de amor com todas as condições para ser um sucesso editorial. Senão vejamos: um bibliófilo do Porto apaixona-se obsessivamente por uma viúva a quem foi comprar livros antigos. Viu-a uma vez e nunca mais a esqueceu. A partir daí, procura-a desesperadamente em todos os locais que (re)visita, inclusive torna-se, para o protagonista, o paradigma de mulher, procurando-a, portanto, em todas as mulheres.

"Alfreda ou a Quimera" é um tratado de amor à Cidade Invicta, permitindo ao leitor que, tal como eu, vive e trabalha no Porto sinta todos os cheiros e se passeie por todos os lugares emblemáticos da cidade. Romântica, poética, erudita, clássica e moderna, a presente obra literária clama por leitores, tal a vontade manifesta em narrar uma história bem contada. 

E que tal um filme que adapte a obra?

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Dia Europeu da Vítima

Este dia foi criado para homenagear todas as pessoas que sofrem ou sofreram violência de causas naturais ou humanas e para que, com base nesses sacrifícios e dramas, se avance para uma sensibilização no sentido de atenuar estes atentados à vida, sejam eles a nível individual (assassinatos, acidentes rodoviários, de trabalho ou outros) ou colectivos (guerras, atentados, terrorismo, etc.). 

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima é uma das forças existentes para fazer frente a esta realidade; no entanto, grande parte desta luta cabe ao ser humano em geral e à capacidade de combater o lado menos positivo que cada um de nós tem dentro de si. E mesmo quando o infortúnio advém de factores externos, só a solidariedade entre os homens terá a capacidade de atenuar todo o sofrimento que este possa causar. É um problema colectivo que necessita de uma reflexão individual para se alcançarem soluções, pois todos os dias têm de ser dias de apoio à vítima, numa sociedade que se quer e diz civilizada e respeitadora dos indivíduos que a ela pertencem.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Banda sonora para o Inverno (15)

Até hoje, Bola Johnson aparece apenas nas margens da paisagem musical de Lagos, Nigéria, das décadas de 60 e 70. A recente edição da primeira colectânea do artista - "Man No Die" - talvez venha repor a justiça no tratamento e atenção que o rocker merece. De facto, escutando o CD duplo com atenção encontram-se aqui pérolas de géneros musicais tão diversificados como o funk, o rock, o highlife, característicos do afrosound de há cerca de quarenta anos atrás. Mas o que importa é, na verdade, a modernidade estética do cancioneiro de Bola Johnson, um verdadeiro artista.

"Lagos Sisi" - Bola Johnsosn



sábado, 19 de fevereiro de 2011

Pode alguém ser quem não é? - por José Matias Alves

Pode alguém ser quem não é? Pode um professor ser tudo? Um ser que instrui, cuida, socializa, e estimula? Que guarda e toma conta? Que é amigo, irmão, pai e mãe? Psicólogo, sociólogo, assistente social? Pode alguém ser quem não é?

Evidentemente que não. O professor não pode ser tudo o que se lhe está a exigir. Porque não sabe. Porque não pode. Porque neste excesso impossível de ser, corre o risco de não ser o essencial: ser professor.

E ser professor é ensinar, isto é, instruir, socializar e estimular. Ou, para sermos mais precisos e explícitos, fazer aprender os alunos. Diagnosticando as inteligências, os talentos e as vontades. Percebendo as resistências e os entraves às aprendizagens. E ensaiando as chaves capazes de abrir as portas da vontade, condição primeira do sucesso. Porque o verbo aprender não suporta o imperativo, o professor tem de se concentrar nessa tarefa essencial de despertar a sede de aprender. E quando o consegue, grande parte da sua missão de ensinar está cumprida.

E é também por isto, por esta muito difícil exigência, que o professor se tem de concentrar no que é: esse ser atento e frágil que muda o destino dos outros através do conhecimento e da exigência.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

"Diários do Vampiro" - bom entretenimento

Sombria, melancólica e repleta de romantismo, "Diários do Vampiro" (adaptação de um romance de L. J. Smith) é uma série imperdível. Narra a história de dois irmãos vampiros, um bom e o outro pérfido, e Elena, uma espécie de reencarnação de uma bela mulher por quem ambos se apaixonaram em meados do século XIX. À medida que Elena vai entrando na vida destes irmãos, a pequena cidade onde habitam torna-se num local de estranhos acontecimentos entrelaçados numa cativante teia de segredos, paixão, suspense e terror.

Curiosamente, esta série produzida por Kevin Williamson começa de forma entediante, mas a partir do sexto episódio (é preciso alguma paciência para chegar lá) vale bem a pena: os personagens ganham espessura e o argumento vai amadurecendo, conquistando o espectador.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

São Valentim em 2011

Foi São Valentim
Padre, herói, cavaleiro do Amor
Que secretamente casou
Jovens que se comprometiam a amar

Desejemos ser
Dois desses jovens
Amantes no eterno
Que só o Amor permite

Vamos ser dois amantes
Que fazem juras de Amor
Num jardim, na praia ou junto a um altar
E, assim, sermos abençoados por São Valentim.

Para L.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Estado da Nação (24) - um número fiscal

"Todos os dias morrem pessoas na solidão em prédios com dezenas de inquilinos que vêm a saber pela televisão a notícia da morte da vizinha da frente. O caso da senhora encontrada em sua casa nove anos depois de ter morrido não ilustra apenas, de forma mais chocante, a desumanização das nossas sociedades urbanas; demonstra a falência de todos os sistemas de ligação de uma pessoa à comunidade, começando pela mais importante e decisiva que é a família. Todos falharam? Não. O fisco cumpriu a sua missão. Penhorou a casa e vendeu-a sem cuidar de saber por que não pagava a falecida uma dívida de 1500 euros. É nisto que estamos transformados: num número de identificação fiscal."
Fernando Madrinha, Expresso (12.02.11)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Banda sonora para o Inverno (14)

Para amparar a alma nestes dias cinzentos nada melhor que escutar repetidamente o novo disco de Esperanza Spalding, "Chamber Music Society". "Little Fly", "Knowledge of Good and Evil" ou "Winter Sun" são canções da mais pura filigrana do jazz. É música eclética, sim senhor, mas é sobretudo um conjunto de pérolas soberbamente interpretadas por uma cantora e instrumentista que é sinónimo de classe e bom gosto. O futuro do jazz também passa por aqui.

"Liitle Fly" - Esperanza Spalding


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

"72 Horas" - thriller intenso de Paul Haggis

Paul Haggis assina em "72 Horas" um thriller capaz de suspender o tempo psicológico do espectador durante cerca de duas horas. O filme conta a história de um homem banal, professor numa escola secundária, que assiste impotente à condenação da sua mulher por homicídio. O seu amor incondicional leva-o a encetar várias tentativas de a libertar da prisão, planeando uma fuga algo desastrada mas sempre movida pelos afectos mais profundos e humanos.

A película segue a tradição do cinema de inspiração liberal norte-americano, centrando-se num homem decente, que persiste numa luta solitária contra um sistema judicial fechado em leis cegas, encontrando como única solução possível usar o crime para combater a injustiça. Russell Crowe tem aqui um papel bigger than life, encontrando sempre o tom certo para conferir dignidade ao personagem que interpreta.

Um dos melhores filmes do ano, estranhamente arredado da corrida aos Óscares 2011.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Templários do Rock

Acabo de ter o privilégio de ouvir um novo projecto musical que - espero - venha a ser alvo da atenção dos media e do público que, indiscutivelmente, merece. Num novo século que, em Portugal, começou muito mal em termos políticos (com um péssimo governo que se perpetua absurdamente há tantos anos, é difícil classificar esta como uma época conturbada), as bandas de rock nacionais têm demonstrado uma estranha indiferença a este desgoverno que ousa conduzir a embarcação sem bússola e sem sequer saber olhar o universo e ler as estrelas. Longe vão os tempos de um pop-rock interventivo e com vontade de agitar as consciências. Aguarde-se, então,  o disco a que me refiro e retenha-se, por enquanto, o nome: Templários do Rock. É rock'n'roll puro, crítico e directo ao osso. 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Banda sonora para o Inverno (13) - o melhor disco do ano?

Kanye West acaba de lançar um disco como há muito não ouvíamos, mas para verdadeiramente desfrutarmos da sua audição torna-se imprescindível quebrarmos barreiras ou preconceitos musicais. Para aqueles que reduzem o artista à escola do hip-hop, o álbum "My Beautiful Dark Twisted Fantasy" é um brilhante exemplo do erro que cometemos ao ler a música à luz de tais etiquetas. 

Ouça-se então o disco do artista, procure-se compreender o seu carácter conceptual, operático, sinfónico, o seu pendor megalómano, visionário e genial, que perfaz qualquer coisa que, para quem se orienta por rótulos, designaria por hip-hop progressivo. Na verdade, Kanye West há muito que deixou para trás o edifício do rap tal como o definíamos até aqui, desenhando um percurso pessoalíssimo que ainda mais ninguém teve a ousadia de traçar.

Uma obra-prima incontornável!

"Ruanaway" - Kanye West

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

"O Turista" - flop cinematográfico do novo ano

"O Turista" é o remake de um bem sucedido filme francês de Jerôme Salle, "Anthony Zimmer" (2005), reiterando a tendência do actual cinema norte-americano em replicar filmes estrangeiros de sucesso. Mas qual o interesse de refazer uma película tão recente e que em nada exigia ser completada? A resposta é tão desconcertante quanto a escolha dos protagonistas de "O Turista" em participar em tão deplorável filme (para os mais distraídos, trata-se simplesmente de Johnny Depp e Angelina Jolie). A juntar a tão deprimente festa surge o realizador Florian Henckel von Donnersmarck que, em tempos idos, assinou "A Vida dos Outros", fita que, para muitos críticos, é um dos melhores filmes europeus da década passada.

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...