Por alturas da Páscoa, no passado mês de Abril, explorei a considerável secção de discos de vinil numa loja fnac. Irromperam-me na memória recordações de infância e adolescência em que o prazer de receber ou comprar um disco só era comparável aos serões de Verão com os amigos que moravam na mesma rua que eu.
Desde muito pequeno (3/4 anos de idade) que, quando me pergutavam o que queria como prenda de aniversário, pedia um disco, acrescentando sempre o artista ou banda correspondente, de acordo com as minhas preferências. Ah! E quão agradável era começar por explorar a capa e a contra-capa do 45 ou 33 rotações, ler atentamente o título das canções e a respectiva ficha técnica! Depois, retirar cuidadosamente o disco, pousá-lo no gira-discos, colocar a agulha e ouvir os "piquinhos" desta a roçar no vinil e a precederem os primeiros acordes da canção. Para quem se limita a ouvir música avulso, sem se preocupar em conhecer o(s) artista(s), o conceito que preside ao disco, a discografia do(s) músico(s), enfim, sem querer perceber o contexto em que a obra surge, dificilmente compreenderá a sensação de autêntico deleite que procurei descrever anteriormente.
Nesse dia de Abril, evoquei também os intervalos na escola em que tomava conhecimento das novidades discográficas que o meu amigo João Paulo acrescentara à sua, já então, extensa e digníssima colecção. Combinávamos levar, no dia seguinte, cada um o seu disco para os trocarmos. Ou, noutras alturas, em que só um tinha alguma novidade, era esse que levava orgulhosamente um LP debaixo do braço. Aí, havia que comprar uma cassete virgem para gravar as canções. E com que prazer escrevia o nome das mesmas na etiqueta que identificava a cassete!
As recordações estão, normalmente, associadas a odores. A memória olfactiva é, juntamente com as memórias icónica e ecóioca, de suma importância, condição de registo e recuperação da informação armazenada algures na memória a longo prazo. Ora, o odor dos discos de vinil - que não consigo descrever, mas tão somente sentir - estará, para mim, sempre associado às lojas de discos que costumava frequentar em Leça da Palmeira, Matosinhos e Porto. La vie en rose, Electromar, Tubitek, Bimotor, Roma Megastore, entre outras, foram lojas que encerraram ou simplesmente deixaram de vender discos.
Nesta era de tão fácil acesso à música, em que se tem vindo a perder o conceito de álbum, preferindo-se a procura de colectâneas, quase sempre desprovidas de critério unificador ou que dê sentido às escolhas, é bom constatar o surgimento de nichos de resistentes que optam pela qualidade, cultores da estética, melómanos convictos. Daí que já haja quem aponte no vinil a salvação da indústria discográfica.
Quanto a mim, não embarco em profecias fáceis. Os LP de vinil talvez sejam a solução para a sobrevivência de algumas editoras, sobretudo as que se dedicam a géneros específicos como o jazz ou o heavy-metal. Mas não mais que isso.
Apreciar a música, sorvendo-a a partir da sua fonte original, no modo como os discos foram gravados e pensados para serem escutados, trata-se, antes de mais nada, de privilegiar a fruição sobre o mero consumo, o deleite esteta e a procura do sublime na arte em detrimento da mera diversão hedonista e/ou inconsequente.
"Vulture Culture", dos Alan Parsons Project; "Emergency", dos Kool and the Gang; "Kiss me Kiss me Kiss me", dos The Cure; "The Unforgetable Fire", dos U2; o disco homónimo dos Go West; "Please", dos Pet Shop Boys; "Brotherhood", dos New Order; o "Rattlesnakes", de Lloyd Cole and The Commotions; "Notorious", dos Duran Duran; "O Despertar dos Alquimistas", do Fausto; o "Sete Mares", da Sétima Legião; "Libertação" dos Delfins; o álbum homónimo e injustamente esquecido do músico australiano Tim Finn; o "Born To Run" do Bruce "the boss" Springsteen, entre tantos outros, foram discos que orgulhosamente transportei debaixo do braço.
Redescobri alguns destes discos em casa dos meus pais. Desempoeirei-os e levei-os para minha casa. Um ou dois dias depois fui à Worten comprar um gira-discos. Experimentem fazer o mesmo. Como está escrito no autocolante colado ao plástico que reveste alguns dos vinis à venda na fnac, "listen to the sound the artist wanted you to hear when he recorded this album".
Fica lançada a sugestão.