terça-feira, 30 de junho de 2009

Junho








Fazendo um balanço do mês de Junho que agora cessa, recordo com carinho um trabalho de casa do meu filho que exigia a colaboração dos pais, a saber: construir um poema sobre a criança, a propósito, precisamente, do Dia Mundial da Criança.



Um sorriso no rosto
Um brilho no olhar
Um gesto expressivo
É uma criança a brincar.

Dois homens discutem
Como se estivessem num espaço vazio
Eles ignoram a vida
De uma criança, ali perto, com frio.

Da janela aberta do meu quarto
Descubro uma nova ideia a criar
É um mundo cheio de esperança
Onde não haja criança sem lar.

Então aí, saio de casa
Para correr, saltar, jogar
Porque neste novo mundo
Quero para sempre com todas as crianças brincar.


Aproveito para deixar aqui registada uma belíssima canção-poema sobre todas as infâncias.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

American Splendor - a arte da BD

"American Splendor" é um filme realizado por Shari Springer Berman e Robert Pulcini, no ano de 2004.
A partir de uma série de revistas de banda desenhada de cariz autobiográfico - precisamente o "American Splendor" a que o título do filme se refere -, a película acompanha a vida do seu autor, Harvey Pekar, desde os anos 60 até à presente década.
Interessa aos autores do filme reconstruir a génese da referida BD, retratando o quotidiano incolor do seu criador: os casamentos falhados, a paixão por discos de jazz e revistas de banda desenhada (que Harvey Pekar colecciona compulsivamente), a desarrumação da casa, o trabalho deprimente como arquivista num hospital público, as idiossincrasias dos colegas de trabalho, enfim, a vida hodierna da classe média de Cleveland, aqui filmada como uma cidade triste e descaracterizada.
Na verdade, durante mais de duas décadas, as páginas da revista "American Splendor" documentaram as atribulações mundanas, as experiências e os entusiasmos culturais de Pekar na sua cidade natal.
Apesar de este ser um filme narrativa e esteticamente coerente, quero destacar três momentos que demonstram o carácter suis generis da publicação escrita pela pena de Pekar:
i) o primeiro, a presença estranha de Pekar no talk-show de David Letterman. O famoso apresentador ficou fascinado com a postura peculiar do arquivista/criador de BD, que se apresentava sempre com um comentário antecipado à pergunta do entrevistador. Harvey Pekar era um autêntico alien no programa de televisão mais visto pelos americanos;
ii) o segundo, a descoberta do tumor maligno que obrigou Pekar a sessões dolorosas de quimioterapia, as quais foram desenhadas e narradas numa premiada novela gráfica - "Our Cancer Year" - que Pekar escreveu em colaboração com a sua mulher. É raro ver no cinema a doença ser tratada com tamanha humanidade;
iii) o terceiro momento, a concretização do desejo da mulher de Pekar em ser mãe, adoptando uma criança, filha de um casal disfuncional recém-divorciado. Neste ponto, o modo como a menina se integra no lar anarquista do casal Pekar é filmado de acordo com uma fluência narrativa tão espontânea, que achamos que ela sempre pertenceu ali.
O filme termina com a aposentação de Harvey Pekar que, apesar do sucesso e do fenómeno de culto em torno da sua revista, nunca teve condições financeiras para abandonar um emprego com o qual jamais se sentiu identificado. A forma como a dupla de cineastas que assina o filma caracteriza o personagem principal, fez-me recordar nomes como Fernando Pessoa e Franz Kafka. Também estes autores, vultos maiores da literatura do século XX, nunca viveram da sua escrita, mantendo-se por necessidade de sobrevivência em empregos que, pelas entediantes rotinas e despersonalizadas tarefas que exigiam, contrastavam paradoxalmente com a genialidade dos artistas. No fundo, os três - Pessoas, Kafka e Pekar - são criadores que tiveram profissões sem rosto, e através das suas obras encontraram forma de se humanizarem e distinguirem da prole. A individualidade das suas obras maiores, bem como o lugar único que hoje ocupam na história da cultura ocidental, está aí para a posteridade.
Tal como Pessoa em Portugal, Harvey Pekar é um anti-herói americano. O filme em análise dá-lhe a merecida dignidade e o mais que justificado reconhecimento. É pena que em Portugal ainda não tenham feito o mesmo, com esta qualidade, em relação ao poeta.

sábado, 27 de junho de 2009

Banda sonora para o Verão (2)


Para ajudar a suportar o calor, aqui vai uma segunda sugestão.

Poucas pessoas se lembram hoje de uma famosa banda pop britânica da segunda metade da década de 80, os Then Jerico, liderados pelo carismático Mark Shaw. Pois bem, eles gravaram um disco muito rodado nas rádios (The Big Area), gozando durante algum tempo de uma enorme popularidade no nosso país. Podem não se lembrar do nome do grupo, mas quem foi adolescente na referida década com certeza lembra-se da doce balada "Sugar Box".

sexta-feira, 26 de junho de 2009

King of Pop



Michael Jackson, autor do álbum mais vendido de sempre, Thriller, faleceu ontem aos 50 anos de idade.

Quando ainda era uma criança, ao lado dos irmãos nos Jackson Five, e através da editora Motown, gravou vários discos de enorme sucesso, de onde sairam singles que se tornaram paradigmas da soul ("I Want You Back", "ABC", entre outros). Mas é a solo, com a colaboração imprescindível do maestro Quincy Jones, que, em 1979, Michael Jackson inicia uma carreira fulgurante inigualável e de um imenso valor artístico com o magnético Off The Wall. A este álbum seguiu-se o vibrante Thriller, de 1982, que ainda hoje permanece como o disco mais vendido de sempre (qualquer coisa como 106 milhões de discos). Cinco anos mais tarde, Bad confirma o seu estatuto de "Rei da Pop", com temas de um perfeccionismo notável e raramente alcançado por qualquer outro artista. Em 1991, Dangerous marca a entrada do artista na última década do século XX (seguir-se-ia o menor HIStory) e numa era marcada já pela proeminência do compact disc, pelo que o disco refelecte a tendência dos anos 90 ao incluir um número excessivo de canções que acaba por desequilibrar o todo, mesmo que temas como "Black or White" ou "Will You Be There" sejam autênticas pérolas da melomania. No primeiro ano do século XXI, editou ainda mais um cd de originais, Invincible, disco onde toca praticamente todos os instrumentos e que, em minha opinião, constitui uma obra-prima absoluta. Reconhecê-lo, exige que o ouvinte se abstraia dos fait-divers que ensombraram a vida privada deste brilhante músico e se concentre no essencial da sua obra, precisamente a música.

Não tenho qualquer pudor em afirmar a minha admiração por este artista completo: músico, cantor, actor e bailarino de excelência. Basta ouvir atentamente os seus discos para constatar o detalhe, cuidado e delicadeza colocados em todos as melodias. Nenhuma canção foi por ele construída e gravada a martelo, coisa rara num artista pop, cuja carreira atravessou quatro décadas. O seu estatuto de ícone maior da cultura popular é, claramente, inquestionável. Analisar a história da cultura do século XX, implica passar, de modo profundo e incontornável, pela obra e influência de Michael Jackson no mundo. Bastaria a sua música, mas não é apenas por ela. Também os seus videoclips tiveram a assinatura de cineastas maiores, como John Landis ("Thriller", "Black or White") e Martin Scorsese ("Bad"), afirmando-se hoje como paradigmas da imagética popular contemporânea.

Vi o filme "Moonwalker", realizado por Jerry Kramer, Jim Blashfield e Colin Chilvers, numa sala de cinema já extinta, em Matosinhos. Trata-se de um exercício de estilo autobiográfico e iconográfico que, melhor do que qualquer documentário ou biografia (não) autorizada, ajuda a compreender a complexidade do ícone pop que agora desapareceu. Na altura, quando saí do escuro da sala de cinema, fiquei com uma certeza: Michael Jackson queria ser (re)conhecido e apreciado pela sua música, não pelos rumores mais ou menos escandalosos em torno da sua vida privada. O videoclip da canção "Leave Me Alone" (extraído do filme) é transparente quanto a esta vontade do cantor.

Umas vezes hedonista ("Don't Stop 'Till You Get Enough"), outras com profunda mensagem moral ("Heal The World"), ou ainda rocker duro e agressivo ("Dirty Diana"), por vezes intensamente romântico ("I Just Can't Stop Loving You") e frenético ("Beat It"), o rei da pop encarnou sempre com alma cada uma das suas personas. Além disso, foi o primeiro cantor afro-americano com temas regularmente exibidos na MTV, cujos espectadores eram, nos anos 80, sobretudo adolescentes brancos.

Este ano, Michael Jackson tinha prometido uma última tournée - "This is it" -, uma espécie de despedida final para os fãs que teria início no próximo mês na capital inglesa.

A pop ficou orfã do seu rei.

Michael Jackson - Leave Me alone (excerto de "Moonwalker")



quinta-feira, 25 de junho de 2009

Banda sonora para o Verão (1)


Começou o Verão. Para acompanhar o calor nada como uma boa bebida fresca. E boa música.

Sugestão de banda sonora para a estação que agora (re)começa:

Upside dos James, do álbum Hey Ma, de 2008. É uma bela e refrescante canção de amor.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Terra


Segundo um artigo publicado na revista Time, "a Terra durará 2,3 mil milhões de anos até o sol se apagar".

Isto significa que, independentemente da degradação da qualidade do meio ambiente da Terra provocada pela mão humana, o planeta azul deixará um dia de existir. Este facto científico, ou, dado que a ciência funciona sempre por hipóteses falsificáveis, esta previsão, não deve servir como desculpa para continuarmos a destruir o nosso ecossistema, bem pelo contrário! Devemos ver no referido cálculo aproximado um forte motivo para reforçarmos as medidas de protecção do meio ambiente, o que implica uma mudança radical de mentalidades. É a consciência de cada ser humano que deve amadurecer, transformando-se numa verdadeira consciência ecológica. Só esta poderá permitir à ecologia tornar-se a grande corrente filosófica do futuro.

A questão ecológica, no século XXI, já não é apenas uma questão de melhor ou pior qualidade de vida - é uma questão de sobrevivência. Desejar ter um lugar digno para viver, com pão e água na mesa, é um problema ecológico. É a nossa vida e a do planeta que estão em perigo. Não se trata aqui de alarmismo, mas de realismo e responsabilidade.

É possível manter o desenvolvimento tecnológico e o progresso material, sem destruir a sua única razão de ser, que é o próprio homem? Talvez... Mas para isso é necessário que tenhamos conhecimento da dimensão dos problemas e assumamos a importância de participar na sua resolução.

O que o artigo da revista Time nos vem recordar é precisamente que a Terra é um planeta que, como todas as coisas belas, é frágil e delicado. Além disso, é a nossa casa.

Neste contexto, parece-me pertinente deixar aqui uma sugestão.

Para assinalar o Dia Mundial do Meio Ambiente, estreou no dia 5 de Junho nas salas de cinema, e com edição simultânea em DVD e livro, um documentário que chama a atenção para a destruição do planeta e para a responsabilidade que todos temos na sua conservação. O filme chama-se "Home - O Mundo é a Nossa Casa", e tem a assinatura do fotógrafo Yann Arthus-Bertrand.

["Home - O Mundo é a Nossa Casa", de Yann Arthus-Bertrand]
HOME  O Mundo é a nossa casa
1:58:18


quinta-feira, 18 de junho de 2009

Vinil


Por alturas da Páscoa, no passado mês de Abril, explorei a considerável secção de discos de vinil numa loja fnac. Irromperam-me na memória recordações de infância e adolescência em que o prazer de receber ou comprar um disco só era comparável aos serões de Verão com os amigos que moravam na mesma rua que eu.

Desde muito pequeno (3/4 anos de idade) que, quando me pergutavam o que queria como prenda de aniversário, pedia um disco, acrescentando sempre o artista ou banda correspondente, de acordo com as minhas preferências. Ah! E quão agradável era começar por explorar a capa e a contra-capa do 45 ou 33 rotações, ler atentamente o título das canções e a respectiva ficha técnica! Depois, retirar cuidadosamente o disco, pousá-lo no gira-discos, colocar a agulha e ouvir os "piquinhos" desta a roçar no vinil e a precederem os primeiros acordes da canção. Para quem se limita a ouvir música avulso, sem se preocupar em conhecer o(s) artista(s), o conceito que preside ao disco, a discografia do(s) músico(s), enfim, sem querer perceber o contexto em que a obra surge, dificilmente compreenderá a sensação de autêntico deleite que procurei descrever anteriormente.

Nesse dia de Abril, evoquei também os intervalos na escola em que tomava conhecimento das novidades discográficas que o meu amigo João Paulo acrescentara à sua, já então, extensa e digníssima colecção. Combinávamos levar, no dia seguinte, cada um o seu disco para os trocarmos. Ou, noutras alturas, em que só um tinha alguma novidade, era esse que levava orgulhosamente um LP debaixo do braço. Aí, havia que comprar uma cassete virgem para gravar as canções. E com que prazer escrevia o nome das mesmas na etiqueta que identificava a cassete!
As recordações estão, normalmente, associadas a odores. A memória olfactiva é, juntamente com as memórias icónica e ecóioca, de suma importância, condição de registo e recuperação da informação armazenada algures na memória a longo prazo. Ora, o odor dos discos de vinil - que não consigo descrever, mas tão somente sentir - estará, para mim, sempre associado às lojas de discos que costumava frequentar em Leça da Palmeira, Matosinhos e Porto. La vie en rose, Electromar, Tubitek, Bimotor, Roma Megastore, entre outras, foram lojas que encerraram ou simplesmente deixaram de vender discos.

Nesta era de tão fácil acesso à música, em que se tem vindo a perder o conceito de álbum, preferindo-se a procura de colectâneas, quase sempre desprovidas de critério unificador ou que dê sentido às escolhas, é bom constatar o surgimento de nichos de resistentes que optam pela qualidade, cultores da estética, melómanos convictos. Daí que já haja quem aponte no vinil a salvação da indústria discográfica.
Quanto a mim, não embarco em profecias fáceis. Os LP de vinil talvez sejam a solução para a sobrevivência de algumas editoras, sobretudo as que se dedicam a géneros específicos como o jazz ou o heavy-metal. Mas não mais que isso.

Apreciar a música, sorvendo-a a partir da sua fonte original, no modo como os discos foram gravados e pensados para serem escutados, trata-se, antes de mais nada, de privilegiar a fruição sobre o mero consumo, o deleite esteta e a procura do sublime na arte em detrimento da mera diversão hedonista e/ou inconsequente.

"Vulture Culture", dos Alan Parsons Project; "Emergency", dos Kool and the Gang; "Kiss me Kiss me Kiss me", dos The Cure; "The Unforgetable Fire", dos U2; o disco homónimo dos Go West; "Please", dos Pet Shop Boys; "Brotherhood", dos New Order; o "Rattlesnakes", de Lloyd Cole and The Commotions; "Notorious", dos Duran Duran; "O Despertar dos Alquimistas", do Fausto; o "Sete Mares", da Sétima Legião; "Libertação" dos Delfins; o álbum homónimo e injustamente esquecido do músico australiano Tim Finn; o "Born To Run" do Bruce "the boss" Springsteen, entre tantos outros, foram discos que orgulhosamente transportei debaixo do braço.

Redescobri alguns destes discos em casa dos meus pais. Desempoeirei-os e levei-os para minha casa. Um ou dois dias depois fui à Worten comprar um gira-discos. Experimentem fazer o mesmo. Como está escrito no autocolante colado ao plástico que reveste alguns dos vinis à venda na fnac, "listen to the sound the artist wanted you to hear when he recorded this album".
Fica lançada a sugestão.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A efémera eternidade, segundo Coppola


Francis Ford Coppola já não filmava - pelo menos, no que à sétima arte diz respeito - há dez anos. Dez anos sem termos o privilégio de nos deslumbrarmos com um filme do autor da trilogia "O Padrinho" (um dos maiores legados artísticos de sempre, independentemente da arte, a trilogia referida é por si só uma Obra de Arte), mas também do introspectivo "Apocalypse Now" e do belíssimo díptico sobre a juventude "Rumble Fish" / "The Outsiders". Essa ausência foi reposta em 2007 com "Uma Segunda Juventude", adaptação ao grande ecrã de um romance de Mircea Eliade.

A acção começa na Roménia em 1938. Dominic Matei (um contido Tim Roth) tem 70 anos e dedicou toda a sua vida - a primeira juventude - ao estudo da linguagem e da sua origem, apesar de nunca ter terminado o livro que se propôs escrever e que assumiu como projecto de vida. Chegado de Piatra Neamt a Bucareste sob uma forte tempestade, ao atravessar a rua é atingido por um raio. Estranhamente, Dominic sobrevive e, sob o olhar curioso do Dr. Stanciulescu (o sempre discreto Bruno Ganz), rejuvenesce 3o anos. Durante a sua recuperação, Dominic começa a ser atormentado por recordações de Laura (uma brilhante Alexandra Maria Lara), o seu grande amor da primeira juventude, mas também por visões de um duplo de si mesmo que o questiona e desafia. Stanciulescu fica intrigado com o processo de reconstrução da(s) memória(s) de Dominic, mas a sua preocupação passa a concentrar-se no forte interesse dos cientistas nazis pelo linguista rejuvenescido. Com a ajuda de Stanciulescu, Dominic foge para a Suíça, onde prossegue com a sua investigação nunca terminada. Dotado de poderes especiais na absorção de conhecimentos e de telecinesia, Dominic escapa-se aos espiões nazis gravando os seus apontamentos numa linguagem criada por ele mesmo. Anos depois, ele conhece Veronica, um duplo de Laura que, após um incidente idêntico ao de Dominic, começa a sofrer episódios de regressão, nos quais assume vidas anteriores e passa a comunicar em línguas antigas, como o sânscrito. Dominic acredita que a linguagem modela a consciência humana e tem um papel determinante na ordem do mundo e do tempo, pelo que em Veronica ele vê, não apenas a possibilidade de recuperar o amor perdido, mas também um veículo para atingir o estado de pré-linguagem, e a origem de todas as linguagens.

"Uma Segunda Juventude" está marcado por uma forte dualidade, que se estende ao título do próprio filme (no original, "Youth Without Youth"), onde a juventude se repete. O uso de um duplo talvez represente o dois que somos todos, isto é, em cada um de nós convivem uma criança e um adulto, e a vida toda consiste na reconciliação de ambas, umas vezes ganhando uma, outras vezes a outra. Além disso, a linguagem de Coppola é sempre simbólica: o rejuvenescimento é identificado com a sede de conhecimento, enquanto o passado como obsessão/prisão se converte em progressiva degradação. Tal como no deslumbrante "Bram Stocker's Dracula", que Coppola dirigiu em 1993, as metáforas corporizam-se em luz, espelhos, rosas e chapéus-de-chuva, sob a estética de film noir no misto de obscuridade e vermelho garrido da fotografia de Mihai Malaimare Jr.

Há também evidentes ligações a "Jack", uma subestimada película do mesmo cineasta, também ela um olhar sobre a fugacidade do tempo, que contava a história de uma criança que nasce com uma doença rara que lhe provoca um envelhecimento precoce. No entanto, estéticamente, "Uma Segunda Juventude" está uns bons furos acima, sendo, na minha opinião, um Coppola vintage.

"Uma Segunda Juventude" é um autêntico puzzle psicológico fragmentado, que se vai juntando num todo coerente, ligando décadas e continentes. Trata-se, além disso, de uma meditação filosófica/metafísica, em que o tempo e a memória vão sendo questionados, o bem e o mal são contrapostos, assim como os fins e os meios, a realidade e a imaginação, o conhecimento e o amor. Não está à altura de obras como "Tucker, o Homem e o seu Sonho", mas é uma obra claramente marcada por um envolvimento pessoal de Coppola, com momentos fortes de bom e genuíno cinema. Cinema de Autor.


domingo, 14 de junho de 2009

"A Túnica"


"A Túnica" é um filme de 1953 realizado por Henry Koster. Ficou na história da sétima arte, sobretudo por ter sido o primeiro filme rodado em cinemascope, técnica fílmica criada na altura para competir com a televisão.

De facto, o advento da caixa mágica introduziu novos hábitos. Para quê ir ao cinema (sobretudo, se encararmos o cinematógrafo como um poderoso entretenimento) quando o mundo estava disponível na nossa sala de jantar? Notícias, séries, clássicos... Determinados programas - soaps, talk-shows - tornavam-se obrigatórios, como se de um ritual religioso se tratasse. Surgia então o conceito de prime time, o horário nobre televisivo.

Hollywood encontrou na década de 50 um novo formato, o cinemascope, equivalente hoje ao conceito 3D que pretende fazer regressar às salas de cinema (hoje praticamente limitadas aos multiplex) algum do público perdido e conquistar novas gerações, sobretudo adolescentes com fácil acesso a filmes através de downloads (na maioria das vezes, ilegais) ou a DVD piratas.

Limitar-se-ão os méritos de "A Túnica" ao - na época - novo formato?

Na minha opinião, não. Definitivamente, não! A história do centurião que crucificou Cristo, continua um inabalável conto moral sobre as consequências irreversíveis da acção humana, mas também sobre o poder, a corrupção, o (in)conformismo e, acima de tudo, sobre a possibilidade que cada homem tem de mudar valores éticos, princípios morais, no fundo de se melhorar e transformar o mundo. Além disso, tornou-se a fonte geradora de tantos e tão marcantes épicos cinematográficos, também conhecidos como peplums, filmes históricos quase sempre passados na Roma Antiga (Ben-Hur, Quo Vadis, Cleópatra, entre muitos outros filmes). A recente série televisiva "Roma" deve muito ao clássico de Henry Koster.

Revi o filme há pouco tempo numa velhinha VHS. A sequência inicial no mercado de escravos continua com uma força imensa, capaz de gerar no espectador o espanto que conduz à questão: "Como foi possível fazer-se aquilo? Vender mães e filhos em conjunto ou separadamente, como diz um comerciante no filme, de acordo com a vontade do freguês?" Infelizmente, a História parece não nos ter ensinado muito, pois ainda hoje se traficam, compram, vendem e torturam seres humanos. O filme continua actual, portanto, e séculos após a Revolução Francesa, o conceito kantiano de Pessoa continua um ideal a concretizar. Talvez num futuro próximo ou num ecrã perto de si...


Prefácio


Porto, 14 de Junho de 2009

Decidi hoje - e apenas hoje - render-me à blogosfera.
Resisti durante muito tempo àquilo que me parecia ser a satisfação do egocentrismo de muitas mentes vazias que, à força de quererem ser ouvidas, chamavam aqui a atenção do mundo para a sua existência. O velho, antiguinho, diário que guardávamos a sete chaves com medo que alguém lesse era agora substituído pela transparência electrónica, numa espécie de "big brother" auto-inflingido. Claro que muitos bloggers escondem-se em falsas identidades, permitindo-se assim a liberdade de ajuízar, assertar, criticar quem e o que bem lhes aprouver. Mas o desejo - muitas vezes inconfessado - de ser lido pelo mundo, quase sempre, impera.

Passando agora às evidentes vantagens deste poderosíssimo meio de comunicação, reconheço a revolução da blogosfera, talvez uma das maiores mudanças introduzidas pela internet no mundo. Expressar livremente a nossa opinião. A defesa genuína de ideias. A profusão desagrilhoada de pontos de vista e filosofias, em Portugal ou no Japão, transmutou as relações interpessoais, sociais, culturais, políticas, enfim internacionais. A bloggosfera tornou-se também um verdadeiro veículo de informação, em muitos casos mais importante que a imprensa, a televisão e a rádio, pois que liberta de constrangimentos, lobbys e pressões do poder político, religioso e/ou económico.

E, pronto! Caí no mesmo erro que criticara no início desta prosa. Veicular opiniões já mais vistas e revistas por tantos seres pensantes, como se algo de novo estivesse eu a comunicar.

Mas aqui vai o motivo principal da minha recente e tardia rendição a este universo: o prazer da partilha. Ideias, opiniões, gostos, prazeres, fruições, sensibilidades, rotinas serão aqui registadas. Para quem quiser... Ponto final parágrafo.

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...