Descobri Abel Ferrara ainda durante a minha adolescência, nos últimos anos da década de oitenta. Curiosamente, numa altura em que o seu nome não era levado a sério pela mesma crítica que agora faz de cada novo filme daquele cineasta nova-iorquino um acontecimento. Ainda assim, via os seus filmes de baixo orçamento com algum fascínio, neles percecionando o alvor de um autor. "Fear City", "China Girl", "Cat Chaser" e "King Of New York" permanecem películas de culto a necessitarem de urgente reavaliação, face à credibilidade conquistada por Ferrara a partir da década de noventa, sobretudo graças a "Bad Lieutenent" (filme que o consagrou como legítimo herdeiro de Scorsese).
"4:44 Último Dia na Terra" é uma profundíssima reflexão em torno do sentido da existência, das escolhas que definem o que somos e da irreversibilidade das mesmas. Trata-se de uma fita complexa, soberbamente interpretada por Willem Dafoe e Shanyn Leigh, que assumem o papel de um casal a contas com a vida, o passado, o presente e o futuro que lhes espera após o apocalipse (sim, o futuro, já que a espiritualidade e a procura da redenção são traços comuns da demanda dos personagens criados por este cineasta). A Nova Iorque de Ferrara é preenchida por poucos personagens, todos eles reais, divididos entre os prazeres da carne e as necessidades espirituais.
Após o visionamento da obra em análise, vem à mente uma questão essencial: será Abel Ferrara o último dos cineastas urbanos? Duas coisas são certas: (i) o filme deixa-nos sem fôlego; (ii) é o melhor filme deste verão.
Trailer de "4:44 Último Dia na Terra"