sábado, 21 de outubro de 2017

Estado do Mundo (45) - Era uma vez a Antártida

A Antártida sofreu, em 2016, uma redução drástica do gelo marinho. O A68, um icebergue com 1155 quilómetros cúbicos, 190 metros de altura e 200 metros de profundidade, desprendeu-se da plataforma Larsen C, na Península Antártica. A principal preocupação dos cientistas é, agora, o futuro daquela plataforma, uma vez que o desprendimento do icebergue a deixou ainda mais instável.

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Estado do Mundo (44) - Ir à escola ou fugir da guerra?

"As zonas onde há escolas não devem ser zonas de guerra”. “Hoje, ter de se esconder não devia fazer parte dos trabalhos de casa”. “Evitar as minas terrestres não devia ser uma actividade extracurricular”. Foi com frases como estas estampadas em 27 autocarros escolares que a UNICEF guiou uma campanha pelas ruas de Manhattan, nos Estados Unidos, a 17 de Setembro. Os autocarros circularam vazios, em fila, uma metáfora para os “27 milhões de crianças que vivem em zonas de conflito e que não frequentam a escola”, disse o órgão das Nações Unidas, em comunicado. O objectivo era chamar a atenção para casos como o da menina do Sudão do Sul, neste vídeo, e da principal condutora da campanha — Muzoon Almellehan, de 19 anos, Embaixadora de Boa Vontade da UNICEF, que em plena semana de Assembleia Geral das Nações Unidas pede “aos líderes mundiais que priorizem a educação em situações de emergência”. "A educação nunca pode ser vista como opcional, especialmente em situações de crise. Sem aprender, como podemos esperar que as crianças venham a ser tudo aquilo que têm capacidade para ser? Não podemos desistir, há que continuar até termos um mundo onde todas as crianças vão à escola", disse a activista que em 2013 foi obrigada a abandonar a escola para fugir da guerra que rebentava na Síria. O Fundo das Nações Unidas para a Infância diz que, no primeiro semestre deste ano, recebeu apenas “12 por cento do financiamento necessário para proporcionar educação às crianças que vivem em situações de crise”.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Banda sonora para o verão (45) - Lana Del Rey: "Lust For Life"

O percurso de Lana Del Rey tem sido o da afirmação crescente de uma maturidade artística rara na pop do século XXI. Lust For Life é já o seu 4º álbum concetual, e faz prova da coerência estética e do talento narrativo da cantora e compositora norte-americana. A sua música evoca paisagens californianas, a memória de verões passados, romances de Kerouac, Hemingway, Pynchon e Mailer, retalhos do cinema noir clássico e de uma certa atmosfera lynchiana. Além disso, Lust For Life contém 13 Beaches, a melhor canção deste verão.


domingo, 10 de setembro de 2017

350 mil pessoas passaram pelo novo Teatro Municipal do Porto

Rui Moreira pensou na Cultura como elemento estruturador da identidade do Porto. Não há em qualquer outra cidade do País um projeto cultural com a qualidade da Programação apresentada por Rui Moreira e Tiago Guedes, no dia 6 de setembro no Teatro Municipal Rivoli.

sábado, 9 de setembro de 2017

Banda sonora para o verão (44) - Roger Waters: "Is This The Life We Really Want?"

O novo álbum de originais de Roger Waters, maestro dos álbuns mais inspirados e inspiradores dos históricos Pink Floyd, é apenas o 4º LP a solo num percurso iniciado já há 33 anos com The Pros and Cons of Hitch Hiking. Compreende-se porquê. Waters é um perfecionista, criador de discos operáticos, concetuais, políticos, pensados ao milímetro, e precisa do apelo do real para justificar a urgência de um novo disco. Este conturbado início de século e, mormente, a eleição de Donald Trump constituíram razões mais do que suficientes para o músico reunir um conjunto de composições que foi criando a partir de poemas que escreveu nos últimos 20 anos.

Déjà Vu, The Most Beautiful Girl, Wait For Her, Part of Me Died ou o tema-título são canções delicadas que figurarão, indubitavelmente, no melhor cancioneiro que viu a luz do dia no ano da graça de 2017.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Playlist para o verão 2017 (5) - Alphaville: "House of Ghosts"


"Kubo e as Duas Cordas" - Primeiro filme de Travis Knight

Uma excelente surpresa da Laika Entertainment, o estúdio de animação em stop motion responsável por filmes como Coraline e a Porta Secreta ou Paranorman.

Kubo e as Duas Cordas situa a sua ação no Japão antigo, narrando a odisseia do jovem Kubo que, para sobreviver a um ataque de deuses e monstros sob as ordens do avô, procura a lendária armadura usada pelo seu pai, um samurai caído em desgraça devido a um amor proibido.

O filme é bom e marca a estreia na realização de Travis Knight, que consegue a proeza, cada vez mais rara no cinema de animação, de criar um objeto que não idiotiza as crianças, evitando estereótipos e afirmando-se como obra singular no seu contexto de produção.


quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Playlist para o verão 2017 (4) - Julia Byrne: "Sea as It Glides"


Estado do Mundo (43) - O comunismo no mundo (1)

A Coreia do Norte fez mais um teste nuclear, ameaçando o mundo ao informar que a bomba pode ser colocada num míssil balístico intercontinental.

Por cá, Jerónimo de Sousa, no discurso de encerramento da Festa do Avante, culpou o imperialismo norte-americano pelos devaneios do líder de Pyongyang.

domingo, 3 de setembro de 2017

Playlist para o verão 2017 (3) - Radiohead: "Lift" (do álbum "OKNOTOK")

Banda sonora para o verão (44) - "Purple Rain", obra seminal de Prince

Candidato a reedição do ano, o disco Purple Rain do saudoso Prince inaugura a tão aguardada série de reposições da obra do malogrado génio de Minneapolis, pretexto para a reorganização do impressionante acervo sonoro legado pelo compositor.

Para além da redescoberta de um LP gravado numa época - os anos 80 do século XX - em que os álbuns eram pensados ao milímetro e com princípio, meio e fim, a nova edição de Purple Rain vai ao baú de Prince para democratizar canções que não foram incluídas no disco de 1984. Entre elas, o destaque recai em Our Destiny/Roadhouse Garden e 17 Days.

Soul, funk, r'n'b e rock progressivo misturados pela visão criativa de Prince, Purple Rain é tudo isso e muito mais. 


sábado, 2 de setembro de 2017

Playlist para o verão 2017 (2) - Sleater Kinney: "Modern Girl" (do álbum "Live In Paris")


"O Dia da Independência: Nova Ameaça" - mais uma fita inane de Roland Emmerich

O Dia da Independência: Nova Ameaça é a sequela, 20 anos depois, do blockbuster da década de 90, com o mesmo título introdutório. A razão que levou Roland Emmerich a tomar em mãos tal empreitada só pode residir nos cifrões, como, de resto, quase toda a filmografia do realizador alemão. 

Que saudades de Lua 44 (1990), a esquecida fita série B de ficção científica protagonizada pelo não menos esquecido Michael Paré.



quinta-feira, 31 de agosto de 2017

E foi agosto...

E foi agosto
Por entre a espuma dos dias
Embalado pelas ondas do entardecer
E agasalhado pelo sorriso de uma criança

Galga as rochas
Atira o pequeno seixo ao mar
Fá-lo saltar sobre a água salgada
E, assim, enche-te de maresia

Por agora foi agosto
Que regressará, retornará um dia,
No próximo verão, tenho a certeza,
O teu rosto será ainda mais exultante!

E foi agosto
Em teus olhos.
Sabes, eles são o Sol
Que em ti se faz a aurora de um novo dia.

Playlist para o verão 2017 (1) - Lana Del Rey: "Summer Bummer" (do álbum "Lust For Life")

domingo, 27 de agosto de 2017

"Mechanic: Assassino Profissional" - Videojogo a fazer de filme

Mechanic: Assassino Profissional representa aquilo em que o cinema de ação se tornou nas duas últimas décadas: um produto fabricado em série por uma indústria à procura de lucro imediato.

Dennis Gansel, o realizador (?), concebe um trabalho que não se distingue de uma qualquer série de televisão norte-americana. Em boa verdade, a realização é tão televisiva e anódina que torna as obras de Menahem Golam, dos anos 80 do século XX (dos populares estúdios Canon, lembram-se?), delicadas fitas sem propósitos comerciais. Por sua vez, Jason Statham é tão expressivo quanto um qualquer paralelo de uma qualquer rua esburacada. O ator (?) inglês parece acabadinho de sair de um workshop de representação orientado pelo veterano Chuck Norris. O argumento (?) consegue a proeza de acreditar que nos convence do amor à primeira vista entre Statham e Jessica Alba, aqui também a fazer pela vida num papel tão estereotipado como há muito não via no cinema foleiro, a parecer querer replicar personagens femininas de películas baratas de ação saídas dos estúdios Canon. Por fim, Tommy Lee Jones também aparece em piloto-automático a relembrar os piores papéis da sua carreira (alguém disse Two-Face de Batman Para Sempre?).

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

"Cartas da Guerra" - Lição de cinema, a partir de António Lobo Antunes

Começo por aqui: Cartas da Guerra é uma obra-prima. É um filme como todo o Cinema devia ser. E Ivo M. Ferreira consegue a proeza da realização de um filme perfeito sem fazer cedências que não as da sua própria demanda estética: trata-se da busca pelo plano certo, da captação da luz desejada, da interpretação honesta dos atores, do respeito pelos veteranos da Guerra do Ultramar e pelas vítimas civis, de uma vénia ao continente africano (que raramente foi tão bem filmado como aqui), de preocupação com as palavras (é uma esplendorosa ode à língua portuguesa) e com as cartas originais de António Lobo Antunes.

Não estamos apenas perante o melhor filme de 2016. Trata-se tão-só da obra maior do cinema português dos últimos 25 anos. Um objeto sublime a figurar, certamente, nos anais do cinema português e do Cinema enquanto arte. Cartas da Guerra é um óvni cinematográfico. Um filme como todos os filmes deviam ser.

quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Estado do Mundo (42) - Temperatura a subir


As temperaturas dos últimos dois mil anos estão agora reunidas numa base de dados recolhidos pela Universidade da Tasmânia, na Austrália, recorrendo a amostras de corais, gelo polar e sedimentos aquáticos. Para a criação da base de dados foram analisadas as temperaturas entre os séculos I e XIX, confirmando que as temperaturas vinham a descer até ao século XX e começaram a subir pronunciadamente a partir de então.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Estado do Mundo (41) - É urgente salvar os oceanos


Cientistas da Universidade de Oxford alertaram para o perigo causado pelo aumento da temperatura dos oceanos e da poluição marítima.

Depois de compilarem 271 estudos feitos desde 2012, os oceanólogos do Departamento de Zoologia da universidade britânica concluíram que os oceanos são muito mais complexos do que se pensava antes e que há regiões que estão à beira do colapso ecológico.

O aumento da temperatura provocado pela atividade humana é um problema global que significa que o mar fica mais ácido porque absorve dióxido de carbono, além de levar ao aumento de bactérias responsáveis por doenças.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

"A Voz da Mãe Dava Sentido às Estrelas" - Um livro para a eternidade de Rabindranath Tagore


A Assírio & Alvim vem, no ano da graça de 2017, lembrar-nos de um escritor algo esquecido por cá, Prémio Nobel da Literatura em 1913, poeta, pintor, pedagogo, músico, ser humano com tudo o que ser humano devia representar, autor dos mais belos textos sobre a infância de que há memória. Rabindranath Tagore (1861-1941) é o seu nome e a obra agora publicada reúne a versão integral do livro The Crescent Moon, que o autor dedicou ao filho após a morte de sua mãe, e textos extraídos dos livros My Reminiscenses e My Childhood Days. A natureza destes escritos resulta da apurada sensibilidade poética do autor, estimulada pela presença da beleza que envolve o nascimento de uma criança e pelo encantamento que é observar o seu crescimento, havendo também lugar para delicadas reflexões sobre o mistério e o significado da morte.

Tagore foi um exímio manipulador de palavras, cuidadoso nos objetivos, primoroso nas imagens e poético na prosa.

A propósito da morte da sua mãe, escreveu: 

"Mais tarde, vagabundeando eu pelo mundo na liberdade da juventude, quando chegava a primavera prendia no meu cachecol um ramo de brancos jasmins; estes roçavam suavemente na minha testa, e sentia-os como se fossem os dedos da minha mãe que me tocavam; e concluía que a ternura que se desprendia da ponta daqueles doces dedos era a mesma que desabrochava todos os dias na pureza daqueles jasmins em botão; e, hoje, tenha ou não consciência disso, sei que a mesma ternura está espalhada por toda a terra em doses infinitas."

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

"Águas Perigosas" - Thriller exemplar de Jaume Collet-Serra


Aquele que julgávamos ser um mero aspirante a tarefeiro da indústria de produção rápida de filmes série B é afinal um cineasta de corpo inteiro. Jaume Collet-Serra demonstra-o em Águas Perigosas, um dos melhores (senão mesmo o melhor) thrillers do século XXI. E, para tal, bastou meia dúzia de atores (quase meros figurantes), uma atriz (fabulosa Blake Lively) que se entrega de corpo e alma a esta espécie de via-sacra balnear e uma mise-en-scène primorosa.

Nos primeiros cinco minutos de filme ficamos a saber tudo o que há para conhecer acerca da involuntária heroína da história. Os restantes 80 minutos são uma lição de cinema só comparável a Duel - Um Assassino Pelas Costas, obra seminal de Steven Spielberg.

domingo, 20 de agosto de 2017

"Ressurreição" - thriller bíblico de Kevin Reynolds


Kevin Reynolds foi responsável por um punhado de filmes de má memória (Robin Hood - Príncipe dos Ladrões, Waterworld, Rapa Nui e O Conde de Monte Cristo), embora, aqui ou ali, haja lugar para obras meritórias (A Besta da Guerra e Condenação à Morte). O seu último filme, Ressurreição, reatualiza e reconfigura o género de filme bíblico, contando a história de Clavius (muito bem defendido por Joseph Fiennes), tribuno romano que, após a crucificação de Cristo, é encarregado por Pôncio Pilatos de investigar os rumores acerca da ressurreição do alegado Messias. Depois de buscas infrutíferas em todos os lugares e sepulturas, Clavius procura os seguidores de Yeshua, que lhe mostram as razões das suas crenças. Suspeitando de traição, Pilatos envia um contingente de tropas romanas para capturar Clavius e matar todos os discípulos de Yeshua, achando que desse modo evitará um provável levantamento popular em Jerusalém. Clavius, de natureza cética, depois de ver com os seus olhos Yeshua ressuscitado, vê-se numa luta interior ao tentar conciliar o que lhe dizem os sentidos com a sua crença prévia nos limites e possibilidades do entendimento humano.

Não sendo filme para mudar o rumo do cinema popular contemporâneo, é ainda assim uma fita competente mas que peca por nunca questionar a ressurreição de Cristo, substituindo a dúvida metódica de Clavius pelo dogma empírico. Ficamos assim com um ato de fé de Reynolds e não com uma obra maior, como foram as películas de inspiração bíblica de Cecil B. DeMille.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

"A Lenda do Dragão" - como devolver dignidade à tradição hollywoodesca de filme para a família


Em A Lenda do Dragão, David Lowery consegue a justa proeza de devolver dignidade à tradição hollywoodesca (neste caso, sob a égide da Disney) do filme para a família.

Um menino de 10 anos é encontrado na floresta onde vive (na companhia de um dragão!) desde que um acidente de automóvel tirou a vida aos pais. A partir daqui tudo se torna obviamente previsível, mas a realização é segura (sempre ao serviço da história e nunca dos efeitos especiais), as interpretações são convincentes (com claro destaque para Robert Redford) e a banda sonora é uma lição de bom gosto (onde mais encontrar So Long, Marianne, do saudoso Leonard Cohen?).

Assim se recupera o espírito classicista de King Kong, E.T. e O Gigante de Ferro. Só é pena alguns lugares-comuns que Lowery não teve coragem (ou a ousadia) de evitar.

domingo, 13 de agosto de 2017

Filmes tão maus, que são tão bons! (3) - "O Duende" (1993), de Mark Jones


O que se passaria na cabeça de Mark Jones quando, em 1993, arregaçou as mangas para escrever e dirigir Leprechaun, um terrível filme de terror (?), tão mau, mas tão mau, que é um espetáculo de humor (quase sempre) involuntário.

Tudo é funesto em O Duende, desde o argumento (uma péssima coleção de clichés), passando pelas personagens e pela hilariante caracterização dos atores, até aos efeitos especiais, que não seiam desdenhados por Ed Wood.

No meio de uma película tão atabalhoada sobram inúmeras cenas de antologia na história da patetice cinematográfica: as tintas na roupa da equipa de trolhas, o deficiente mental defendido por Mark Hilton, o corte de cabelo de Ken Olandt, os cenários da loja de penhores, a fuga no automóvel guiado pelo duende, as teias de aranha na casa assombrada...

O Duende deu origem a cinco sequelas, por sinal tão boas quanto o primeiro tomo.

sábado, 12 de agosto de 2017

"Blackway" - o mal pelo mal


Blackway é uma delicada pérola herdeira dos melhores clássicos série B. Misto de thriller e road movie, traz a assinatura do sueco Daniel Alfredson, que aqui dirige pela segunda vez o grande Anthony Hopkins (lembram-se de O Rapto de Freddy Heineken?).  

A partir do romance Go With Me, de Castle Freeman Jr., Alfredson arquiteta uma espécie de geografia do mal, filmando as montanhas da Colúmbia Britânica como lugar inóspito e que quase impossibilita qualquer forma de redenção. Ray Liotta faz o que sabe fazer melhor (a encarnação do mal em si mesmo), Julia Stiles é a loira vítima de um mal para o qual procura solução, Alexander Ludwig é a possibilidade do bem, a luz num inverno perpétuo, e Anthony Hopkins o anjo redentor (sobretudo, em demanda da auto-redenção).

Blackway é cinema puro no meio de filmes-espetáculo. E é, talvez, a grande surpresa de mais um triste verão cinematográfico. 

sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Cinema Fora do Sítio (2)


O filme Alien: Covenant, de Ridley Scott, é exibido hoje, às 22 horas, nos Jardins do Palácio de Cristal, no âmbito do Ciclo Cinema Fora do Sítio. 


Ciclo de Cinema "A CIDADE: IMAGEM-TEMPO" (1)


É à volta das cidades que se move o ciclo de cinema que começou ontem, dia 10 de agosto, no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto. Trata-se de um ciclo constituído por quatro filmes, que integra um programa mais vasto, o Porto Art Fest: Orbital, promovido pela Cooperativa Árvore e por aquele Museu, e comissariado por Paulo Mendes.

A abrir A CIDADE: IMAGEM-TEMPO foi exibida a obra-prima de Roberto Rossellini, Alemanha, Ano Zero, filme de 1948 que mostra Berlim nos anos que se seguiram à 2ª Guerra Mundial, com a capital alemã reduzida a escombros e a ser gerida pelos Aliados. Rossellini reflete sobre o relativismo moral que se sucedeu à guerra e se instalou entre alemães de todas as classes sociais, que, naqueles tempos de pós-guerra, passaram a subjugar todos os valores às necessidades de sobrevivência. Quem conduz a narrativa (e o espectador) é uma criança sem tempo - e sem direito - para viver a sua infância, que, após perder a inocência, se confronta com a solidão, o desamparo afetivo, a ausência de sentido, a rejeição, o mal absoluto e - inevitavelmente - com o destino trágico para o qual foi conduzida.

Um filme singular de um artista maior.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

"Angry Birds - O Filme" - cinema de animação na era da internet


Péssimo filme de animação, inspirado em figuras de um jogo do Google. Não se gastará aqui nem mais uma linha a discorrer sobre os deméritos de tão desinspirada fita. 



quarta-feira, 9 de agosto de 2017

"Histórias Curtas" - a ficção, segundo Rubem Fonseca


Contista, romancista, ensaísta e guionista, Rubem Fonseca já há muito que convive com o estatuto de um dos mais originais prosadores brasileiros contemporâneos. De resto, em 2003 ganhou o Prémio Camões, o mais importante da língua portuguesa.

As suas Histórias Curtas (Sextante Editora, 2016) são constituídas por 38 narrativas velozes e sofisticadamente urbanas, cheias de violência, erotismo, irreverência e construídas num estilo elíptico, quase cinematográfico. Lêem-se num ápice, com prazer. 

Contudo, convém fazer um aviso à navegação: nem todos os leitores aguentam este nível de violência (crua é a palavra certa) e aceitam o sentido de humor (negro, há que dizê-lo sem pudor) tão característico e comum à prosa de Rubem Fonseca.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Banda sonora para o verão (43) - Uriah Heep: "Demons and Wizards"


A obra-prima dos Uriah Heep. Álbum constituído por 9 canções que poderiam ter resultado em 9 singles. Impossível e injusto, portanto, destacar alguma faixa, sob pena de desrespeitar o todo. É certo que não há aqui nenhuma July Morning, mas há um disco despudorada e assumidamente rock and roll. É 1972 em 2017.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Banda sonora para o verão (42) - Uriah Heep (2): "The Magician's Birthday"


The Magician's Bithday é um álbum fabuloso, reeditado este ano. Contém clássicos intemporais como Spider Woman (canção destrambelhada, puramente hedonista), Blind Eye (lição de harmonias fundadoras do melhor rock progressivo), Rain (balada exemplar) ou Sweet Lorraine (a reedição contém a versão single desta canção).


domingo, 6 de agosto de 2017

Banda sonora para o verão (41) - Uriah Heep (1): "Look At Yourself"


De entre as quatro maiores bandas britânicas da década de 70 do século passado (Deep Purple, Led Zeppelin, Black Sabbath) os Uriah Heep terão sido aqueles que, fazendo o percurso mais discreto, melhor sobreviveram ao tempo. Não porque tenham construído uma carreira mais duradoura (os Deep Purple ainda estão aí para as curvas), mas porque as suas canções (mormente as dos três álbuns que agora se reeditam) bem podiam ter sido gravadas em 2017, empalidecendo tantos outros grupos que se esforçam por recuperar neste século o rock clássico mais desgarrado e encorpado dos Uriah Heep.

Look At Yourself foi o primeiro tomo de uma trilogia editada num período de 13 meses (entre novembro de 1971 e o Natal de 1972). Aqui encontramos a power ballad July Morning (consta-se que é o hino rock mais popular na Bulgária) e o tema-título, Look At Yourself, intensificados pela portentosa voz de David Byron.

sábado, 5 de agosto de 2017

"Cinzento e Negro" - thriller existencialista em mãos de mestre


Com partitura composta por Mário Laginha, direção de fotografia de André Szankowski, interpretações perfeitas de Filipe Duarte, Miguel Borges, Joana Bárcia e Mónica Calle, argumento e realização do mestre Luís Filipe Rocha, Cinzento e Negro só podia ser a pérola insinuante que é. Um filme que é também uma homenagem aos Açores, território que Rocha já tinha captado em toda a sua luminosidade na obra "Adeus, Pai" (1996). 

Daqui a 20 anos, Cinzento e Negro figurará, com certeza, como um dos grandes filmes portugueses do século XXI.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

"Capitão Fantástico" - desvio rumo à utopia primordial


Finalmente, alguém em Hollywood decidiu não temer a caução filosófica e construir um filme singular sob o signo de Noam Chomsky.

Realizado por Matt Ross, Capitão Fantástico narra a história de uma família norte-americana que vive em comunhão com a natureza, numa espécie de paraíso perdido, longe da civilização capitalista. O patriarca (o sempre natural Viggo Mortensen, que, este ano, esteve nomeado por este papel ao Óscar de Melhor Ator) educa de forma exigente os seis filhos, ensinando-lhes Filosofia, Literatura, História, Matemática, Arte, exercício físico e técnicas de sobrevivência. No entanto, a morte da matriarca vai obrigar pai e filhos a regressar à civilização consumista e a constatar que os anos de isolamento social distanciaram aqueles desta.

Enquanto assistia ao filme, outra película saltou-me à memória: o esquecido A Costa de Mosquito, realizado por Peter Weir em 1986. Todavia, apesar dos méritos evidentes do filme de Matt Ross, a comparação não abona a seu favor. Viggo Mortensen está sempre no tom certo; os filhos são representados por jovens atores de forma superlativa; contudo, a reatualização de Coração das Trevas por Peter Weir (que, por sua vez, adaptava um romance de Paul Theroux) é eletrizante e, ao invés de Capitão Fantástico, nunca resvala para o drama adolescente. Não se depreenda daqui que a fita de Ross cede em algum momento a algum tipo de facilitismo, mas sim que esta possibilidade de encenar A República de Platão no século XXI opta deliberadamente por evitar a tragédia, resignando-se, de algum modo, à inevitabilidade da civilização que pretende criticar.


quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Banda sonora para o verão (40) - "The Comedian": banda sonora de Terence Blanchard


Enquanto The Comedian, película de Taylor Hackford, não tem honras de estreia por cá, temos o privilégio de poder desfrutar de um dos melhores discos do ano que vai já a meio. É jazz do melhor composto por um dos mais respeitados trompetistas das últimas três décadas, Terence Blanchard, que aqui toca na companhia de outros músicos de eleição: Ravi Coltrane, Kenny Barrow, Carl Allen, David Pulphus e Khari Allen Lee.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

"Dunkirk" - obra-prima de Cristopher Nolan

O cinema quer-se cru, puro, instintivo, visceral como, de resto, toda a arte. Christopher Nolan consegue com Dunkirk materializar essa visão depurada do cinema. Alguns críticos dirão que falta psicologia ao filme. Tal poderá ser sustentado pelo facto de Nolan colocar as personagens (soldados, oficiais do exército e da marinha, pilotos da RAF) em situação: a evacuação de 400 mil soldados Aliados encurralados nas praias de Dunquerque pelo exército alemão, na Primavera de 1940. 

O autor de Interstellar limita os diálogos ao mínimo indispensável, assumindo-os como apenas um (dos) alicerce(s) para a construção de um épico sobre sobrevivência, heroicidade, cobardia e altruísmo. E Nolan fá-lo direto ao osso, com uma mise-en-scène prodigiosa, naquele que será, indubitavelmente, um dos melhores filmes de 2017.

Vamos ver se a Academia de Hollywood premiará, finalmente, Chrisptopher Nolan com o Óscar de Melhor Realizador.

terça-feira, 1 de agosto de 2017

Estado da Nação (19) - Portugal tem a terceira maior dívida da Europa

Segundo indicou há dias o Eurostat, a dívida pública em Portugal aumentou no primeiro trimestre do ano, tanto na comparação com igual período do ano passado como em relação ao trimestre anterior, equivalendo agora a mais do dobro do limite fixado de 60% do Produto Interno Bruto. Temos agora a terceira maior dívida pública da União Europeia (130,5%), logo a seguir à Grécia e à Itália.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

"Jogo de Damas" - improvisações sobre a perda


Patrícia Sequeira, realizadora com larga experiência no universo televisivo, assina em Jogo de Damas uma espécie de Os Amigos de Alex no feminino, mas sem a caução identitária (exceção feita ao uso da canção Amanhã é sempre longe demais, gravada em 1989 pelos Rádio Macau) do filme que Lawewnce Kasdan realizaou em 1983.

Cinco mulheres reúnem-se após o funeral de uma amiga em comum. Ao longo de uma noite partilham segredos e refletem sobre o sentido das suas vidas.

Jogo de Damas tem uma premissa sedutora, embora desperdiçada precisamente devido ao exercício de improvisação das atrizes que, paradoxalmente, nunca penetra além da superfície do lugar-comum, ganhando em artifício televisivo o que perde em espontaneidade. É, aliás, esse o calcanhar de Aquiles da conceção de Patrícia Sequeira: o dispositivo televisivo nunca se revela capaz de disfarçar a ambição cinematográfica. Não é Ingmar Bergman ou George Cukor quem quer.

domingo, 30 de julho de 2017

"Um Presente do Passado" - um filme por todas as vítimas de bullying

Um Presente do Passado é uma película escrita, realizada e interpretada por Joel Edgerton, ator australiano que se tem destacado por atuações intensas em dramas épicos da última década (por exemplo, Warrior, de Gavin O'Connor, e Exodus: Deuses e Reis, de Ridley Scott).

Um Presente do Passado parece ter como propósito homenagear todas as vítimas de bullying na infância, encenando uma refinada vingança aos seus opressores. E quem são estes, hoje? Líderes, homens de negócios, respeitáveis chefes de família que, capciosamente, continuam a ascender no mundo do trabalho, instrumentalizando, humilhando e afastando outros do seu caminho. Edgerton parece querer sentenciar que uma vez bully, para sempre bully.

E que fita Edgerton assina! Câmara discreta, mas sempre no lugar certo e com o movimento adequado, o thriller insinua-se no limiar da implosão e jamais se sobrepõe ao drama familiar. É essa sugestão, que nunca se impõe, que dá a Um Presente do Passado um toque de classe (quase) à altura do cinema de Sidney Lumet ou Joseph Ruben. Se Edgerton é também um cineasta a ter em conta, essa é a possibilidade que este objeto deixa em aberto.

sábado, 29 de julho de 2017

Estado da Nação (18) - Alguém falou em "jobs for the boys"?

Para rir:

Ana Pinho entra para uma Secretaria de Estado criada de raiz para si: a da habitação. Arquiteta, foi comissária da Carta Estratégica de Lisboa em 2009, quando António Costa era Presidente da Câmara Municipal de Lisboa.

António Mendonça Mendes é o novo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Este ilustre político é irmão da Secretária-Geral-Adjunta do PS e antigo chefe de gabinete da então Secretária de Estado dos Transportes, Ana Paula Vitorino, hoje Ministra do Mar, mulher do Ministro-Adjunto Eduardo Cabrita.

Alguém falou em jobs for the boys?

sexta-feira, 28 de julho de 2017

Estado da Nação (17) - Alguém falou em remodelação no Governo?

Depois dos recentes casos de Pedrógão e de Tancos, António Costa optou por uma pseudo-remodelação na geringonça, que afetou somente algumas Secretarias de Estado e teve por pretexto o pequeno escândalo das borlas oferecidas pela GALP a elementos do Governo para irem assistir a jogos de futebol em França. É um caso mais futebolístico que político, mais sandoscas e bejecas do que São Bento, mas reflete, em todo o seu provincianismo tosco, o provincianismo torpe da politiquice nacional.

domingo, 23 de julho de 2017

[em julho, pela manhã]

gotículas de orvalho
rompem a luz matinal
em plena alvorada de estio.
declinam, inocentes
no seu propósito de servir
a natureza em seu delicado afazer.
sesmadas, deixam-se amparar
por terra seca carente de assossego
outoniço na sua essência
em busca incessante pela renovação.

no fundo, o verão quer ser outono
sendo ele próprio perecimento do ser.
a folha quer-se brilhante,
em tons dourados
e anseia pela aproximação à terra
cansada do semestre de afastamento
e a sonhar com o regresso ao seu imo
onde a alma se faz carne.

desejo, por isso, a superfície interior
na descoberta do sentido
à frente dos meus olhos.
Ele está junto a mim
na mão que desliza
delicada e ternamente
sobre o meu braço
no livro ao colo da passageira
à minha frente
no desassossego da criança que passa
no rosto trémulo de quem se aproxima da morte
na consciência da finitude
no mar que se espraia em sonho diurno
no renascer ilusório de cada ano que principia
no transcendente que emana de cada quadro de Van Gogh
no piano do Bill Evans
na voz de Bing Crosby
em partituras de Chopin
em canhenhos de Norman Mailer
em fotografias de Sebastião Salgado
nos filmes do John Ford (em todos!)
nos esquissos de Da Vinci
no pregão da peixeira à procura de freguês
no gesto seguro do engraxador
no cachimbo de Bertrand Russell
na criança que foi Rabindranath Tagore
e no colo de sua mãe,
no meu filho.

Regresso à gotícula de orvalho
em manhã cinzenta, em julho ameno,
não pela sua indiferença
mas pela complexa simplicidade da sua necessidade.

domingo, 16 de julho de 2017

"Hora de Vingança" - regresso dececionante de Chuck Russell


Nos anos 90 do século XX, Chuck Russell parecia surgir como um legítimo precursor de uma espécie de nouvelle vague do cinema de ação, na senda de realizadores como os irmãos Ridley e Tony Scott, Joel Schumacher, Quentin Tarantino ou até o grande Walter Hill. Filmes como A Máscara (1994) e Eraser (1996) prometiam isso mesmo.

O recente Hora de Vingança (2016) falsifica tal conjetura. Nesta fita série B, Chuck Russell dirige um John Travolta, muito mal caracterizado, na pele de um homem que planeia uma espiral de vingança contra o gang que assassinou a mulher. A seguir, o filme derrapa para uma trama política de cartilha e a anos-luz dos filmes dos cineastas referidos anteriormente.


quinta-feira, 13 de julho de 2017

Para refletir

It is not what the man of science believes that distinguishes him, but how and why he believes it. His beliefs are tentative, not dogmatic: they are based on evidence, not on authority or intuition.
Bertrand Russell (1872-1970)

terça-feira, 11 de julho de 2017

Banda sonora para o verão (39) - Big Big Train: "Grimspound"


Apenas um ano depois do lançamento de Folklore, a banda mais inglesa dos últimos 20 anos está de regresso com um disco mais complexo e difícil: Grimspound.

Inspirado na vida de um piloto inglês da I Guerra Mundial, o novo álbum reúne um conjunto de canções que exigem audições atentas e sucessivas, mas que, progressivamente, se vão entranhando.

A canção de abertura, Brave Captain, é uma engenhosa tapeçaria de harmonias que figurarão, decerto, na memorabília dos clássicos mais refinados do rock progressivo. No entanto, destaquemos aqui a canção mais curta, pastoral e delicada do disco: Meadowland.

domingo, 9 de julho de 2017

Banda sonora para o verão (38) - "The Big Dream": o 2º tomo da trilogia Lonely Robot


John Mitchell é um artista responsável por muitos projetos musicais (It Bites, Arena e Frost, por exemplo), todos dignos de nota e tendo em comum o lado concetual de álbuns pensados e compostos com razão e emoção em doses equilibradas. The Big Dream é a segunda parte do seu projeto mais pessoal até à data, Lonely Robot.

The Big Dream é, então, o digno sucessor de Please Come Home (álbum que contou com preciosas colaborações de Peter Cox e Nik Kershaw). É um disco riquíssimo em melodias prog-rock, que dão continuidade à história de ficção científica inciada no CD anterior. Desta vez, o astronauta desperta de um sono criogénico para descobrir que, aparentemente, já não está no espaço, mas sim num bosque e rodeado por pessoas com cabeças de animal. E mais não é preciso desvendar. Agora é ver (o singular design gráfico), ler (o livreto) e, sobretudo, ouvir canções memoráveis, como In Floral Green e The Divine Art of Being.


sexta-feira, 7 de julho de 2017

Banda sonora para o verão (37) - "Confessions from the south", de Sandy Kilpatrick and The Origins Band


Confessions from the south é uma obra intensa, quase religiosa, assinada por um músico escocês a viver em Portugal há mais de uma década.

Estamos perante um sentido ato de amor a Portugal (ilhas incluídas), país onde o pássaro da democracia voa num perpétuo abraço fraterno à liberdade. Ora, é esta encantada e encantatória ideia de liberdade que motiva Sandy Kilpatrick a compor canções emocionais (quase litúrgicas!) como Whispering wind, The delphic oracle e Stand united with your brothers.

O verão começa aqui, num CD (e num país) que é um autêntico oásis de felicidade.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

"Terra Violenta" - Western despretensioso de Ti West

Filme inédito nas salas de cinema portuguesas, Terra Violenta resulta num bom entretenimento, que traz à memória os velhos clássicos do western série B (e aqui ou ali com pinceladas de western spaghetti).

Paul (interpretado pelo sempre empenhado Ethan Hawke) é um viajante solitário de passagem por Denton, uma terriola esquecida no Texas e apelidada pelos locais como terra violenta. Ali, acaba por entrar em confronto com Gilly, o filho mimado do xerife (defendido por um quase comovente John Travolta). À medida que a tensão aumenta, um ato de extrema violência conduz à inevitável vingança do protagonista, num desfecho a fazer lembrar O Comboio Apitou Três Vezes, de Fred Zinnemann.

A realização de Ti West é competente, nunca se sobrepondo à história que serve. É certo que Terra Violenta não vai fazer história, mas também não é esse o seu propósito. 

Uma nota final para outro protagonista: o cão de Paul, que introduz na narrativa um delicado toque de comédia, baralhando géneros e conseguindo ainda o feito de, ao mitigar a violência, conferir à película o tom (aparente) de filme de família.


quarta-feira, 5 de julho de 2017

"A Ultrapassagem" - road movie à italiana

Em 1962, Dino Risi assinou aquele que se tornaria um dos símbolos maiores da época de ouro do cinema italiano. Em boa verdade, A Ultrapassagem foi o filme que impôs Risi como um dos realizadores europeus mais bem sucedidos comercialmente.

Trata-se de um road movie sobre um quarentão que, com a sua personalidade exuberante, despreocupada e eufórica, arrasta consigo (e fascina) um tímido estudante de Direito. Todavia, o jovem demora a aperceber-se que o seu compagnon de route é apenas egocêntrico, superficial (hilariante o gag sobre o cinema de Antonioni) e desenraizado.

As interpretações de Jean-Louis Trintignant (perfeito na pele do jovem em contra-relógio para um destino (in)evitavelmente trágico) e, sobretudo, de Vittorio Gassman (em pose hiperativa, uma interpretação que só tem paralelo no Jack Nicholson de Voando Sobre um Ninho de Cucos) são paradigmáticas. Mas o elemento-chave deste clássico é, precisamente, a realização segura e ousada de Dino Risi, que imprime um ritmo frenético e vertiginoso a esta obra-prima made in Itália.


terça-feira, 4 de julho de 2017

"O Velho e o Gato" - uma história de amor felino vivida por Nils Udderberg

Da Primavera sueca chega-nos um livro escrito com uma simplicidade desarmante por um psiquiatra e intelectual prestigiado.

Em O Velho e o Gato, Nils Uddergerg, antigo professor universitário na área da Psiquiatria, conta como, numa fria manhã de Inverno, se tornou dono de uma gata, embora nunca tenha desejado qualquer espécie de animal doméstico. Ao longo da obra, o autor vai narrando a forma como o pequeno felino se introduziu, suave mas firmemente, na sua vida. Nessa leve e permanente intromissão, o autor encontra a oportunidade para especular acerca da vida interior do gato, bem como refletir sobre a natureza da relação entre um animal e um ser humano.

Longe de ser uma obra literária incontornável (nem sequer aspira alcançar tal estatuto), O Velho e o Gato vale, sobretudo, enquanto ato de humildade intelectual ao não pretender ser mais do que aquilo que é: o registo afetivo de uma vinculação inesperada na terceira idade do seu autor.

domingo, 2 de julho de 2017

Para refletir

As pessoas perguntam qual é a diferença entre um líder e um chefe. O líder trabalha a descoberto, o chefe trabalha encapotado. O líder lidera, o chefe guia.
Franklin Roosevelt, 32º Presidente dos EUA
 

segunda-feira, 26 de junho de 2017

"Os Níveis da Vida" - o Amor e a Morte, por Julian Barnes

Em Os Níveis da Vida Julian Barnes toma como metáfora e ponto de partida a história do balonismo para elaborar uma sofrida meditação sobre o sentido do amor após a morte da pessoa amada - neste caso, a sua mulher, Pat Kavanagh, falecida em 2008.

De forma amarga, Barnes assume a impossibilidade da superação do luto e da dor, assumindo corajosamente que, nos anos subsequentes à morte do objeto de afeição, continuou a conversar com a sua mulher, ainda que perante a incompreensão de amigos e conhecidos que, provavelmente, nunca sofreram a dor da perda do verdadeiro amor. Julian Barnes assume ter fantasiado inúmeras vezes com o suicídio, tendo-o até planeado com minúcia, no entanto decide permanecer vivo sob o argumento de que "era a sua memória principal", pelo que não podia pôr termo à vida, "porque assim estaria a matá-la também".

Brilhante exercício literário inserido no contexto da não-ficção, Os Níveis da Vida coloca-nos frente a frente com a morte, ao mesmo tempo que nos dá uma lição moral sobre o Amor.

domingo, 18 de junho de 2017

"A Filha de Ryan" - melodrama épico de David Lean

Cineasta meticuloso, David Lean assinou em 1970 aquele que é para muitos um filme menor no seu admirável currículo. Todavia, já é altura de reavaliar A Filha de Ryan, melodrama com laivos de épico filmado com regra e esquadro e, sobretudo, com uma entrega apaixonada a cada plano geometricamente desenhado. 

Adaptação livre de Madame Bovary, de Gustave Flaubert, A Filha de Ryan é uma reflexão sobre a natureza contraditória dos impulsos populares, que tem a Guerra Civil irlandesa como pano de fundo e uma recôndita aldeia do litoral irlandês como cenário. Rosie (Sarah Miles numa lição de expressividade que só tem paralelo no melhor cinema mudo), a filha de Ryan (proprietário do pub local), anseia perdidamente por amor, acabando por casar com Charles Shaughnessy, o professor da escola local (Robert Mitchum a demonstrar por que era, já na altura, um dos símbolos máximos do cinema clássico), viúvo com o dobro da sua idade e com um carácter tão honesto quanto emocionalmente refreado. A chegada de um oficial inglês vai despertar a paixão de Rosie Ryan e a respetiva condenação dos aldeões, não só pelo adultério mas - e sobretudo - pelo facto de o amante ser inglês. 

A banda sonora de Maurice Jarre acentua o tom simultaneamente épico (a heroicidade do povo na luta contra o opressor inglês) e trágico do filme (o julgamento popular de Rosie); a fotografia de Freddie Young é poesia em imagens; a interpretação de John Mills (o idiota da aldeia) é inolvidável - ele que, sem proferir uma única palavra, conseguiu a justa proeza de conquistar o Óscar de Melhor Ator Secundário; a sequência da tempestade no mar com o povo a resgatar o armamento roubado aos alemães pelos independentistas irlandeses é arrepiante. Filme menor? Ensombra qualquer melodrama filmado na última década.

domingo, 28 de maio de 2017

Banda sonora para a Primavera (22) - SPC ECO: "Under My Skin"


SPC ECO, o mais recente projeto do músico de culto Dean Garcia, editou esta Primavera uma obra-prima atmosférica através do EP Under My Skin. São cinco etéreas canções sob a forma de ambientalismo urbano. Escutemos a faixa-título e deixemo-nos levitar, durante a noite, sobre paisagens industriais. 


domingo, 7 de maio de 2017

"Fragmentado" - novo brinquedo de M. Night Shyamalan


Depois do divertidíssimo statement sobre a estética found footage, M. Night Shyamalan regressa com mais um exercício de estilo sob a égide do thriller. Fragmentado é, em boa verdade, um brinquedo hitchockiano sobre um doente que sofre de transtorno dissociativo de identidade. Estão lá todos os ingredientes que fizeram do realizador de O Sexto Sentido um cineasta de culto: argumento minucioso, diálogos certeiros, personagens que vão revelando um pouco mais de si em cada cena, o jogo de luz e sombras, um discreto sentido de humor e grandes interpretações (neste caso, o destaque vai claramente para James McAvoy, que parece divertir-se num papel que é um tremendo desafio para um ator).

sábado, 14 de janeiro de 2017

"Coração de Cão" - reflexão sobre a morte para os vivos

Em Coração de Cão, Laurie Anderson constrói um complexo filme-ensaio sobre o significado da morte e a sua ligação ao amor.

A partir da morte do seu cão, Lolabelle, a mítica artista nova-iorquina monta um puzzle de imagens acompanhadas por uma banda-sonora algo soturna (da sua autoria) e por narração em off (a cargo da própria realizadora), transcendendo as barreiras da ficção e do documentário. No fundo, estamos perante poesia em imagens ou, como diria Nietzsche, "o filósofo [a falar] pela boca do poeta".

É particularmente arrepiante a breve aparição de Lou Reed enquanto ouvimos Anderson sussurrar: "Reconhece isto!". De resto, o filme é dedicado à memória do músico falecido em 2013 (Coração de Cão termina com uma balada de Reed, com o sugestivo título Turning Time Around).

Que não restem dúvidas: a película de que aqui se fala é uma obra de arte completa, reunindo várias linguagens estéticas (pintura, desenho, fotografia, música, poesia, filosofia, imagens de arquivo, documentário, filmes de 8mm, ficção, história) e, sobretudo, assumindo, de forma corajosa, a morte como o maior (e talvez o único) problema existencial - feito cada vez mais raro no cinema contemporâneo, que se entretém, não poucas vezes, a celebrar a vida enquanto oposto da morte (ou como tentativa de a anular).

Laurie Anderson olha a morte nos olhos, relaciona Wittgenstein, Kierkegaard e O Livro Tibetano dos Mortos para concluir que a morte é a libertação do amor. Se quer saber porquê, veja o filme. É apenas o melhor que as salas de cinema nacionais exibiram em 2016.

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...