gotículas de orvalho
rompem a luz matinal
em plena alvorada de estio.
declinam, inocentes
no seu propósito de servir
a natureza em seu delicado afazer.
sesmadas, deixam-se amparar
por terra seca carente de assossego
outoniço na sua essência
em busca incessante pela renovação.
no fundo, o verão quer ser outono
sendo ele próprio perecimento do ser.
a folha quer-se brilhante,
em tons dourados
e anseia pela aproximação à terra
cansada do semestre de afastamento
e a sonhar com o regresso ao seu imo
onde a alma se faz carne.
desejo, por isso, a superfície interior
na descoberta do sentido
à frente dos meus olhos.
Ele está junto a mim
na mão que desliza
delicada e ternamente
sobre o meu braço
no livro ao colo da passageira
à minha frente
no desassossego da criança que passa
no rosto trémulo de quem se aproxima da morte
na consciência da finitude
no mar que se espraia em sonho diurno
no renascer ilusório de cada ano que principia
no transcendente que emana de cada quadro de Van Gogh
no piano do Bill Evans
na voz de Bing Crosby
em partituras de Chopin
em canhenhos de Norman Mailer
em fotografias de Sebastião Salgado
nos filmes do John Ford (em todos!)
nos esquissos de Da Vinci
no pregão da peixeira à procura de freguês
no gesto seguro do engraxador
no cachimbo de Bertrand Russell
na criança que foi Rabindranath Tagore
e no colo de sua mãe,
no meu filho.
Regresso à gotícula de orvalho
em manhã cinzenta, em julho ameno,
não pela sua indiferença
mas pela complexa simplicidade da sua necessidade.

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