terça-feira, 30 de julho de 2013

"Dentro de Casa" - Mayorga por Ozon

Germain (Fabrice Luchini em estado de graça) é um professor de francês dedicado mas pretensioso. Escritor falhado, tem sempre a cultura no bolso e uma frase feita na boca. Diz ele que se sente preparado e motivado para mais um ano letivo porque passou o verão a ler Schopenhauher. A mulher, Jeanne (Kristin Scott Thomas definitivamente instalada no cinema francês), galerista de arte contemporânea (que o marido detesta), aconchega-lhe a frustração rotineira dos dias passados a corrigir testes de alunos sem interesse. Só que um deles, Claude Garcia (Ernst Umhauer num registo suavemente perverso), começa a surpreendê-lo. As redações deste aluno têm um surpreendente valor literário para um rapaz de 16 anos. O professor vai criando uma relação cada vez mais próxima com Claude, incentiva-o a continuar a escrever e começa a ansiar pelo que regularmente sai da pena do jovem: este aluno brilhante não só descreve com ironia fina os clichés de uma família pequeno-burguesa, a de Rapha, seu colega de turma, como deixa no ar uma perversa e proibida paixão pela mãe deste último, Esther (uma belíssima Emmanuelle Seigner), que está para a narrativa como o sal para a comida. Todavia, o texto, aparentemente ficcionado, está perigosamente ligado à realidade, como se o que se escreve fosse anúncio do que está para acontecer.

O pai e filho, ambos de nome Rapha, são declaradamente broncos; Esther é uma dona de casa naïf; mas é pelos olhos do casal Germain, levados pelo silêncio insolente de Claude, que François Ozon põe em prática a sua crítica de costumes mordaz, fazendo-nos entrar num jogo algo thrillesco: aquilo que se passa é a realidade, ou antes o motor de uma ficção que os voyeurs Germain desejam? Preso entre a estética de Woody Allen e a inspiração flaubertiana (não é de modo fortuito que o liceu onde grande parte da ação do filme se situa se chame, precisamente, Flaubert), confortado pelo seu final redondo (diferente do final da peça que Ozon adapta, "O Rapaz da Última Fila" do dramaturgo espanhol Juan Mayorga) e pela paródia intelectual francesa (são inúmeras as referências literárias que, ironicamente, pontuam a ação), "Dentro de Casa" parece responder a um dos seus diálogos: "A arte, em geral, não nos ensina nada e ainda bem." 

Mas, acima de tudo, a película em análise testemunha uma paixão lúdica pelo fait divers, um savoir faire e uma mecânica de fabricação, assente numa matriz popular, que François Ozon consegue sempre imprimir nas suas obras.

Trailer de "Dentro de Casa" - de François Ozon

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Banda sonora para o verão: Sound of Contact - "Dimensionaut"

Simon Collins, filho do célebre baterista e compositor Phil Collins, parece fazer jus ao ditado popular que postula que "filho de peixe sabe nadar". Com a sua emergente banda de prog rock, Sound of Contact, acaba de lançar o primeiro opus de uma carreira que se prevê fulgurante. O disco chama-se "Dimensionaut" e é de uma energia e criatividade rock à altura dos saudosos Genesis de "Abacab" e "Invisible Touch". O álbum é tremendo, viciante, obrigatório. Melhor só talvez "Genesis Revisisted II" do subvalorizado Steve Hackett, ou "English Electric" dos Big Big Train (já analisado neste blogue). Mas o ano ainda vai só a meio.

Sound of Contact - "Closer to You"

quarta-feira, 3 de julho de 2013

E agora?

A profunda crise em que o país está imerso, exige ação imediata. Na verdade, não é possível esperar mais tempo para dar, interna ou externamente, um sinal de que não se perdeu absolutamente o norte e de que o poder não caiu na rua. É o momento de demonstrar, por ações e não apenas por palavras, que Portugal está primeiro e que o futuro dos portugueses deve ser a prioridade da classe política.

Com o Governo a desmoronar-se, cabe ao Presidente da República a iniciativa urgente de acionar as saídas constitucionais adequadas e assumir o papel de garante da esperança possível. E a todos os partidos cabe o imperativo categórico de colaborar responsável e ativamente.

A maturidade e a capacidade de sacrifício que os portugueses têm demonstrado não merecem outra coisa que não seja a reflexão serena e a decisão concertada da classe política - verdadeiramente devedora do povo, a quem prometeu servir. Os portugueses têm o direito de não esperar menos que isto. Afinal não foi por culpa da sufocada e quase extinta classe média que a crise entrou e o risco gravíssimo de um segundo resgate ameaça a sua vida. A vida de tantas famílias.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Imagens para uma noite de verão: "Tabu" - de Miguel Gomes

Uma idosa temperamental, a sua empregada cabo-verdiana e uma vizinha dedicada a causas sociais partilham o andar num prédio em Lisboa. Quando a primeira morre, as outras duas passam a conhecer um episódio do seu passado: uma história de amor e crime passada em África, nos tempos do colonialismo.

Exposta deste modo, a sinopse de "Tabu" não ilustra a qualidade da obra de amor à sétima arte assinada por Miguel Gomes. À semelhança do disco sob escrutínio no post anterior, "Tabu" exige ser experienciado. Não se pede o mesmo que muitos críticos em relação a boa parte da cinematografia cá do burgo, isto é, a película de Miguel Gomes não implica uma predisposição especial (leia-se: paciência) por parte do público. Antes pelo contrário, "Tabu" é uma fita que se dá espontaneamente ao espetador, independentemente da sua cinefilia ou resistência a uma certa estética visual. 

Dividido em duas partes - manifestando, talvez, um desejo de classicismo -, "Paraíso Perdido" e "Paraíso", respetivamente, "Tabu" é uma fita que parece saída de outro tempo, talvez de um tempo que transcende cânones cinematográficos, apesar da vontade do autor em aproximar-se de forma quase explícita do melodrama. Com a sua terceira longa-metragem, Miguel Gomes desenhou um filme poético, uma obra inclassificável (e isto é um elogio), arriscada, contra a corrente e à altura de objetos incontornáveis como "Tempos Difíceis" de João Botelho, e "O Sangue" de Pedro Costa.

Trailer de "Tabu"

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...