domingo, 31 de agosto de 2014

Estado do Mundo (20) - Ferguson: regresso ao passado

Michael Brown, o jovem negro abatido pela polícia em Ferguson, no Estado do Missouri, foi atingido por seis balas, duas delas na cabeça, segundo uma das três autópsias realizadas.

O jovem de 18 anos, que não estava armado, foi morto por um polícia branco de 28 anos a 9 de agosto. A sua morte provocou inúmeros distúrbios de rua naquela pequena cidade sob recolher obrigatório desde o passado dia 16.

Os protestos em Ferguson, além de chamarem novamente a atenção para a divisão racial dos Estados Unidos da América, mostram que não existem cidades imunes ao fenómeno alimentado por frustrações e desconfiança da polícia em relação às comunidades que se sentem marginalizadas.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

O capitalismo visto pela Igreja do século XXI

A aliança tácita da Igreja com o capitalismo é uma velha história que a ascensão do comunismo ateu no século XX só serviu para reforçar. Era preciso escolher um dos lados e, com a exceção dos padres adeptos da Teologia da Libertação, a Igreja escolheu o seu. A crise financeira de 2008 apanhou a Igreja desprevenida e até desorientada, repetindo naturalmente o essencial da doutrina mas incapaz de qualquer rutura com o sistema.

Entretanto, alguma coisa mudou radicalmente para o Bispo de Leiria-Fátima ter vindo criticar "a ditadura do capitalismo financeiro e especulativo", citando Bento XVI, e a "tirania económico-financeira, especulativa, virtual, desligada da economia real", replicando o Papa Francisco.

Em boa verdade, foi na apresentação anual do migrante e refugiado ao Santuário de Fátima, no passado dia 13, que D. António Marto afirmou que "a falta de ética na finança" pode "levar à catástrofe e à ruína de um país" e "as primeiras vítimas são sempre os mais pequenos e os mais pobres".

Ver este discurso crítico - e tão acutilante - chegar à Igreja portuguesa é um fenómeno que devemos louvar e registar. Esperemos que não seja mero fogo de artifício e que se converta numa verdadeira doutrina da Igreja para o século XXI.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Farewell, Sir Richard Attenborough (1923-2014)

Nascido em Leicester, foi numa viagem a Londres com o pai (que foi Reitor do University College de Leicester), em 1939, que viu pela primeira vez Charlie Chaplin, em A Quimera do Ouro, e ali tomou uma decisão clara: seguir a carreira de ator. "Vi as pessoas a rirem e a chorarem com os seus lenços. Quando voltava no comboio para Leicester disse para mim mesmo: 'Eu também quero fazer aquilo'." Aos 16 anos ganhava já uma bolsa de estudos para a Royal Academy of Dramatic Arts e dois anos depois estreava-se na peça A Ratoeira, de Agatha Christie. Mais tarde, em 1942, Richard Attenborough chegava ao grande ecrã com um pequeno papel em Sangue, Suor e Lágrimas, de David Lean e Noel Coward. Em 1947, a participação em Morte em Brighton, obra maior de John Boulting, popularizou-o, mas foi ao contracenar com Steve McQueen, em A Grande Evasão, épico de ação realizado em 1963 por John Sturges, que se tornou conhecido em Hollywood.
 
No entanto, é o seu trabalho como realizador que figura como entrada em qualquer Enciclopédia ou História do Cinema digna desse título. Attenborough, recordemos, foi o premiadíssimo realizador de Ghandi (1982), A Chorus Line (1985), Grita Liberdade (1987) e Chaplin (1992).

Aqui em baixo, olhando para cima, tiro-lhe o chapéu, Sir Richard Attenborough.


terça-feira, 26 de agosto de 2014

Banda sonora para o verão (32): Modernos - "#1"

Projeto paralelo dos Capitão Fausto, os Modernos acabam de lançar o EP de estreia, convenientemente intitulado #1. Com claras semelhanças à banda de origem, os Modernos apresentam, todavia, um som mais cru e direto ao osso. São quatro canções despidas de grandes ornamentos, que devem mais ao punk do que ao rock progressivo. A ouvir.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Emigração Portuguesa - meio milhão de jovens numa década

O número de jovens em Portugal diminuiu cerca de meio milhão na última década, havendo municípios que perderam quase metade da sua população entre os 15 e os 29 anos. Em algumas regiões, principalmente no Interior e no Sul do país, o número de jovens desceu quase para metade (menos 46%).

Como sabemos, este êxodo tem efeitos económicos devastadores - não há jovens para pagar impostos e segurança social.

domingo, 24 de agosto de 2014

Novo Banco já é Lixo

A agência de notação Moody's atribuiu nota B3 à dívida sénior e B2 aos depósitos do Novo Banco, ambos em níveis de lixo, e com perspetivas de novos cortes de rating.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Banda sonora para o verão (31): Ceuzany - "Nha Vida"

Ceuzany é um dos talentos emergentes de Cabo Verde. O seu álbum de estreia, Nha Vida, é uma excelente banda sonora para aquecer um verão ameno. São 11 revigorantes faixas cantadas em crioulo que redirecionaram alguns ouvidos para a música que se faz em Cabo Verde. "Ultimo Chance", "Na Ondas Di Bô Corpo" ou "Se Amor" são canções quentes que merecem ser ouvidas repetidamente.


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

"O Feiticeiro de Oz" - a estreia do clássico de Victor Fleming foi há 75 anos

Depois do sucesso de Branca de Neve e os Sete Anões (1937) da Disney, a Metro-Goldwyn-Mayer precisava de uma novidade, de um espetáculo para o grande ecrã que virasse as atenções para a sua produtora. Foi neste impulso que Louis B. Mayer depositou todas as esperanças numa fita arriscada: tratava-se da adaptação do conto de L. Frank Baum, O Feiticeiro de Oz. Uma enorme equipa de atores, argumentistas, diretores artísticos e especialistas em maquilhagem ergueu o filme a dois tons que viria a tornar-se um clássico. Todavia, foi Victor Fleming (autor de outra obra-prima: E Tudo o Vento Levou) o principal responsável por trazer a aventura da pequena Dorothy ao universo paralelo com espantalhos, leões medrosos, homens de lata e bruxas poderosas. Memorável!


quarta-feira, 20 de agosto de 2014

"Belém" - o conflito na Faixa de Gaza, por Yval Adler

Belém é uma tragédia israelo-palestiniana filmada de forma discreta por Yval Adler, que investe, sobretudo, nas personagens, nos seus motivos e nos seus dramas pessoais. Não sendo um filme brilhante é, essencialmente, um objeto didático que explica de forma simples a complexidade de um conflito com raízes étnicas e religiosas, mas com razões de carácter fundamentalmente político. Nele assistimos ao confronto da polícia e do exército israelitas com as brigadas Al-Aqsa da palestina e o Hamas, e as consequências desta guerra perpétua nos mais frágeis - as populações civis, verdadeiras vítimas desta tragédia.

Belém é uma daquelas películas que parece ter sido realizada para esclarecer o público mais jovem acerca dos absurdos fundamentos de um conflito que urge cessar definitivamente, pelo que o seu lugar futuro deverá ser nas escolas, em salas de aula. Esperemos que assim seja. O mundo precisa de mais filmes assim, engajados na luta por um mundo melhor. Porque Belém também somos nós.


segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Um livro para o verão - "Luagres Escuros", de Gillian Flynn

A silly season reclama leituras viciantes. Mas entenda-se: bons livros. Obras que pedem leituras rápidas não significam necessariamente literatura light. A escritora norte-americana Gillian Flynn tem revelado mestria na arte de construir thrillers psicanalíticos sem cair em soluções fáceis. "Lugares Escuros" (Bertrand Editora) é mais uma prova disso mesmo. Não estando à altura de "Em Parte Incerta" (considerado um dos melhores livros de 2012), é, ainda assim, um livro com uma intriga densa e personagens complexos, seguindo a premissa de que nem tudo o que parece é. Haja um cineasta à altura de Hitchcock para adaptar este intrigante drama familiar, por vezes, arrepiante.

domingo, 17 de agosto de 2014

Estado da Nação (6) - Razões para não acreditar no Espírito Santo

Nos últimos quinze dias em que a equipa de Ricardo Salgado esteve à frente do BES foram realizadas diversas operações que lesaram o banco em 1,5 mil milhões de euros (o que dá uma média de 100 milhões de euros por dia).

O que torna o caso mais grave é sabermos que tais ações (fraude, favorecimento de credores, falsificação de contas, entre outros esquemas que configuram um quadro de gestão deliberadamente danosa) foram realizadas depois do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, ter dado instruções rigorosas a Ricardo Salgado para que não houvesse mais operações que pudessem lesar o BES.

Bem pode Ricardo Salgado afirmar que "hoje ser banqueiro é complicado"!

sábado, 16 de agosto de 2014

Estado do Mundo (19) - Faixa de Gaza: a guerra perpétua

O atual conflito entre o Hamas e Israel é o mais grave e mortífero desde novembro de 2012. Os números são arrepiantes:

- 180 mil palestinianos perderam as suas casas e estão agora em escolas e instalações geridas pela ONU;
- 75% das vítimas do conflito são civis;
- 1/3 dos mortos e feridos são crianças;
- Desde 8 de julho, a ofensiva em Gaza já reclamou a vida a cerca de duas mil pessoas.

Até quando?

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Partido Separatista - António versus António

António Costa [sobre António José Seguro] - Enquanto estivermos a pensar como a direita, não nos livramos de governar como a direita.

António José Seguro [sobre António Costa] - Não repita mais aquilo que eu tenho andado a dizer, nem aquilo que são as posições do PS e diga qualquer coisa de diferente e de novo.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Lauren Bacall (1924-2014)

Não podiamos aqui deixar passar ao lado a morte da diva que, em 1944, e com apenas 19 anos, no filme Ter e Não Ter, de Howard Hawks, ensinou Humphrey Bogart a assobiar. 

"Sabes assobiar, não sabes, Steve? É só juntar os lábios e soprar."

Para a história do cinema ficam, sobretudo, as quatro obras-primas que rodou ao lado de Boogie: o já citado Ter e Não Ter, À Beira do Abismo (de 1946 e também realizado pelo mestre Hawks), O Prisioneiro do Passado (de 1947 e assinado por Delmer Daves) e Paixões em Fúria (de 1948 e realizado pelo enorme John Huston).



quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Robin Williams (1951-2014) no panteão do Clube dos Poetas Mortos

"Só nos é dada uma faísca de loucura e se perdermos isso... não somos nada." As palavras são de Robin Williams. A asserção surge no contexto de um espetáculo de stand-up comedy em Hollywood, corria o ano de 1978.

Nascido no Illinois, Chicago, cresceu com uma mãe ex-manequim e um pai com um cargo importante na Ford. É difícil imaginá-lo tímido mas assim era em criança, pelo menos até entrar para o grupo de teatro da escola.

Ao longo da carreira, recebeu dois prémios Emmy, quatro Globos de Ouro, dois prémios da Screen Actors Guild Awards, cinco Grammys e, em 1997, ganhou o Óscar para Melhor Ator Secundário ao interpretar um psicólogo que se relaciona com um génio problemático no filme O Bom Rebelde, de Gus Van Sant.

Mais que a técnica ou as ferramentas certas para a representação, possuía um certo tipo de loucura e autenticidade que lhe permitiam dar vida a outra gente como só ele sabia.

Eu estava prestes a despedir-me da adolescência quando vi, na sala de cinema da minha infância, "O Clube dos Poetas Mortos", filme que revelou um Ator maior que a Vida. O Mr. Keating interpretado por Robin Williams marcou-me do mesmo modo que marcou aqueles alunos com quem todos nós, nos verdes anos, nos identificávamos. Mr. Keating ajudou-me a crescer interiormente e influenciou muitas escolhas que tenho feito ao longo da vida. Estou em dívida contigo, old pal!

Para a eternidade ficam, pelo menos, as seguintes lições na arte de representar:

Popeye, de Robert Altman (1980)
Um Russo em Nova Iorque, de Paul Mazursky (1984)
Bom dia, Vietname, de Barry Levinson (1987)
O Clube dos Poetas Mortos, de Peter Weir (1989)
Um Sedutor em Apuros, de Roger Donaldson (1990)
Despertares, de Penny Marshall (1990)
Hook, de Steven Spielberg (1991)
O Rei Pescador, de Terry Gilliam (1991)
Jack, de Francis Ford Coppola (1996)
Casa de Doidas, de Mike Nichols (1996)
As Faces de Harry, de Woody Allen (1997)
O Bom Rebelde, de Gus Van Sant (1997)
Para Além do Horizonte, de Vincent Ward (1998)
O Homem Bicentenário, de Chris Columbus (1999)
Insomnia, de Christopher Nolan (2002)
One Our Photo, de Mark Romanek (2002)






terça-feira, 12 de agosto de 2014

Estado do Mundo (18) - Líbia, o Estado falhado

 O vazio do poder após a deposição de Muammar Kadhafi, em 2011, deixou a Líbia entregue a centenas de grupos e milícias separatistas, capazes de tudo pela posse dos lucrativos recursos energéticos. O país é hoje um Estado falhado onde ninguém se entende, nada funciona e a vida humana vale muito pouco.

domingo, 10 de agosto de 2014

Estado do Mundo (17) - ébola, o vírus do medo

A Libéria fechou as fronteiras, a Serra Leoa e a Guiné-Conacri não conseguem conter a infeção, e em Lagos, na Nigéria, já se registaram dois casos mortais. A gravidade da situação, nos últimos cinco meses, deixa a grande distância todos os surtos anteriores de ébola. Por isso mesmo, a Organização Mundial de Saúde declarou, há dois dias, que o surto do vírus do ébola, na África Ocidental, é uma "emergência de saúde pública de âmbito internacional".

sábado, 9 de agosto de 2014

Cinema Fora do Sítio

O filme The Quiet Ones, de John Pogue, é exibido hoje, às 22 horas, nos jardins do Palácio de Cristal, no âmbito do ciclo Cinema Fora do Sítio. A não perder!


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

A exploração do Homem pelo Homem - hoje

Emigrantes de países como o Nepal, o Sri Lanka e a Índia encontram-se presos no Qatar, após a falência da Lee Trading and Contracting, a empresa responsável pela sua contratação para inúmeras obras públicas no emirato - em particular para o Campeonato do Mundo de Futebol, a realizar em 2022. O caso foi revelado pelo diário britânico The Guardian, que denunciou as condições sub-humanas impostas a estes trabalhadores: não recebem durante meses, trabalham de sol a sol e a maioria não tem sequer direito a um espaço com luz e água potável. O Governo de Doha reconhece que 270 operários morreram em acidentes laborais desde 2012.

Espécie de eterno retorno à filosofia social e política de Marx e Engels, que é hoje mais atual do que nunca.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Prolegómenos para uma educação futura

Talvez seja importante relembrar agora as palavras do educador, escritor, teólogo, professor e filósofo, recentemente falecido, Rubem Alves:

"Há escolas que são gaiolas, há escolas que dão asas. Educar não é ensinar Matemática, Português... Isso pode aprender-se nos livros. Educar é ensinar a ver."

Rubem Alves queria ser recordado como um defensor das crianças e daquilo que elas deveriam aprender na escola. Na sua tese Teologia da Esperança Humana questionava: "Até onde conseguimos ir quando o caminho exige valorizar coisas tão esquecidas como a arte e a capacidade de aprender com olhos de criança?".

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

O Estado da Educação Num Estado Intervencionado

De acordo com o Observatório de Políticas de Educação da Universidade Lusófona, depois de três anos de intervenção da troika, "os professores perderam cerca de 30 mil postos de trabalho. É a 2ª profissão com maior nível de desemprego, facto que se deve ao aumento do número de alunos por turma e a um empobrecimento das disciplinas - mais Matemática e Português, menos formação global".

Segundo o mesmo relatório, "a meritocracia -  e não a Escola para Todos, mas apenas para os que a merecem - revela-se numa escolaridade posta ao serviço do mercado de trabalho, desvalorizando a formação integral de crianças e jovens. (...) De uma escola pública com indicadores de qualidade, quer este Governo criar uma escola para a elite e uma outra para a dos outros. Voltaram os exames de todos os ciclos. Investir em educação hoje, século XXI, deveria ser - e não é! - a promoção e a colaboração de todos e não a reedição de ensinar a muitos como se fosse um só".

Um verdadeiro quadro negro para o ensino no século XXI. Em Portugal.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Banda sonora para o verão (30): James - "La Petite Mort"

A segunda vida dos James (após o interregno entre 2002 e 2007) consegue ser ainda mais interessante que a encarnação anterior. De 2008 até 2014 a banda de Manchester gravou três LPs que, mantendo a linha melódica que constitui a imagem de marca de Tim Booth e companhia, são de um vigor descaradamente pop. É verdade que La Petite Mort está uns furos abaixo de The Morning After, álbum de 2010, pois naquilo que este tinha de ousadia formal e profundidade poética aquele oscila entre canções assumidamente despretensiosas ("Curse Curse" e "Frozen Britain", por exemplo) e o statement filosófico (a belíssima "Walk Like You" e a amarga "Quicken The Dead"). La Petite Mort, todavia, é um disco capaz de fazer corar de vergonha a maior parte das bandas jovens, tal é a força, a garra e a convicção com que os James defendem as suas canções.

Talvez o melhor disco pop deste verão.  




segunda-feira, 4 de agosto de 2014

"Planeta dos Macacos: A Revolta" - pastelão previsível assinado por Matt Reeves

Mais uma sequela que se limita a aproveitar um filão lucrativo. Planeta dos Macacos: A Revolta é uma pálida sombra do filme anterior (assinado por Rupert Wyatt), o qual tinha o interesse de problematizar o poder e os riscos da ciência, enquadrando-se no paradigma da bioética que tantos bons filmes tem patrocinado (o mais recente talvez seja "WWZ: Guerra Mundial", de Marc Forster).

Convém ressalvar que não devemos confundir esta nova série cinematográfica com os filmes iniciados em 1968 por Franklin J. Schaffner em "O Homem Que Veio do Futuro", obra icónica do cinema de ficção científica protagonizada pelo mítico Charlton Heston. Curiosamente, a película de Schaffner chegou a ser vítima de um remake pelas mãos de um desajustado Tim Burton que, estranhamente, não esteve à altura da empresa. O que só demonstra que o filme de Schaffner é ele próprio um paradigma, bem diverso do cinema-pipoca.


domingo, 3 de agosto de 2014

"O Teorema Zero" - o sentido da existência, segundo Terry Gilliam

É sempre um prazer assistir a cinema de autor. De resto, este é um privilégio cada vez mais raro, qual despojo remanescente do século XX. Mesmo que se trate de uma obra menor de um cineasta que já nada tem a provar, a não ser perpetuar a luta pela coerência artística numa arte que, de tão cara, é movida pelo retorno que seja capaz de gerar na conta bancária dos produtores. Lembro que Terry Gilliam é tão-só o Monty Python americano, autor de filmes singulares e incontornáveis sobre a linha invisível que separa a sanidade da loucura (Brazil, A Fantástica Aventura do Barão, O Rei Pescador, Doze Macacos, Delírio em Las Vegas).

É curioso constatar que Terry Gilliam deixou inacabado The Man Who Killed Don Quixote, projeto que adaptava a obra-prima de Cervantes, já que o seu filme mais recente, O Teorema Zero,  tem como protagonista um D. Quixote do futuro (ou será do presente?), um hacker que aspira a decifrar o código da criação e espera estoicamente desde a infância uma chamada de Deus com a resposta à questão filosófica mais urgente: "qual o sentido da vida?". Enquanto aguarda, este eremita, que nem de propósito reside numa igreja abandonada (sinal de que a tecnologia substituiu Deus ou de que, na sua omnipresença e omnisciência, é ela própria Deus?), descobre o desejo carnal (e, portanto, o amor) numa dulcineia transfigurada em call girl cibernética (no futuro tornado presente até os afetos são virtuais).

Falso filme de ficção científica, aparente comédia negra, O Teorema Zero é uma obra difícil, estetica e narrativamente ousada, acerca da demanda pelo sentido da existência e o destino do universo. No fim, tudo se resume a um buraco negro que tudo aspira. Um regresso ao nada primordial. Em alternativa, nada como desfrutar de um sereno ocaso à beira-mar.


Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...