É sempre um prazer assistir a cinema de autor. De resto, este é um privilégio cada vez mais raro, qual despojo remanescente do século XX. Mesmo que se trate de uma obra menor de um cineasta que já nada tem a provar, a não ser perpetuar a luta pela coerência artística numa arte que, de tão cara, é movida pelo retorno que seja capaz de gerar na conta bancária dos produtores. Lembro que Terry Gilliam é tão-só o Monty Python americano, autor de filmes singulares e incontornáveis sobre a linha invisível que separa a sanidade da loucura (Brazil, A Fantástica Aventura do Barão, O Rei Pescador, Doze Macacos, Delírio em Las Vegas).
É curioso constatar que Terry Gilliam deixou inacabado The Man Who Killed Don Quixote, projeto que adaptava a obra-prima de Cervantes, já que o seu filme mais recente, O Teorema Zero, tem como protagonista um D. Quixote do futuro (ou será do presente?), um hacker que aspira a decifrar o código da criação e espera estoicamente desde a infância uma chamada de Deus com a resposta à questão filosófica mais urgente: "qual o sentido da vida?". Enquanto aguarda, este eremita, que nem de propósito reside numa igreja abandonada (sinal de que a tecnologia substituiu Deus ou de que, na sua omnipresença e omnisciência, é ela própria Deus?), descobre o desejo carnal (e, portanto, o amor) numa dulcineia transfigurada em call girl cibernética (no futuro tornado presente até os afetos são virtuais).
Falso filme de ficção científica, aparente comédia negra, O Teorema Zero é uma obra difícil, estetica e narrativamente ousada, acerca da demanda pelo sentido da existência e o destino do universo. No fim, tudo se resume a um buraco negro que tudo aspira. Um regresso ao nada primordial. Em alternativa, nada como desfrutar de um sereno ocaso à beira-mar.
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