segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Agosto


Do mês que agora cessa fica a recordação de mais uma (calma) silly season. Com Setembro anuncia-se o fim do Verão e a promessa de um novo Outono. Fica a memória do calor, do brilho intenso do sol, da luz de amanheceres convidativos, do prazer de viver, de boas leituras, jogos na praia e mergulhos no mar.

Agora, retemperados, há que seguir em frente. Venha Setembro!

sábado, 29 de agosto de 2009

Três Livros (1): "Os Bosques de Whitethorn" - regresso ao folhetim


Maeve Binchy é uma escritora irlandesa multipremiada por várias obras mas, sobretudo, muito estimada por milhares de leitores espalhados um pouco por todo o mundo. Lendo qualquer um dos seus livros ficamos a perceber a razão de tantos prémios e carinho por parte do seus fiéis leitores: escreve sempre com sentido de humanidade, humor e compaixão pelos seus personagens, quer se tratem de boas ou más pessoas. Aliás, este é um aspecto sui generis da sua obra: nunca ninguém é completamente mau; há é pessoas que cometeram actos por vezes hediondos, mas pensando que estavam a praticar uma acção plenamente justificada. São personagens que rapidamente se arrependem do mal que causaram ou que querem praticar o bem por meios moralmente duvidosos.

Não é fácil criar personagens assim. É necessário ter um conhecimento profundo da humanidade para conseguir fazê-lo de um modo convincente. Dito de outro modo: é mais fácil dividir os personagens em bons e maus em absoluto.

Serve esta longa introdução para me referir ao romance "Os Bosques de Whitethorn", livro em que Maeve Binchy revela todas as suas capacidades como narradora de excelência, uma construtora de histórias que se cruzam num mosaico literário pleno de sensibilidade e substância, capaz de nos fazer sorrir ao longo de um capítulo, para nos comover no seguinte. Trata-se de várias histórias de pessoas que vivem em Rossmore, pequena cidade no interior da Irlanda, ou simplesmente visitaram o poço de Santa Ana na expectativa de um milgare, uma vez que esse é um local tido como sagrado pela população local. Entretanto, o projecto de construção de uma nova estrada coloca os habitantes de Rossmore em alvoroço, já que, a ser concretizada, a obra destruirá os Bosques de Whitethorn - precisamente o local onde se situa o poço sagrado.

Construída em forma de folhetim, trata-se de uma obra leve, simples na sua estrutura, onde sagrado e profano se cruzam com mestria.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Banda sonora para o Verão (8)


"A Mãe", novo disco de Rodrigo Leão & Cinema Ensemble é, na minha opinião, o melhor disco deste Verão. Uma verdadeira obra-prima de um autor singular que, se o cinema e o teatro souberem aproveitar, tem construído autênticas bandas sonoras povoadas de cinefilia e abstraccionismo. "A Mãe" reúne um conjunto de canções e instrumentais belíssimos compostos com uma sensibilidade intemporal. "Vida Tão Estranha", "This Light Holds So Many Colours", "Cathy" e "Sleepless Heart" são quatro dos temas que, há medida que se vão ouvindo uma e outra vez, dão asas à imaginação do ouvinte e elevam a alma. São trabalhos como este que nos permitem perceber quão perfeita foi a obra de Deus ao criar o Homem: dotar-nos de sentidos capazes de apreciar a Beleza e fazer Arte.

"Cathy" - Rodrigo Leão & Cinema Ensemble (voz de Neil Hannon)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Ben do outro lado do espelho

Alexandre Aja revela em "Espelhos" todo o seu talento como realizador de filmes de terror, categoria para onde este filme foi atirado, quando, em minha opinião, thriller será o género que melhor se aplica à película.
A história, aparentemente simples, revela-se bem complexa, remetendo para um jogo de ideias capaz de agradar, intrigar e assustar o espectador do princípio ao fim do filme.
Ben Carson atravessa um período difícil na sua vida pessoal e profissional, pelo que, tentando reencontrar um rumo, aceita um trabalho como segurança nocturno nas ruínas de um centro comercial que foi destruído por um incêndio. Acaba por descobrir que, por detrás dos muitos espelhos do edifício em ruínas, se esconde uma maldição que assombra aquele espaço e poderá ameaçar a sua vida e a da sua família.
Filme de reflexos, onde a própria imagem reflectida no espelho passa a controlar as acções da pessoa que se mira, "Espelhos" pega num tema clássico da literatura (há por aqui algo que faz lembrar "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, e "Alice do Outro Lado do Espelho", de Lewis Carroll) e dá-lhe uma nova roupagem. Excelente!
Trailer de "Espelhos", de Alexandre Aja

sábado, 22 de agosto de 2009

"Inimigos Públicos" - Michael Mann, o coreógrafo e a sua câmara de filmar


Michael Mann é um dos últimos estetas do cinema contemporâneo. O modo como filma - recorrendo, desde "Colateral", a câmaras digitais -, colocando a câmara no centro da acção e movendo-a por entre os personagens, dão ao seu cinema uma dimensão abstracta que, curiosamente, se confunde com a história que narra e não se sobrepõe a ela. É por esta razão que afirmo que Mann é um esteta, uma vez que, ao contrário de muitos outros cineastas, os movimentos de câmara não estão lá para mostrar à força que existe um realizador a dirigir o filme. Neste sentido, o autor de "Inimigos Públicos" ficará na história do cinema ao lado de outros mestres da mise-en-scène: Alfred Hitchcock, Orson Welles (compare-se algumas sequências de "Inimigos Públicos" à sequência inicial do clássico de Welles "A Sede do Mal"), Arthur Penn, Brian de Palma, Martin Scorsese, Tony Scott e Bazz Luhrmann.

"Inimigos Públicos" conta a história real da perseguição movida por J. Edgar Hoover (criador do FBI) a John Dillinger (líder de um dos maiores gangs armados que, durante os anos da Grande Depressão, assaltou inúmeros bancos, mas acabou por ser visto pela população norte-americana como uma espécie de "Robin dos Bosques"). Michael Mann centra a narrativa nos factos históricos, como se encenasse um falso documentário, coreografando com precisão os movimentos dos actores como se aquilo fosse realmente o que sucedeu, minuto-a-minuto. Esta opção por um registo formal próximo do documentário dá à película a mesma dimensão abstraccionista de "Miami Vice", o seu filme anterior. Fica, no entanto, a sensação de que "Inimigos Públicos" exigia mais alma (leia-se: força dramática) de modo a acentuar a dimensão, simultaneamente, pop (tal como "Bonnie and Clyde", de Arthur Penn) e trágica (tal como "O Aviador", de Scorsese) de John Dillinger, e assim criar maior empatia com o espectador.

No fim, fica a certeza que se assistiu a uma obra construída com um rigor formal raro (planos precisos, iluminação nocturna realista que acentua as sombras e a escuridão, actores num registo de underacting clássico, boa banda sonora) e atípico na silly season (mais dada a blockbusters plenos de pirotecnia e efeitos especiais). Todavia, não mata as saudades que tínhamos do filme de gangsters, sobretudo de "Os Intocáveis", obra-prima de Brian de Palma realizada em 1987.

Trailer de "Inimigos Públicos", de Michael Mann


sexta-feira, 21 de agosto de 2009

"O Mensageiro dos Espíritos" - melodrama revestido de filme de terror

Já aqui coloquei alguns textos sobre filmes de terror que este ano estrearam nas salas de cinema. Neles, aproveitei para expor algumas breves reflexões acerca da importância desse género cinematográfico no contexto actual de produção dos estúdios de Holywood. Que há mercado para tais fitas já nós percebemos, mas concluímos também que há cada vez mais cineastas a revelarem o seu talento, visão, originalidade e, sobretudo, capacidade de transfiguração do cinema de terror.
Um dos exemplos mais recentes dessa reinvenção é "O Mensageiro dos Espíritos", película inspirada numa história verídica sobre uma família que, de modo a estar mais próxima do hospital onde o filho mais velho recebe tratamentos para o cancro que o afecta, aluga uma antiga casa nos arredores de Connecticut, que - vem a descobrir - está assombrada.
A realização de Peter Cornwell consegue recuperar a atmosfera de clássicos como "O Exorcista", de William Friedkin, e "Poltergeist - O Fenómeno", de Tobe Hooper, apesar de sobrepor o melodrama ao terror. Esta é, aliás, uma das mais-valias de "O Mensageiro dos Espíritos": o melodrama em torno de uma família a braços com a doença grave de um dos filhos, suportado por interpretações brilhantes (sobretudo, Virginia Madsen e Kyle Gallner) e uma direcção de fotografia rigorosa, que em muito contribui para a atmosfera de medo que o filme pretende criar.
Trailer de "O Mensageiro dos Espíritos", de Peter Cornwell

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Raul Solnado (1929-2009)


Depois do que, na semana anterior, muito justamente se escreveu sobre Raul Solnado, cabe-me prestar-lhe aqui (mais) uma sentida homenagem.

O actor português que tanto fez rir o público com a variedade de caretas e expressões que - qual mimo - brilhantemente fazia, gostava de recordar que tinha vindo ao mundo em ano de recessão económica (nasceu a 19 de Outubro de 1929) e que, talvez por isso, estava longe de ser avarento. Trabalhava, sobretudo, por amor ao ofício de actor. A rábula de "A Guerra de 1908" (adaptação do texto do actor espanhol Miguel Gila) mostrou a genialidade de Solnado ao conseguir escapar ao lápis azul e, em plena Guerra Colonial, criticar de forma indirecta o contexto político da época.

No entanto, para mim, que sou de uma geração que teve a sua infância nos anos 70 e viveu a adolescência na década seguinte, Raul Solnado ficará para sempre associado, na televisão, ao programa "A Visita da Cornélia" e, no cinema, à magistral interpretação em "A Balada da Praia dos Cães", obra-prima realizada por José Fonseca e Costa em 1986. Estranhamente, não se encontra qualquer excerto ou trailer deste filme na internet. Esperemos que se faça justiça relançando o filme em DVD.

"A Guerra de 1908", por Raul Solnado
A Guerra de 1908 - Raul Solnado
5:10

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

"O Visitante" - o humanismo, segundo Thomas McCarthy


Eis uma pérola cinematográfica: um filme urbano pleno de humanismo.

Com enquadramentos simples e poucos mas bons actores, Thomas McCarthy conta-nos a história de um professor universitário de meia-idade que, após ficar viúvo, tenta recuperar a chama da vida aprendendo a tocar piano. É que este instrumento simboliza, no filme, o esforço por tornar presente a sua falecida esposa, já que ela era pianista profissional. No entanto, a existência do protagonista só ganha novo sentido ao deslocar-se a Nova Iorque para uma conferência. Na Big Apple ele regressa ao apartamento onde já não ia há alguns anos (provavelmente, desde a morte da mulher) e, inesperadamente, encontra-o habitado por um casal de imigrantes clandestinos (um sírio e uma senegalesa). É a relação de profundo amor e amizade que vai sendo construída entre os três personagens (que incluirá, mais tarde, a mãe do imigrante) que, progressivamente, irá transformar a vida do protagonista do filme.

Thomas McCarthy, realizador e argumentista, consegue um olhar delicado e inteligente sobre os quatro personagens, ao mesmo tempo que nos dá um retrato das relações interculturais na América do pós-11 de Setembro. Além disso, oferece a Richard Jenkins o papel da sua vida - justamente, aliás, nomeado este ano para o Oscar de melhor actor. O plano final com o professor viúvo, sozinho, a tocar jambé em plena estação do metro em Nova Iorque é particularmente comovente.

Trata-se de uma película equilibradíssima, sem um único plano ou diálogo a mais, que se recomenda pela excelência da realização, pelos actores em estado de graça e pela mensagem profundamente humanista: todo o ser humano tem direito a lutar pela sua dignidade e, acima de tudo, a viver em paz.

Trailer de "O Visitante", de Thomas McCarthy



sábado, 15 de agosto de 2009

"Le Voyage Du Ballon Rouge" - poesia visual


Hou Hsiao Hsien é um enorme cineasta. Isso já o sabíamos. Em "Le Voyage Du Ballon Rouge" confirmamos a sua faceta de autor delicado, dotado de uma sensibilidade única para contar uma história por imagens.

Em Paris, uma criança de sete anos tem por companhia um balão vermelho imaginário que sobrevoa os céus da cidade e, mais tarde, do mundo.

Através uma narrativa simples, em que aparentemente nada se passa, mas onde, ao mesmo tempo, se passa tudo, Hou Hsiao Hsien homenageia "O Balão Vermelho", filme de Albert Lamorisse que o cineasta de Taiwan sempre admirou. Diálogo entre o ocidente e o oriente, com uma direcção de fotografia de deixar o espectador boquiaberto e uma belíssima banda sonora, "Le Voyage Du Ballon Rouge" é cinema no seu estado puro. Verdadeira poesia visual!

Trailer de "Le Voyage Du Ballon Rouge", de Hou Hsiao Hsien

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

"Modelos Nada Correctos" - uma comédia leve


Eis uma comédia leve que, infelizmente, não teve lugar nas salas de cinema do nosso país, tendo ido directamente para o mercado de DVD. Esta situação é estranha, sobretudo quando se trata de um filme com óbvias potencialidades comerciais. Senão vejamos:

i) tem um elenco que já deu provas do seu talento neste género cinematográfico, bem como já mostrou capacidade para captar audiências (destacam-se Sean William Scott e Paul Rudd);

ii) um argumento despretensioso e divertido;

iii) uma realização competente a cargo de David Wain.

Depois de atirarem a carrinha da empresa para cima da estátua de uma escola, dois vendedores de bebidas energéticas são condenados pelo tribunal a cumprir 150 horas de serviço comunitário num programa de mentores para jovens problemáticos. O que se segue é uma série de situações cómicas na relação que os dois protagonistas vão estabelecer com as crianças que passam a estar sob os seus cuidados, sempre em direcção a um previsível happy end.

"Modelos Nada Correctos" é uma película que se vê com um sorriso persistente no rosto, apesar de suspeitarmos que não perdurará muito tempo na nossa memória.

Trailer de "Modelos Nada Correctos", de David Wain
Modelos nada corretos - Trailer Oficial (legendado)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

"A Dupla Face da Lei" - o reencontro de De Niro e Pacino


Parceiros na polícia nova-iorquina há 30 anos, dois detectives à beira da reforma investigam a identidade de um serial killer que se entretém a matar a escumalha da cidade.

Nestas breves linhas descreve-se a sinopse do mais recente filme de Jon Avnet, "A Dupla Face da Lei". É uma película que apetece amar e tornar objecto de culto por várias razões:

i) pelo prazer de reencontrar dois dos maiores actores do cinema contemporâneo (o outro é Mickey Rourke), que já não contracenavam juntos desde "Heat", de Michael Mann. Em "A Dupla Face da Lei" têm desempenhos plenos de força e intensidade dramática (de fazer corar os jovens actores);

ii) é um thriller psicológico com uma montagem feérica e vertiginosa;

iii) é uma lição de economia narrativa;

iv) foi arrasado pela crítica;

v) tem um spin up final como há muito não víamos no cinema.

Quanto a mim, foi um prazer assistir e desfrutar desta obra, que parece colocar Dirty Harry prestes a reformar-se e cansado de ver tanta corja das ruas a saír dos tribunais em liberdade por falta de provas que os incriminem.

Um clássico obrigatório.

Trailer de "A Dupla Face da Lei", de Jon Avnet


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Estado do Mundo (3) - com comentários


Segundo a newsmagazine alemã Stern, dentro de seis meses o Irão pode vir a testar a sua primeira bomba nuclear.

É uma péssima notícia para todos aqueles que procuram lembrar diariamente ao mundo a importância do respeito pela Declaração Universal dos Direitos do Homem. É que, sem uma política que tenha por princípio e horizonte de acção a paz, a evolução histórica perde sentido e a democracia torna-se obsoleta.

É caso para perguntar: qual o sentido do progresso da humanidade? Não será urgente reflectirmos acerca da necessidade de uma teleologia política? E que tal relermos Kant?

Hmm!... Que deliciosa excepção!


Já tinhamos saudades de ver Carla Bruni a cantar, de viola na mão, em cima de um palco.

Aconteceu em Nova Iorque, na celebração do 91º aniversário do grande Nelson Mandela.

Depois de ter dito que nunca mais iria actuar em palco, a primeira-dama francesa cantou e tocou acompanhada por Dave Stewart (músico que formou com Annie Lennox os míticos Eurythmics). De fato preto, Bruni cantou uma versão arrepiante de "Blowing In The Wind", de Bob Dylan.

Esperemos que mais excepções como esta aconteçam. Quanto mais não seja, no 92º aniversário de Mandela.

Carla Bruni e Dave Stewart no 91º aniversário de Nelson Mandela


domingo, 9 de agosto de 2009

"Incendiário" - efeitos do terrorismo


Sharon Maguire, responsável pelo insípido "O Diário de Bridget Jones", regressou à realização assinando "Incendiário", um interessante filme acerca dos efeitos do terrorismo na vida das famílias que perderam e, infelizmente, perdem entes queridos em atentados terroristas.

Ainda com a memória dos últimos ataques da Al-Qaeda em Londres, "Incendiário" adapta o romance, com o mesmo nome, do escritor britânico Chris Cleave, que se viu envolvido em polémica ao abordar o modo como as forças especiais de combate ao terrorismo, por vezes, ocultam indícios mais que prováveis de atentados à bomba, arriscando a vida de centenas de civis inocentes, sob o pretexto de dar seguimento às investigações de agentes infiltrados em células terroristas. Curiosamente, o livro foi lançado em Inglaterra a 7 de Junho de 2005, data em que deflagraram os atentados mencionados no início deste parágrafo.

A história é simples: uma jovem mãe (interessante interpretação de Michelle Williams) depede-se do filho e do marido, que vão assistir a uma partida de futebol no estádio do Arsenal. Frustrada com a falta de carinho que recebe do marido, encontra-se com um jornalista (Ewan McGregor num registo em surdina) com quem iniciou há poucos dias uma relação amorosa. Mas um atentado terrorista durante o jogo de futebol faz centenas de vítimas mortais, entre elas o marido e o filho.

O que vem a seguir é uma reflexão em torno da dor e do sentimento de culpa. A mulher sofre - e quase enlouquece -, sobretudo, devido à perda do filho de cinco anos, procurando redimir-se aproximando-se do filho adolescente do bombista responsável pelo atentado. No entanto, a questão fundamental a que o filme tenta responder é a seguinte: no combate ao terrorismo, os fins justificam os meios? "Não!", responde a cineasta. "Nunca!", diremos nós à saída da sala de cinema.

Trailer de "Incendiário", de Sharon Maguire


sábado, 8 de agosto de 2009

Alberto Caeiro por Nuno Meireles


Esta noite fui assistir à leitura integral e encenada dos quarenta e nove poemas de "O Guardador de Rebanhos", de Alberto Caeiro, pelo actor, encenador e professor Nuno Meireles.

Aconteceu no coração do Porto, numa magnífica noite de Verão, numa sala lindíssima do Palacete dos Viscondes de Balsemão. Foram cerca de noventa minutos de leitura dramatizada em que os versos sublimes de Caeiro se tornaram poesia de Nuno Meireles, tal a contenção de gestos e expressões (apenas os estritamente necessários) a que o actor recorreu para encarnar o heterónimo de Fernando Pessoa, acabando por confundir-se com ele. Dito de outro modo: à medida que a leitura avançava, nós, público, acabámos por deixar de ver Meireles e passar a ver só Caeiro em toda a complexa simplicidade da sua obra poética. No meu caso, vi a Natureza e aprendi que afinal Ela não existe; apercebi-me que toda a Metafísica é vã e que, como escreveu Nietzsche em "A Gaia Ciência", o filósofo fala pela boca do poeta (neste caso, pela voz serena de Caeiro/Meireles).

Pudéssemos nós ter mais e tão boas oportunidades - como esta - de ver e ouvir os grandes poetas e, assim, passarmos a viver e compreender a poesia como um corpo de palavras pleno de alma.

[Para mais informações sobre este e outros trabalhos de Nuno Meireles façam o favor de consultar: http://poesiaemvozalta.blogspot.com]

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Todd Phillips


Começo por justificar a razão da escolha do título desta crónica a propósito do filme "A Ressaca": numa época em que, entre o público das salas de cinema, escasseiam os verdadeiros cinéfilos (entenda-se, aqueles que se preocupam em contextualizar os filmes que escolhem ver) é fundamental divulgar alguns nomes para memória futura. Não quer isto dizer que considero, pelo menos por enquanto, Todd Philips um autor, mas apenas salvaguardar que, no contexto da comédia (género cinematográfico quase sempre mesnosprezado por parte considerável da crítica), ele é um nome a reter dada a qualidade que superioriza as suas obras em relação à maioria das comédias em cartaz.

A história de "A Ressaca" é simples: quatro amigos partem juntos rumo a Las Vegas com o objectivo de festejar a despedida de solteiro de um deles. Após um brinde no terraço do hotel onde se instalam, a acção passa imediatamente para o dia seguinte, quando acordam na magnífica suite, agora quase destruída, e encontram um tigre na casa de banho, uma galinha à solta, um bebé e um dente a menos na boca de um deles. Só não encontram o noivo...

A partir do ponto onde terminei a sinopse, assistimos ao desenrolar de uma comédia de excessos politicamente incorrectos. "A Ressaca" tem a particularidade de ser um filme de festa de solteiros sem a festa, sem o noivo, mas, sobretudo, sem a memória do que sucedeu, uma vez que os personagens despertam sem lembranças da noite anterior. Aliás, o que singulariza o filme e o torna hilariante é precisamente o facto de, logo nos primeiros minutos, Todd Philips avançar a narrativa directamente para os despojos de uma farra à qual nunca assistimos (só nos créditos finais são exibidas fotografias da festança).

Sob o mote "what the hell happened in Vegas?" (tema de tantos outros filmes, romances e canções pop-rock), Todd Phillips criou uma comédia física, plena de humor escatológico e despudorado ao nível de "O Amor é Uma Grande Aventura", de Blake Edwards, e "Doidos Por Mary", dos irmãos Farrelly.

Trailer do filme "A Ressaca", de Todd Phillips


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Banda sonora para o Verão (7)


Stevie Wonder é responsável pela tetralogia mais importante da história da soul music. Como o nome deste género musical indica, Stevie Wonder é um verdadeiro artista espiritual, que canta o Amor, o Bem e o Mal a partir das profundezas da alma.

Na década de 70, o músico estava verdadeiramente inspirado, como se de uma iluminação divina se tratasse. "Talking Book" (1972), "Music Of My Mind" (1972), "Innervisions" (1973) e "Songs In The Key Of Life" (1976) são o resultado dessa força criativa única e singular, que iria culminar no seu último disco de referência incontornável: "Hotter Than July"(1980). São quatro obras-primas obrigatórias (cinco, se incluirmos o álbum de 1980) na CDteca de qualquer melómano e marcou a década mais inspirada da carreira de Stevie Wonder.

É difícil destacar qualquer um desses trabalhos, no entanto, para compreender o que se entende por espiritualidade da música soul, destaco o primeiro disco que descobri deste autor: "Innervisions". Ouçam o sublime tema que encerra o álbum: "He's Misstra Know-It-All". É uma canção para elevar a alma.

"He's Misstra Know-It-All", do álbum "Innervisions" (1973) de Stevie Wonder
Stevie Wonder
4:08

terça-feira, 4 de agosto de 2009

"L'Heure d'eté" - a Família e a inexorabilidade do Tempo


Desde "Irma Vep", filme de 1996, Olivier Assayas passou a ocupar um lugar cimeiro entre os cineastas franceses da sua geração. A sua mais recente obra, "L'Heure d'eté", esteve para ser uma curta-metragem encomendada pelo Museu d'Orsay por alturas do seu 20º aniversário, mas Assayas encontrou na ideia original matéria-prima para criar uma longa-metragem.

Drama familiar, intimista e nostálgico, a película conta a história de três irmãos que, por tradição, se (re)encontram todos os anos, no Verão, em casa da mãe. No dia do 75º aniversário de Helène, a matriarca, esta decide elaborar o seu testamento, prenunciando, talvez, a proximidade da sua morte. Refira-se que esta mulher dedicou grande parte da sua vida à preservação da obra e património do tio, um famoso pintor já falecido. A morte súbita de Helène, algum tempo mais tarde, obrigará os três filhos a confrontarem-se com a divisão dos bens e memórias do passado.

Olivier Assayas posiciona a câmara nos pormenores (conversas familiares, objectos, lugares) num registo estético próximo do ensaio fílmico, conferindo um cunho realista ao drama familiar. Interessa ao cineasta suscitar no espectador uma reflexão em torno da passagem do tempo e das feridas que, entretanto, ele abre, mas também pensar acerca do valor relativo da arte (estético, afectivo, moral e material) e da família como núcleo central de emoções e afectos positivos.

"L'Heure d'eté", não sendo um filme obrigatório, é um objecto cinematográfico único e merece um visionamento.

Trailer de "L'Heure d'eté", de Olivier Assayas


segunda-feira, 3 de agosto de 2009

"Crepúsculo" - a irreversibilidade do amor


Catherine Hardwicke já nos tinha dado provas dos seus méritos como realizadora na delicada releitura da natividade em "O Nascimento de Cristo", mas com "Crepúsculo" afirma-se definitivamente como uma cineasta a ter em conta. O brilhantismo formal deste último filme é verdadeiramente notável e supera a grande maioria das películas produzidas pelas majors de Hollywood.

Adaptação da primeira parte de uma notável tetralogia literária ("Luz e Escuridão") da escritora norte-americana Stephenie Meyer, o filme, tal como o livro, só aparentemente se dirige exclusivamente ao público teenager. Desenganem-se os mais cépticos: "Crepúsculo" é uma obra maior que, revestida pelo género fantástico, reinventa o melodrama clássico - género cinematográfico responsável por algumas das maiores obras-primas do cinema de Hollywood entre as décadas de 30 e 60. É até possível encontrar muitos paralelismos formais entre "Crepúsculo" e "Esplendor na Relva", de Elia Kazan (atente-se ao modo como os dois cineastas filmam a relação dos pares românticos em ambos os filmes).

Bella Swan é uma jovem de 17 anos que decide ir viver com o pai na pequena cidade de Forks, no Estado de Washington. Esperando levar uma vida pacata e monótona, apaixona-se por Edward Cullen, um misterioso colega da escola. Mas esta seria uma relação banal se Edward não tivesse uma distinta característica: ele é um vampiro.

Trata-se, fundamentalmente, de uma história de amor intenso e avassalador que possibilita diversas leituras, e em que as escolhas que os personagens fazem terão consequências irreversíveis. Interessa a Catherine Hardwicke contar essa história, pelo que coloca sempre a câmara ao serviço dos personagens, nunca se sobrepondo a eles.

Destaque também para a belíssima direcção de fotografia, a cargo de Elliot Davis, e para a excelência dos actores principais, Kristen Stewart e Robert Pattinson, ambos num registo sóbrio e contido como há muito não se via no cinema americano protagonizado por adolescentes.

Aproveito, já agora, para recomendar a leitura do livro que serve de base ao filme e no qual Stephenie Meyer reinventou as histórias de vampiros. Que não restem dúvidas: é literatura em estado puro, ou não tivesse como matriz inspiradora o "Drácula" de Bram Stoker.

Trailer de "Crepúsculo", de Catherine Hardwicke


domingo, 2 de agosto de 2009

"Autocarro 174" - o outro Brasil


Bruno Barreto regressa ao grande cinema que marcou o início da sua carreira, após um período ao serviço de Hollywood, do qual resultou o falhadíssimo "Altos Voos".

A partir de um acontecimento real - o sequestro dos passageiros do autocarro que dá nome ao filme - a película em análise narra a história de dois jovens das favelas do Rio de Janeiro e de Copacabana, desde a infância miserável passada ao relento nas ruas até à adolescência marcada pelas drogas, roubos, prisão e pela lei das balas. Sandro e Alessandro são os personagens centrais desta obra que, de modo cru e despojado de artifícios, mostra ao espectador o Brasil que não tem lugar nas telenovelas nem aparece nos roteiros turísticos. Ao longo do filme somos transportados a um ritmo feérico e vertiginoso - qual samba das favelas - por um geografia emocional desenhada com o contorno dos morros onde se instalam os bairros de lata.

No fim, limitamo-nos a (re)conhecer as circunstâncias que conduziram ao acto irracional e impulsivo de Sandro: afinal, a decisão súbita de fazer dos passageiros do autocarro reféns não foi uma escolha planeada, tendo sido antes resultado de uma série de acasos e de oportunidades sociais não aproveitadas. Bruno Barreto tem a capacidade de evitar o maniqueísmo, não culpabilizando directamente algo ou alguém (até porque essa seria a via mais fácil) pelos rumos das vidas de Sandro, Alessandro e de tantas outras crianças que crescem nas favelas por entre a violência mais brutal e inimaginável, a qual por vezes nos faz esquecer que o Brasil é um Estado de Direito democrático.

Uma última palavra para a excelência dos actores, que nos fazem acreditar sempre nos seus personagens, e para a fotografia repleta de luz e cores quentes, conseguindo apreender os lugares, as paisagens e as pessoas e, desse modo, contribuir para o realismo nu e cru do filme.

Trailer de "Autocarro 174", de Bruno Barreto


Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...