sábado, 22 de agosto de 2009

"Inimigos Públicos" - Michael Mann, o coreógrafo e a sua câmara de filmar


Michael Mann é um dos últimos estetas do cinema contemporâneo. O modo como filma - recorrendo, desde "Colateral", a câmaras digitais -, colocando a câmara no centro da acção e movendo-a por entre os personagens, dão ao seu cinema uma dimensão abstracta que, curiosamente, se confunde com a história que narra e não se sobrepõe a ela. É por esta razão que afirmo que Mann é um esteta, uma vez que, ao contrário de muitos outros cineastas, os movimentos de câmara não estão lá para mostrar à força que existe um realizador a dirigir o filme. Neste sentido, o autor de "Inimigos Públicos" ficará na história do cinema ao lado de outros mestres da mise-en-scène: Alfred Hitchcock, Orson Welles (compare-se algumas sequências de "Inimigos Públicos" à sequência inicial do clássico de Welles "A Sede do Mal"), Arthur Penn, Brian de Palma, Martin Scorsese, Tony Scott e Bazz Luhrmann.

"Inimigos Públicos" conta a história real da perseguição movida por J. Edgar Hoover (criador do FBI) a John Dillinger (líder de um dos maiores gangs armados que, durante os anos da Grande Depressão, assaltou inúmeros bancos, mas acabou por ser visto pela população norte-americana como uma espécie de "Robin dos Bosques"). Michael Mann centra a narrativa nos factos históricos, como se encenasse um falso documentário, coreografando com precisão os movimentos dos actores como se aquilo fosse realmente o que sucedeu, minuto-a-minuto. Esta opção por um registo formal próximo do documentário dá à película a mesma dimensão abstraccionista de "Miami Vice", o seu filme anterior. Fica, no entanto, a sensação de que "Inimigos Públicos" exigia mais alma (leia-se: força dramática) de modo a acentuar a dimensão, simultaneamente, pop (tal como "Bonnie and Clyde", de Arthur Penn) e trágica (tal como "O Aviador", de Scorsese) de John Dillinger, e assim criar maior empatia com o espectador.

No fim, fica a certeza que se assistiu a uma obra construída com um rigor formal raro (planos precisos, iluminação nocturna realista que acentua as sombras e a escuridão, actores num registo de underacting clássico, boa banda sonora) e atípico na silly season (mais dada a blockbusters plenos de pirotecnia e efeitos especiais). Todavia, não mata as saudades que tínhamos do filme de gangsters, sobretudo de "Os Intocáveis", obra-prima de Brian de Palma realizada em 1987.

Trailer de "Inimigos Públicos", de Michael Mann


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