domingo, 31 de janeiro de 2016

"Mr. Robot" - a melhor série de 2015

Mr. Robot é uma montanha-russa. Uma série que prende tanto como confunde o espectador. Criada por Sam Esmail, que pensou em Mr. Robot como um filme, mas que depressa percebeu que tinha páginas a mais para o tempo de uma longa-metragem, a série conta a história de Elliot Alderson, um engenheiro especialista em segurança informática que vive uma vida dupla, tão sufocante como alucinante: durante o dia, trabalha numa grande empresa de segurança cibernética em Nova Iorque; à noite, faz o oposto: não protege quaisquer redes, mas corrompe-as, fazendo parecer fácil o que não é. Elliot é um hacker, consegue entrar em tudo: computadores, smartphones, emails, redes sociais, contas bancárias. É isto que faz e é nisto que é bom. Esta é, aliás, a única forma de saber mais sobre pessoas que o rodeiam. Ele, que sofre de distúrbio de ansiedade social, não é muito bom nas relações interpessoais e o computador é a forma de conhecer quem de si se aproxima. Não é eticamente correto, mas é a única forma de conseguir alguma intimidade com o outro.

Elliot pode muito bem ser o herói do século XXI: tem uma causa maior, a mudança de um sistema financeiro e político viciado, ao mesmo tempo que vai fazendo justiça com pequenos casos aqui e ali. Descobre, por exemplo, que o dono de um restaurante onde se ligou à Internet através de wi-fi é pedófilo, fazendo chegar à polícia as provas que o incriminam. Mas, outras vezes, vasculhar a vida dos outros é a sua forma de se encaixar no mundo, e isso faz de Elliot um anti-herói. Até porque nem sempre sabemos quais as suas reais intenções. Desde logo, com o seu ódio à multinacional E Corp (Evil Corp, para Elliot), que o rapaz culpa pela leucemia que matou o seu pai. Ora, é quando Elliot é contactado por um homem misterioso, que se autointitula de Mr. Robot, que tudo fica mais confuso. Mr. Robot quer Elliot no seu grupo secreto, o fsociety, para que juntos possam abalar o sistema, chegar aos 1% dos 1%. Como? Começando desde logo por atacar a E Corp e fazer desaparecer as dívidas de toda a gente.

Em Mr. Robot, nunca nada é bem o que parece. Tal como na vida real.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Estado do Mundo (32) - Roteiro Para um Mundo Perfeito

Na altura em que se assinala os seus 70 anos, que comemorou oficialmente em 24 de outubro, a ONU lançou um roteiro para um mundo perfeito. Tem 17 objetivos, 169 metas para o desenvolvimento sustentável e é uma espécie de guia utópico para mitigar as imperfeições universais. 

Um mundo sem fome, guerras, corrupção, discriminação? Tiranos, guerreiros ou corruptos votaram por ele. Desde que não os obriguem a confundir desejos e realidades. Já foi, e ainda assim é, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948: "Todo o ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal"; "Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado". Desejos louváveis, não realidades!

Que a ONU os aprove e deles faça guia, compreende-se e aplaude-se. Mas era preferível que os seus membros começassem a olhar seriamente para os seus atos e a corrigir o que neles torna nulo o efeito de tais palavras. Seria uma melhor celebração, com tal começo.

sábado, 9 de janeiro de 2016

"Homem Irracional" - a impossibilidade da ética

Um professor de Filosofia a deambular por entre as malhas do existencialismo, encontrando apenas o vazio no absurdo da existência, descobre novo alento na perspetiva de um crime que o posiciona para além do bem e do mal, qual Nietzsche renascido para a tentativa de se tornar super-homem.

Podemos sintetizar assim o argumento do novo filme de câmara de Woody Allen. Muito se tem questionado acerca da (in)utilidade de alguma da filmografia mais recente do autor nova-iorquino, parecendo até que algum prazer há em desvalorizar e zurzir películas como Homem Iracional. No entanto, compare-se esta obra com a maioria das fitas-pipoca que têm invadido as salas de cinema nos últimos vinte anos; compare-se também com outros filmes de Allen (A Maldição do Escorpião de Jade, Vigaristas de Bairro, Vicky Cristina Barcelona ou Magia ao Luar); de seguida, analise-se Homem Irracional como pièce de résistance singular na obra de um artista cuja curadoria e conservação dificilmente encontrará, um dia, alguém à altura.

Está lá o jazz (insistência em The in-crowd), o protagonista deprimido (Joaquin Phoenix num registo inusual no universo de Allen), a jovem idealista (reencontro de Allen com Emma Stone), a caução literária (Dostoievski, pois claro!) e a reflexão ética (com direito a aulas de Filosofia e tudo!). Com olhar sábio e mão de mestre. Um dos grandes filmes do outono passado.


Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...