sexta-feira, 30 de março de 2012

"Os Descendentes" - a família, segundo Alexander Payne

"Os Descendentes", película assinada por Alexander Payne, é mais uma incursão deste realizador pelo universo dos afetos, acrescentando à sua interessante filmografia humanista uma espécie de tratado sobre a família e as diferenças geracionais.

A ação do filme decorre na insólita paisagem hawaiana, raramente associada à geografia emocional mas aqui a fazer um interessante contraponto trágico-cómico ao drama vivido por uma homem de meia-idade que, devido à mulher se encontrar em coma e às portas da morte, se vê subitamente na necessidade de se reaproximar das filhas.

Alexander Payne consegue sabiamente evitar os lugares-comuns e as armadilhas do melodrama delicodoce, encontrando um registo que não deixando de se aproximar dos personagens dá-lhes a liberdade suficiente para se moverem no território imprevisível que é, afinal, a vida. Dos protagonistas e da nossa!

Uma breve nota para a subtil interpretação de George Clooney, que aqui se revela, cada vez mais, um ator de corpo inteiro.

Trailer de "Os Descendentes", de Alexander Payne

quarta-feira, 28 de março de 2012

Estado da Nação (25) - dívidas das câmaras

Cerca de 12 mil milhões de euros é o valor global, estimado pelo Governo, com base nas respostas enviadas pelas câmaras, das dívidas das autarquias portuguesas e respetivas empresas municipais. É caso para perguntar: poder local ou (des)governo local? 

A regionalização nunca foi avante, mas, talvez em compensação, procedeu-se à crescente (e despenalizada!) descentralização da irresponsabilidade. 

segunda-feira, 26 de março de 2012

Banda sonora para a primavera (13)

Bruce Springsteen acaba de lançar um novo clássico. Chama-se "Wrecking Ball" e é o melhor disco do boss desde "Magic" (2007), superando assim o tiro ao lado que foi o obamaniano "Working On A Dream" (2009). Está cheio de grandes canções (quase todas), recuperando a estética e o espírito do saudoso "Tunnel Of Love" (1987) e do díptico da esperança "Human Touch" e "Lucky Town" (1992).

É estranho como as rádios nacionais parecem estar deliberadamente a passar ao lado do lançamento de "Wrecking Ball", ignorando o orelhudo single "We Take Care Or Our Own", portentoso manifesto à solidariedade, união e resiliência dos americanos. São esses, de resto, os temas centrais desta obra de Springsteen, que recorda, em canções como "Land Of Hope And Dreams" e "Rocky Ground", o espírito de sacrifício e de luta pela liberdade na promised land. No entanto, "Wrecking Ball", apesar de ser um disco sobre a esperança em momentos difíceis, é atravessado pelos efeitos da crise económica nas cidades, retomando, por isso, algumas das histórias recorrentes da discografia do músico norte-americano. Neste último contexto, destacam-se a dionisíaca (e, por isso, trágica) "Death To My Hometown" e a melancolicamente bela "This Depression".

A comprar, ouvir e guardar junto dos grandes clássicos do folk-rock.

Bruce Springsteen - "We Take Care Of Our Own"


terça-feira, 20 de março de 2012

sábado, 17 de março de 2012

Alguns filmes para noites de um inverno quente (3) - "Despojos de Inverno"

Agora que está prestes a estrear "The Hunger Games", filme que confirma o hype em torno de Jennifer Lawrence, convém relembrar "Despojos de Inverno", de Debra Granik, película nomeada para quatro Óscares em 2011, incluíndo o de Melhor Atriz Principal (precisamente, para Jennifer Lawrence).

"Despojos de Inverno" é uma obra-prima acerca de uma jovem de 17 anos que luta para encontrar o seu pai e assim conseguir salvar a casa onde mora com os seus irmãos e a mãe. Curiosamente, apesar do tom mais negro e trágico do filme de Granik, há por aqui alguns pontos de contacto entre o drama vivido por aquela personagem e o de Gilbert Grape (personagem que dá nome à obra de Lasse Hallstrom, analisada no post anterior). De facto, tratam-se de duas películas sobre a importância dos laços de sangue e a defesa da família perante qualquer adversidade.

Trailer de "Despojos de Inverno", de Debra Granik

quinta-feira, 15 de março de 2012

Alguns filmes para noites de um inverno quente (2) - "Gilbert Grape"

Em 1993, Lasse Hallstrom representava a sempiterna atração de Hollywood pelo cinema europeu, que, atenta ao trabalho de cineastas do velho continente, procurava manter uma certa tradição dos estúdios, a saber: criar grandes filmes de matriz popular. Foi neste contexto que aquele realizador assinou "Gilbert Grape". Johnny Depp e Julliette Lewis eram estrelas em ascensão, mas o verdadeiro furacão do filme era um jovem ator desconhecido que dava pelo nome de Leonardo DiCaprio (foi, aliás, nomeado pelo papel neste filme para o Óscar de Melhor Ator Secundário).

A película situa a ação numa pequena localidade no Iowa, contando a história de uma família destroçada pelo suicídio do patriarca. Desde então, Gilbert Grape (Johnny Depp) tornou-se o chefe da família, sem tempo para si próprio, já que vive para garantir a satisfação das necessidades da sua mãe obesa, emocionalmente perturbada e desastrosa como dona de casa, das suas irmãs e do seu irmão mais novo, Arnie (uma interpretação inesquecível de DiCaprio), que sofre de um atraso mental que o torna completamente dependente dos cuidados de Gilbert.

A realização de Hallstrom nunca nos aproxima demasiado dos personagens; tem sido, de resto, esse o registo a que este autor nos habitou ao longo de uma carreira já longa e, apesar de alguns filmes menores ("Casanova", por exemplo), sempre com temáticas recorrentes (a importância dos laços de vinculação) e normalmente em torno de famílias disfuncionais ("As Regras da Casa", "Chocolate"). A direção de fotografia é da responsabilidade do experiente Sven Nykvist, salientando aqui a luz de verão ao entardecer e reforçando, desse modo, a leve melancolia que atravessa "Gilbert Grape". 

Trailer de "Gilbert Grape", de Lasse Hallstrom

terça-feira, 13 de março de 2012

Alguns filmes para noites de um inverno quente (1) - "Os Olhos de Júlia"

"Os Olhos de Júlia" é uma película assinada com mestria por Guillem Morales. Narra a história de Júlia, uma mulher que sofre de uma doença degenerativa da vista, que encontra a irmã gémea, Sara, que já cegara devido ao mesmo problema, enforcada na cave da sua casa. Apesar de tudo apontar para que se trate de suicídio, Júlia decide investigar o que ela intuitivamente sente ter sido homicídio, penetrando num mundo obscuro que parece esconder uma misteriosa presença. 

Logo no início, o filme marca o tom que vamos acompanhar ao longo de aproximadamente duas horas: um thriller hitchcockiano, denso, negro, psicanalítico e claustrofóbico. A fotografia é fabulosa, destacando-se um trabalho de iluminação que coloca o espectador num estado de permanente tensão. As interpretações são exemplares, sobretudo a minuciosa expressividade da belíssima atriz principal, Belén Rueda. 

"Os Olhos de Júlia" já está à venda no mercado de DVD e foi, sem sobra de dúvida, um dos melhores filmes que passou pelas salas de cinema portuguesas no ano passado. Obrigatório!

Trailer de "Os Olhos de Júlia", de Guillem Morales

terça-feira, 6 de março de 2012

Consequências da crise na Grécia


                   1. Zeus vende o trono a uma multinacional coreana.
                   2. Aquiles vai tratar o calcanhar na saúde pública.
                   3. Eros e Pan inauguram um prostíbulo.
                   4. Hércules suspende os 12 trabalhos por falta de pagamento.
                   5. Narciso vende os espelhos para pagar a dívida do cheque especial.
                   6. O Minotauro puxa carroça para ganhar a vida.
                   7. Acrópole é vendida e aí é inaugurada uma Igreja Universal do Reino de Zeus.
                   8. Eurozona rejeita Medusa como negociadora grega: "Ela tem minhocas na cabeça".
                   9. Sócrates inaugura o Cicuta's Bar para ganhar uns trocos.
                  10. Dionisio vende vinhos à beira da estrada de Marathónas.
                  11. Hermes entrega currículo para trabalhar nos correios. Especialidade: entrega rápida.
                  12. Afrodite aceita posar para a Playboy.
                  13. Sem dinheiro para pagar os salários, Zeus liberta as ninfas para
                   trabalharem na Eurozona.
                  14. Ilha de Lesbos abre um resort hétero.
                  15. Para economizar energia, Diógenes apaga a lanterna.
                  16. Oráculo de Delfos apaga os números do orçamento e provoca pânico nas Bolsas.
                  17. Áries, deus da guerra, é agarrado em flagrante desviando armamento
                   para a guerrilha síria.
                  18. A caverna de Platão abriga milhares de sem-abrigo.
                  19. Descoberto o porquê da crise: os economistas andam a falar grego grego!

quinta-feira, 1 de março de 2012

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...