quinta-feira, 29 de julho de 2021

Paul Schrader (2) - "No coração da escuridão" (2018)

Regressamos ao cinema negro, denso, revoltado e permanentemente à procura da redenção, de Paul Schrader. No coração da escuridão (First Reformed, no original), o seu mais recente filme, é um regresso claro aos seus fantasmas pessoais e às suas preocupações metafísicas: fé, Deus, redenção, sentido da existência, livre-arbítrio, niilismo, morte, amor, mas também a autodestruição.

Ethan Hawke interpreta magistralmente o papel de uma padre em crise de fé, que, perturbado com o suicídio do marido de uma paroquiana (ativista em prol de causas ambientais), sente o dever de completar a sua missão, insurgindo-se contra uma humanidade que não merece o perdão de Deus.

No coração da escuridão é um filme perfeito, sem um único plano ou diálogo a mais. Uma obra de um rigor absoluto. Não é fácil gostar do cinema de Schrader, mas é por obras como esta que o cinema é arte maior. Afinal, ainda vale a pena comprar um bilhete de cinema e refugiarmo-nos no coração da escuridão.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Blake Edwards (2) - "A Semente de Tamarindo"(1974)

Judith Farrow trabalha no Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico. De passagem pelas Caraíbas, Judith apaixona-se por um adido militar russo e o caso desperta suspeitas nos dois lados da Cortina de Ferro.

A partir de um romance de Evelyn Anthony, e filmado nas Caraíbas, em Paris, Londres e Canadá, Blake Edwards constrói um argumento com todos os sinais da década de 70 do século XX. Em boa verdade, estávamos em plena Guerra Fria e o filme reflete o clima de tensão leste-oeste. No entanto, interessa a Edwards não tanto a intriga política mas mais a história de amor entre uma funcionária pública britânica (interpretada por uma etérea Julie Andrews) e um espião russo (um sedutor Omar Sharif).

O genérico de abertura é digno de antologia. Com música assinada por John Barry, A Semente de Tamarindo evoca claramente os créditos iniciais dos filmes de James Bond. É, contudo, um filme menor na extensa filmografia de Edwards.


segunda-feira, 12 de julho de 2021

Blake Edwards (1) - "Uma voz na escuridão" (1962)

Blake Edwards, cineasta responsável por inúmeras comédias inesquecíveis (por exemplo, a série Pantera cor-de-rosa, com Peter Sellers), experimentou vários registos. Uma voz na escurdião marcou a sua incursão pelo thriller, resultando num dos maiores filmes de sempre do género.

A primeira cena introduz logo o conflito numa sequência longa (filmada quase num só grande plano) e aterradora. Uma mulher acaba de estacionar o carro na garagem de casa quando é atacada por um assassino, que a agarra pelas costas e lhe exige que roube cem mil dólares do banco onde trabalha sob pena de assassinar a sua irmã adolescente. A voz do agressor é cavernosa, denunciando que sofre de asma. Nós, os espectadores, saímos da cena com a sensação de que o chão vai desabar por baixo dos nossos pés.

Os planos de Uma voz na escuridão são desenhados com o rigor de um arquiteto; a banda sonora de Henry Mancini (habitual colaborador de Edwards) é arrepiante; Glenn Ford (no papel do agente do FBI responsável pela investigação do caso) e Lee Remick (na pele da mulher ameaçada) são soberbos na arte da contenção, nunca se sobrepondo à narrativa; e a sequência final no estádio de baseball é uma lição de realização ao nível de mestres como Hitchcock ou Brian de Palma. 

segunda-feira, 5 de julho de 2021

"Fim de semana com o morto" (1989) - de Ted Kotcheff

Larry (Andrew McCarthy) e Richard (Jonathan Silverman) descobrem um esquema fraudulento na seguradora onde trabalham. Na expectativa de serem promovidos, informam o patrão, Bernie Lomax (Terry Kiser). O que os dois colegas desconhecem é que é este o responsável pela fraude de 2 milhões de dólares. É então que Lomax decide contratar os serviços de um mafioso nova-iorquino para assassinar os dois funcionários. Mas o "padrinho" ordena ao seu capanga que elimine Lomax, em vez dos dois amigos. A partir daqui está instalada a confusão na melhor tradição da screwball comedy

Fim de semana com o morto é uma comédia louca como todas as comédias destravadas deviam ser: diverte o espectador durante 100 minutos, respeita as personagens, colocando-as ao serviço da história (marada do princípio ao fim) e tem uma realização competente (discreta, mas com mão segura).

Volvidos 32 anos, podemos hoje perceber que a película de Ted Kotcheff é um clássico da comédia made in Hollywood, à altura de obras como Um, dois, três, de Billy Wilder (1961), A festa, de Blake Edwards (1968) e 1941 - Ano louco em Hollywood, de Steven Spielberg (1979).

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...