sábado, 24 de agosto de 2013

Banda sonora para o verão: Unitopia - "Covered Mirror Vol. 1"

Unitopia é uma banda australiana com uma carreira discreta, mas marcada por uma coerência estética impressionante. Há alguns meses editaram um disco de homenagem às bandas e aos artistas que os inspiraram na construção de álbuns concetuais próximos do neo-prog iniciado nos anos 80 por bandas como Marillion, Pendragon, It Bites e IQ. "Covered Mirror Vol. 1" (com o subtítulo "Smooth As Silk") é uma obra sublime na forma como os Unitopia transfiguram clássicos dos Yes, Genesis, Klaatu, Marillion, entre outros, e os tornam seus. Dito de outro modo: apesar da grandiosidade das canções originais, as versões do grupo australiano ganham vida própria, com pleno direito de coexistirem com as anteriores. Trata-se, portanto, de um LP obrigatório.

Unitopia - "Easter"

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Ética e Política em Democracia (4)

Em 2005, inspirados pelo caso de perenidade surreal de Alberto João Jardim, os deputados do PS e do Bloco de Esquerda aproveitaram o momento e a correlação de forças políticas para mudar a lei então vigente que assegurava a permanência ilimitada no poder de autarcas e governantes regionais. Mas, como este é um campo em que as fronteiras entre esquerda e direita são extremamente voláteis, o PSD (assombrado pelo barão intocável que comanda os destinos da Madeira) tinha como aliado o PCP (um partido que compete com o regime comunista de Cuba na frequência com que muda de líder) na defesa dos monarcas camarários. Já o CDS e os Verdes abstiveram-se, o que permitiu a passagem da lei, embora reduzida à limitação dos mandatos autárquicos e mantendo uma ambiguidade semântica que permitia interpretações dúbias: a partir dessa altura, um presidente de uma câmara municipal não poderia manter-se à frente da autarquia ao fim de três mandatos; mas isso seria impeditivo de concorrer a outra(s) câmara(s) para um mandato idêntico, repetindo-se esta condição ad aeternum?

Com a aproximação das eleições autárquicas deste ano, a necessidade de clarificar a lei colocou-se de forma premente. Todavia, a triste verdade é que ninguém ousou no Parlamento uma nova iniciativa legislativa, responsabilizando os tribunais pela decisão final. Começou então a trapalhada da judicialização da política, com tribunais a decidirem em sentido contrário a partir de um mesmo texto legal, umas vezes autorizando que autarcas prestes a esgotar a limitação de mandatos num município pudessem concorrer a uma outra câmara, outras vezes interditando tais pretensões. Mas, para complicar ainda mais a saúde e clareza da nossa democracia, a sentença decisiva ficará sempre dependente do Tribunal Constitucional.

É altura de percebermos que esta perpetuação do poder autárquico congela as perspetivas de renovação do país. No poder local, repetem-se as mesmas cenas e as mesmas personagens, sem que delas se extraia uma lógica de necessidade. Assistimos a uma sórdida pantomina de ambições políticas medíocres, onde se pula de câmara em câmara como único objetivo de vida e se fecham as portas ao rejuvenescimento das instituições, reféns da rede de clientelismos que circulam de um concelho para outro ao ritmo da construção de rotundas. Será o nosso País uma feira de velharias sem préstimo?

domingo, 18 de agosto de 2013

"Elysium" - uma distopia atabalhoada de Neill Blomkamp

Acaba de estrear "Elysium", o novo filme de Neill Blomkamp, cineasta que há quatro anos surpreendeu o mundo com o muito interessante "Distrito 9". Todavia, a película assinada em 2013 é uma deceção a todos os níveis. 

"Elysium" tem uma premissa promissora: em 2159, milionários e políticos influentes vivem numa estação espacial - o Elysium que dá nome ao filme -, enquanto os pobres permanecem na Terra - planeta devastado pela sobrepopulação, dominado por favelas e com uma atmosfera quase irrespirável. Muitos sonham com a possibilidade de chegar àquele paraíso acima da miséria que se vive no planeta azul; alguns tentam lá entrar clandestinamente; mas Elysium é vigiado com mão de ferro pela déspota secretária de Estado Delacourt (Jodie Foster num dos muitos personagens caricaturais da fita), que tenta por todos os meios preservar a vida luxuosa dos privilegiados habitantes da estação orbital. Contudo, um operário (Matt Damon num esforço constante em dar espessura dramática ao seu personagem), vítima de exposição a radiações excessivas na fábrica onde trabalha, vai embarcar numa demanda em direção a Elysium na expectativa de encontrar uma cura para a sua doença. Pelo caminho, a empresa deste herói deixa de ser individual para defender uma causa maior: permitir o acesso do povo ao satélite celestial.

Blomkamp encarrega-se de retirar seriedade ao seu filme, despachando a narrativa em cerca de 100 minutos (e o mal não viria daí, é claro!), onde o pathos se dilui em personagens preguiçosas, estereotipadas, demasiado esquemáticas, que nunca se levam a sério num filme que claramente pede muito mais. Convém clarificar: o problema desta obra (?) não é a economia de narrativa, é antes a ausência de espessura dramática; é não definir com honestidade o seu propósito (começamos por pensar que assistimos a uma parábola de ficção científica e sai-nos um sucedâneo scy-fy de série B, com um argumento atabalhoado, com momentos de humor involuntário, que nem com os "clássicos" de Chuck Norris consegue rivalizar). Muitos dirão que se trata de um filme marxista (e podia ser!) sobre o presente (os pobres têm que se sujeitar a cuidados hospitalares limitados e deficientes; os ricos possuem em casa máquinas que garantem a cura de todas as enfermidades); outros relevarão uma visão distópica que resulta das desigualdades sociais bem acentuadas no momento presente (e esse ponto de vista está no filme); mas quantos e tão bons filmes foram fabricados com mensagens semelhantes (e aqui incluímos "Distrito 9")? E tanto dinheiro gasto para quê? O cenário é ainda mais trágico ao sabermos que Neill Blomkamp teve total liberdade criativa (coisa aparentemente rara nos estúdios de Hollywood).

"Elysium" não se salva nem enquanto filme de verão. Está até uns furos bem abaixo de "WWZ", de Marc Forster, outro filme falhado que marcará tristemente esta época estival. Por entre as ruínas desta tragédia cinematográfica, só mesmo a prestação de Matt Damon merece algum respeito (todos os outros atores passeiam-se à deriva sem bússola que dê clareza e dignidade às personagens que interpretam). Definitivamente, também Hollywood foi contagiada pela silly season.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Um livro para o verão: "Em Parte Incerta" - de Gillian Flynn

A literatura contemporânea assume contornos comerciais que, em nome da competitividade entre editoras e do combate à crise económica, levam a valorizar o embrulho - leia-se: o marketing - em detrimento do conteúdo. Este vai empobrecendo à medida que autores como Dan Brown e Nora Roberts dominam o mercado livreiro. No meio destes engodos surgem alguns livros e autores que facilmente são confundidos com produtos industriais e superficiais. Este pode ser o caso do romance "Em Parte Incerta", de Gillian Flynn, escritora norte-americana que, em boa verdade, é uma das maiores revelações da literatura do início do século XXI. 

Trata-se a referida obra de um thriller negro, densamente psicanalítico sobre os segredos e mentiras de um casal, que se torna profundamente perturbador por descobrirmos naquele marido e naquela mulher talvez o retrato cru e sem piedade do modelo familiar da classe média na civilização ocidental deste século. Começamos a leitura do romance por acreditar em Amy (a mulher) e terminamos a torcer por Nick por nos identificarmos com a sua frágil humanidade. 

Há, de algum modo, na novela de Lynn uma fria análise da emancipação feminina e das suas consequências na estabilidade da grupo familiar tradicional. Mas, sendo o autor uma mulher, não encontramos por aqui qualquer visão sociológica que se possa designar como machista. E isso torna o romance ainda mais interessante e intrigante.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Ética e Política em Democracia (3)

Perguntar-se-á: como pode alguém com o currículo de Joaquim Pais Jorge chegar ao Governo? Tristemente, com a rotação há muito instituída do bloco central de interesses e clientelas, isto já nem sequer é uma novidade. No presente caso, resultará, sobretudo, do enlevo da ministra com as qualidades técnico-profissionais do ex-Secretário de Estado, esquecendo o necessário pré-requisito para a escolha de quem deve ocupar responsabilidades de governação de um país democrático: exigência ética. Deve, portanto, o político ser um cidadão exemplar? Sim, deve. Caso contrário, como podem os eleitores compreender, por exemplo, a necessidade de medidas de austeridade? 
O perfil tecnocrata e a notória falta de sensibilidade política de Maria Luís Albuquerque explicarão este lamentável episódio. Mas o que anda a fazer Passos Coelho? Deixa que tudo lhe passe ao lado?

domingo, 11 de agosto de 2013

Ética e Política em Democracia (2)

Há, pelo menos, três critérios que um candidato a governante deve preencher: competência técnica, conduta ética e coerência política. Joaquim Pais Jorge só satisfazia o primeiro! Não custa admitir que seja um perito nas engenharias financeiras e contabilísticas que andou a vender, em anos recentes, por vários estaminés. Mas não cumpria nem os mínimos éticos (ao dispor-se a dar a cara por uma causa e pelo seu contrário) nem a necessária coerência política (ao saltar do colo dos escroques Sócrates e Paulo Campos para o colo de Passos Coelho e Maria Luísa Albuquerque). São, por isso, inoportunas a arrogância e o topete de Joaquim Pais Jorge ao queixar-se publicamente da «baixeza» e do «lado podre da política» na hora da sua tardia partida.

sábado, 10 de agosto de 2013

Ética e Política em Democracia (1)

Mais grave do que a demissão de Joaquim Pais Jorge foi a sua nomeação para o Governo. Porque não pode valer tudo em política e, muito menos, na atividade política exercida em nome do Estado. Um governante não pode passar de um lado para o outro das barricadas como se tudo fosse possível e admissível. Não pode ter andado a vender swaps ao Governo anterior com o intuito de disfarçar o défice público e vigarizar as estatísticas do Eurostat para, no Governo seguinte, aparecer a renegociar os estragos causados pelos swaps. Não pode ter sido colocado na Estradas de Portugal por um famigerado vulto do socratismo, Paulo Campos, e aí se tornar responsável por alguns dos contratos ruinosos para o Estado de PPP rodoviárias para, na encarnação posterior, entrar no Governo que fez da denúncia das PPP uma das suas bandeiras distintivas. 

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Banda sonora para o verão: "Electric" - Pet Shop Boys regressam à pop solarenga

Em matéria sonora, a subtileza nem sempre foi apanágio da pop dirigida às pistas de dança. Neste contexto, todavia, os Pet Shop Boys sempre primaram pela procura de formas musicais que transfigurassem estéticas, de alguma forma, clássicas. Depois de um disco outonal, "Elysium", lançado nos últimos meses de 2012, editaram aquele que figurará como um dos melhores LPs deste verão, "Electric". Ao contrário do álbum anterior, de pendor intimista e introspetivo, trata-se de uma obra assumidamente hedonista e despretensiosa, orientada para as pistas de dança (como já haviam sido "Disco" e "Introspective", dois registos incontornáveis da década de 80) mas com o toque clássico singular da dupla britânica. "Thursday" e "Vocal", os dois temas que encerram "Electric", são duas canções pop (quase) perfeitas.

Pet Shop Boys - "Thursday"

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...