terça-feira, 20 de agosto de 2013

Ética e Política em Democracia (4)

Em 2005, inspirados pelo caso de perenidade surreal de Alberto João Jardim, os deputados do PS e do Bloco de Esquerda aproveitaram o momento e a correlação de forças políticas para mudar a lei então vigente que assegurava a permanência ilimitada no poder de autarcas e governantes regionais. Mas, como este é um campo em que as fronteiras entre esquerda e direita são extremamente voláteis, o PSD (assombrado pelo barão intocável que comanda os destinos da Madeira) tinha como aliado o PCP (um partido que compete com o regime comunista de Cuba na frequência com que muda de líder) na defesa dos monarcas camarários. Já o CDS e os Verdes abstiveram-se, o que permitiu a passagem da lei, embora reduzida à limitação dos mandatos autárquicos e mantendo uma ambiguidade semântica que permitia interpretações dúbias: a partir dessa altura, um presidente de uma câmara municipal não poderia manter-se à frente da autarquia ao fim de três mandatos; mas isso seria impeditivo de concorrer a outra(s) câmara(s) para um mandato idêntico, repetindo-se esta condição ad aeternum?

Com a aproximação das eleições autárquicas deste ano, a necessidade de clarificar a lei colocou-se de forma premente. Todavia, a triste verdade é que ninguém ousou no Parlamento uma nova iniciativa legislativa, responsabilizando os tribunais pela decisão final. Começou então a trapalhada da judicialização da política, com tribunais a decidirem em sentido contrário a partir de um mesmo texto legal, umas vezes autorizando que autarcas prestes a esgotar a limitação de mandatos num município pudessem concorrer a uma outra câmara, outras vezes interditando tais pretensões. Mas, para complicar ainda mais a saúde e clareza da nossa democracia, a sentença decisiva ficará sempre dependente do Tribunal Constitucional.

É altura de percebermos que esta perpetuação do poder autárquico congela as perspetivas de renovação do país. No poder local, repetem-se as mesmas cenas e as mesmas personagens, sem que delas se extraia uma lógica de necessidade. Assistimos a uma sórdida pantomina de ambições políticas medíocres, onde se pula de câmara em câmara como único objetivo de vida e se fecham as portas ao rejuvenescimento das instituições, reféns da rede de clientelismos que circulam de um concelho para outro ao ritmo da construção de rotundas. Será o nosso País uma feira de velharias sem préstimo?

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