sexta-feira, 29 de junho de 2012

Um primeiro post explicitamente sobre Futebol

Paulo Bento deve ser hoje um homem satisfeito. O selecionador trilhou um caminho muito próprio desde que assumiu o comando. Antes de mais, soube esperar pelo momento certo. Desde que saiu do Sporting teve oportunidades para voltar ao ativo, mas só quando foi convidado pela Federação Portuguesa de Futebol é que aceitou. Não era fácil: Portugal tinha empatado com o Chipre e perdido com a Noruega, mas Paulo Bento é um homem corajoso. O mote estava dado: "Se tivermos sucesso, o mérito é dos jogadores, se falharmos, a culpa será minha."

Foi assim que o coletivo foi conquistado. Os incidentes com Ricardo Carvalho e José Bosingwa foram tratados de forma célere e sem espaço para marcha-atrás. Quem não estava com ele, quem não respeitava a equipa, não interessava. Se o fez com a dupla, também soube fazer o inverso com Carlos Martins e Silvestre Varela, dois jogadores que tinham sido quase que ignorados no Sporting. Não foi orgulhoso e formou com eles um grupo vencedor: o primeiro esteve durante toda a qualificação e fez o golo à Espanha no 4-0; o segundo foi ao Euro-2012 apesar de algumas críticas, mas respondeu com um golo decisivo na partida com a Dinamarca.

As críticas choveram em vários momentos, mas Paulo Bento foi fiel à estratégia. Não interessava quem o dizia, mesmo que o nome fosse Figo ou outros internacionais. O selecionador tinha uma estratégia, tinha algo em mente e mostrava muita teimosia, mas daquela que tinha ajudado Luiz Felipe Scolari a chegar a uma final de um Europeu e a uma meia-final de um Mundial. Os jogadores corresponderam, mostraram estar com ele desde o primeiro momento e começaram a render mais, fosse Cristiano Ronaldo, a bater os números que tinha conseguido com Scolari e Queiroz, ou com João Moutinho, o médio que tinha sido ignorado para o Mundial-2010.

Portugal falhou a final, mas as declarações no final do jogo ajudaram a perceber o que sentia depois da primeira grande prova ao serviço da seleção nacional: "Caímos como deve cair uma grande equipa, com honra e com orgulho. Fizemos um campeonato da Europa extraordinário. Devolvemos essa confiança, de termos uma equipa para chegar à final, aos portugueses. Penso que eles estão orgulhosos daquilo que é a seleção nacional." É essa a vitória que Paulo Bento sentiu com esta campanha. Seja como for, Paulo Bento sai do Euro-2012 com poderes reforçados. O Mundial-2014 é a próxima meta.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Em dia de Portugal-Espanha, nada melhor que o velho Afonso Lopes Vieira para nos recordar que ainda vale a pena ser português



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Por Afonso Lopes Vieira
1878-1946 
Se um inglês ao passar me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
se tens agora o mar e a tua esquadra ingente,
fui eu que te ensinei a nadar, simplesmente.
Se nas Índias flutua essa bandeira inglesa,
fui eu que t'as cedi num dote de princesa.
e para te ensinar a ser correcto já,
coloquei-te na mão a xícara de chá...

E se for um francês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Recorda-te que eu tenho esta vaidade imensa
de ter sido cigarra antes da Provença.
Rabelais, o teu génio, aluno eu o ensinei
Antes de Montgolfier, um século! Voei
E do teu Imperador as águias vitoriosas
fui eu que as depenei primeiro, e às gloriosas
o Encoberto as levou, enxotando-as no ar,
por essa Espanha acima, até casa a coxear

E se um Yankee for que me olhar com desdém,
Num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Quando um dia arribei à orla da floresta,
Wilson estava nu e de penas na testa.
Olhava para mim o vermelho doutor,
— eu era então o João Fernandes Labrador...
E o rumo que seguiste a caminho da guerra
Fui eu que to marquei, descobrindo a tua terra.

Se for um Alemão que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Eras ainda a horda e eu orgulho divino,
Tinha em veias azuis gentil sangue latino.
Siguefredo esse herói, afinal é um tenor...
Siguefredos hei mil, mas de real valor.
Os meus deuses do mar, que Valhala de Glória!
Os Nibelungos meus estão vivos na História.

Se for um Japonês que me olhar com desdém,
num sorriso de dó eu pensarei: — Pois bem!
Vê no museu Guimet um painel que lá brilha!
Sou eu que num baixel levo a Europa à tua ilha!
Fui eu que te ensinei a dar tiros, ó raça
belicosa do mundo e do futuro ameaça.
Fernão Mendes Zeimoto e outros da minha guarda
foram-te pôr ao ombro a primeira espingarda.

Enfim, sob o desdém dos olhares, olho os céus;
Vejo no firmamento as estrelas de Deus,
e penso que não são oceanos, continentes,
as pérolas em monte e os diamantes ardentes,
que em meu orgulho calmo e enorme estão fulgindo:
— São estrelas no céu que o meu olhar, subindo,
extasiado fixou pela primeira vez...
Estrelas coroai meu sonho Português!
P.S.

A um Espanhol, claro está, nunca direi: — Pois bem!
Não concebo sequer que me olhe com desdém.


segunda-feira, 25 de junho de 2012

Legendar o silêncio icónico (20) - a Índia também somos nós

19 de Junho de 2012. Na Índia, uma sobrevivente das cheias que afectaram o distrito de Barpeta, de pé sobre uma jangada improvisada feita de troncos de bananeiras, auxilia o seu filho enquanto transporta para terra firme os poucos pertences que conseguiu salvar. As notícias dos telejornais nacionais têm passado ao lado desta tragédia, que se arrasta há já algumas semanas. Será este um mundo globalizado?

sábado, 23 de junho de 2012

Banda sonora para o Verão (21)

É um pecado não acrescentarmos o novo álbum de Peter Gabriel, "Live Blood", à nossa cdteca. É um disco registado ao vivo, em Londres, nos dias 23 e 24 de Março de 2011, no The HMV Hammersmith Apollo. Nele, o fundador dos Genesis é acompanhado pela The New Blood Orchestra, que insufla novo sangue a clássicos como "Washing of the Water", "Biko", "Downside Up", "Blood of Eden", "Mercy Street", "Solsbury Hill", "In Your Eyes" e "Don't Give Up", havendo ainda tempo e espaço para algumas versões de Paul Simon ("The Boy in the Bubble"), Regina Spektor ("Après Moi"), Magnetic Fields ("The Book of Love") e Lou Reed ("The Power of the Heart"). 

"Live Blood" é a apresentação ao vivo do díptico "Scratch My Back" (dedicado a versões orquestrais de músicas de outros artistas) e "New Blood" (registo em estúdio que revisita composições do próprio Gabriel). Tenho os dois discos e aprecio-os, escutando-os com regularidade, mas essas canções ganham muito mais garra e intensidade em "Live Blood", o que não é de estranhar se tivermos em conta que o autor de "So" é, sobretudo, um animal de palco. Diz quem o viu no Dramático de Cascais, nos idos de 1974, ao leme dos Genesis que Peter Gabriel é o melhor artista em palco da história do rock. Não duvido. Há momentos em "Live Blood" em que a voz de Gabriel acompanhada pela orquestra e coros são incrivelmente arrepiantes. Quem quiser, terá oportunidade para confirmar a genialidade deste enorme artista no dia 7 de Julho, na Herdade do Cabeço da Flauta, no Meco, no âmbito do festival Super Bock Super Rock.

Peter Gabriel - "The Book of Love"

terça-feira, 19 de junho de 2012

Legendar o silêncio icónico (19) - as crianças de Cabul também somos nós

Num campo de refugiados em Cabul, Ibrahim segura no seu filho mais novo à entrada da cabana de lama onde vive com a sua mulher e onze filhos. Várias crianças morreram de hipotermia neste campo, em Janeiro de 2012, devido às baixas temperaturas que se fizeram sentir naquela região.

domingo, 17 de junho de 2012

Banda sonora para a Primavera (17)


Patriarcas do metal progressivo, os Dream Theater gravaram e editaram o seu mais recente disco de originais ainda em 2011. No entanto, outros álbuns se sobrepuseram na minha discoteca pessoal e a audição cuidada e atenta de "A Dramatic Turn Of Events" foi sendo adiada. Agora que a obra foi escutada repetidas vezes, aqui vai o meu verdicto: não sendo tão ousado do ponto de vista conceptual, nem tão consistente no que ao trabalho de composição musical diz respeito quanto o seu predecessor ("Black Clouds And Silver Linings"), é ainda assim um disco interessante, que expõe de forma harmoniosa todo o virtuosismo da banda. São todos excelente músicos sem se anularem mutuamente; pelo contrário, nos Dream Theater o todo não é uma mera soma de partes, o que não é um pormenor de somenos importância, tendo em conta que este é o projecto de John Petrucci, talvez o maior guitarrista da cena rock no activo. Mas o destaque evidente em "A Dramatic Turn Of Events" tem a ver naturalmente com a substituição do carismático baterista cofundador da banda, Mike Portnoy (que em 2010 decidiu dedicar-se exclusivamente aos seus inúmeros side projects), por Mike Mangini, que se revela um instrumentista exímio, não deixando os créditos por mãos alheias.

Quanto às nove canções que compõem o disco, como é habitual nos Dream Theater, escapam ao formato convencional dos standards do rock, sendo quase impossível destacar uma. De qualquer forma, as baladas "Far From Heaven" e "Beneath The Surface" são sérias candidatas a melhor banda sonora para este final de Primavera em tons outonais.

Dream Theater - "Far From Heaven"

quinta-feira, 14 de junho de 2012

A Síria também somos nós

Na onda da Primavera Árabe, a revolta impera na Síria há 15 meses e, ao contrário do Egipto, Líbia, Iémen ou Tunísia, sem alterações de liderança à vista. Os protestos escalaram para a guerra civil, alimentada pela recusa de Bashar-al-Assad em abandonar o poder. As notícias cansam, repugnam, volta-se a cara às imagens da destruição. Mas, depois de massacre de Houla, de 25 para 26 de Maio, com 108 pessoas assassinadas (das quais 49 crianças e 34 mulheres), cuja autoria o governo sírio refuta, até quando se pode continuar sem fazer nada?

terça-feira, 12 de junho de 2012

"Martha Marcy May Marlene" - os limites da identidade

Ser reconhecido na sua primeira grande incursão na realização pelo Festival de Sundance pode ser o melhor cartão de visita para Sean Durkin, autor de Martha Marcy May Marlene. Logo na abertura, o espectador é confrontado com uma imagem que nos confunde no tempo e no espaço. No meio de várias jovens, que só jantam à mesa depois de os homens o terem feito, há uma que se destaca - Martha, do título da película (os restantes nomes são parte integrante da manipulação psicológica identitária levada a cabo pelo líder da "comunidade" de que a jovem faz parte). Cedo nos apercebemos de que todos pertencem a uma seita que vive nas margens da sociedade, na qual todos têm um papel a cumprir e partilham as mais variadas tarefas, além de dormirem juntos, vestirem as mesmas roupas e fazerem sexo entre si, sem distinção. Um dia, Martha decide fugir e é a partir daqui que vamos descobrindo a sua história, as suas origens e a razão de só agora ter dado notícias à única família que lhe resta: a sua irmã mais velha. Através de imagens soltas, entre o passado e o presente, o espectador vai juntando as peças do puzzle.

Sean Durkin opta por uma estética fria, com imagens cruas que nos conduzem à essência da seita liderada por Patrick (uma interpretação perturbadora de John Hawkes), um homem franzino que, fazendo uso de uma retórica persuasiva, espalha misticismo e domina todos os que chegam à comunidade em busca de se sentirem parte de algo. Ali, pensam ter chegado ao paraíso, onde são valorizados e acarinhados, sentindo que têm um papel que a sociedade lhes negou. As raparigas são "iniciadas" pelo líder e o poder subliminar é tal que, depois de serem violadas sob o efeito de drogas, continuam a sentir-se "especiais". Fazendo a ponte para o presente, Martha tenta agora viver uma vida "normal" com a irmã e o marido a quilómetros de distância do local da seita, sem ter noção de que os seus comportamentos não se encaixam nos parâmetros aceites pela sociedade. Perdida entre os padrões subvertidos daquela comunidade desviante e a segurança que uma vida "normal" lhe pode proporcionar, mas na qual não se encaixa, Martha fica presa entre o que é efectivamente realidade e aquilo que toca o campo da paranóia.

Destaque para a promissora Elizabeth Olsen que imerge na personagem que dá nome ao filme de forma absorvente, envolvendo-nos nas suas estranhas e deslocadas crenças, nos seus medos e na sua espartilhada identidade. Um filme interessante e algo perturbador.

Trailer de "Martha Marcy May Marlene", de Sean Durkin


segunda-feira, 11 de junho de 2012

É urgente repensar Portugal

No âmbito das comemorações do 10 de Junho, Sampaio da Nóvoa proferiu um discurso, no mínimo, inspirador. Para contrastar com o distanciamento em relação ao país real por parte de tantos patifes engravatados que se dizem preocupados com o estado da nação.

sábado, 9 de junho de 2012

Legendar o silêncio icónico (18)

Na terra ressequida por onde caminha o menino, havia um lago. E não é da chuva que ele se protege, mas do sol. Bhubaneswar, capital do estado indiano de Orissa, atravessa um longo período de seca, extremado pelas elevadas temperaturas que se fazem sentir há já algumas semanas, com o mercúrio a ultrapassar os 40ºC. Se ao calor sufocante se juntar quebras de electricidade e no fornecimento de água, entende-se o inferno na terra no qual estão a torrar os seus habitantes. As autoridades já registaram duas dezenas de mortes. As imploradas monções chegam em Junho.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Pessoas especiais

Um aluno (daqueles que achamos que já não existem) enviou-me um vídeo lindíssimo e inspirador. Inevitavelmente, decidi partilhá-lo aqui n'O Subjectivo Objectivo. Vejam até ao fim. Vale bem a pena!

terça-feira, 5 de junho de 2012

Banda sonora para a Primavera (16)

Edison's Children é um projecto conceptual que nasceu da inspiração de dois músicos veteranos: Pete Trewavas (baixista dos Marillion) e Eric Blackwood. Lançaram um espantoso disco de rock progressivo, "In The Last Waking Moments", que narra uma história de ficção científica embalada por melodias viciantes, plenas de luz e sombra. "A Million Miles Away" e "In The Last Waking Moments" são canções que, apesar da subtileza do todo (e o disco é mesmo para ouvir seguido, do princípio ao fim), se colam ao ouvido e nos incentivam a ouvi-las repetidamente.

Edison's Children - "In The Last Waking Moments"

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Política de proximidade (1)

"O desemprego é uma preocupação de todos nós, e todos nós temos de trabalhar em conjunto, sindicatos, patrões e partidos, para conseguirmos ultrapassar esse coiso."
Álvaro Santos Pereira no Parlamento, em 18/05/12

sábado, 2 de junho de 2012

A Serra Leoa também somos nós

É uma excelente notícia: Charles Taylor é o primeiro chefe de Estado a ser condenado num tribunal internacional desde o fim da II Guerra Mundial. Por ter sido provado que financiou os rebeldes da Serra Leoa e planeou os "mais abomináveis e horrendos crimes" da história, o antigo Presidente da Libéria foi condenado a 50 anos de prisão. Para que não se apague da memória, para que sirva de exemplo, para que conste nos manuais de História, para que as novas gerações aprendam com os erros do passado, para que tais crimes contra a humanidade não se repitam, para que, hoje, não fiquemos indiferentes às atrocidades que estão a ser cometidas na Síria.

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...