sexta-feira, 31 de julho de 2015

Estado do Mundo (25) - o poder, segundo o Rei Salman

A Arábia Saudita realizou, no passado dia 15 de Junho, a 100ª execução de 2015, ultrapassando o registo do ano passado (87 condenações à morte). Estes dados colocam o reino saudita a caminho de bater o seu próprio recorde, que é de 192 execuções anuais, há precisamente 20 anos atrás. Segundo o Middle East Eye, os números são culpa do Rei Salman, acusado de confundir a Justiça com o Poder monárquico.

terça-feira, 28 de julho de 2015

So long, Ornette Coleman!

Ornette Coleman faleceu no dia 11 de junho, em Nova Iorque, aos 85 anos, de paragem cardíaca. A grande maioria dos obituários que lhe foram dedicados na imprensa americana não lhe chamou músico de jazz, preferindo nomes mais ousados, como "inovador", "disruptor", "revolucionário" ou "mestre". Isto porque, se a música é uma linguagem com uma gramática própria, Ornette Coleman quebrou de forma vívida e convicta algumas regras dessa gramática, construíndo, ao longo da carreira, novas estéticas no jazz. 

Em 2001, esteve no Barbican Centre, em Londres, para um espetáculo, levando consigo um elenco de rappers, bailarinos, cantores de ópera e músicos tradicionais chineses. Mas ninguém estranhou. Bem pelo contrário! Coleman, que nasceu em 1930, lutara a vida inteira por passar a ideia de que não há fronteiras na música, desde que seja boa. Era a sua marca pessoal.

Este singular saxofonista estabeleceu-se em Los Angeles e conseguiu editar vários discos desrespeitando as regras clássicas de harmonia e ritmo do jazz. Destacam-se os álbuns The Shape of Jazz to Come, Change of the Century e Free Jazz. John Coltrane afirmou em 1961 que os apenas 12 minutos em que tinha estado em palco a tocar com Coleman constituíram "o momento mais intenso" da sua vida. Eclético, Ornette Coleman chegou a gravar com músicos tão díspares como Lou Reed, Yoko Ono e Pat Metheny. Em 2007, recebeu o Prémio Pulitzer com o histórico álbum Sound Grammar e um Grammy pela carreira.


domingo, 26 de julho de 2015

A vida entre parêntesis - Capítulo 3 (sementes numa mini-maratona)

José Lucas irritava-se com a contemporânea obsessão pelo desporto e pela boa forma física. Parecia que vivíamos numa época de não-morte e de culto da vida eterna. Que não se confundisse isto com uma espécie de ritual apolíneo nem tampouco com espiritualidade. Não, a fixação consumista era mesmo com o culto do eu. O self. As selfies. Pobre vocabulário reinventado.
As maratonas - que agora assumiam a forma de minis e meias - pareciam competir com os festivais de música: começaram timidamente até dominarem a publicidade, invadirem praças, parques naturais e baldios.
Incomodava-o ver novos, velhos, deficientes motores, doentes (quase) terminais, todos sorridentes, em calções, a caminhar aos encontrões, a correr ou a serem empurrados como se se tratasse somente de um passeio relaxante. E a morte uma eterna coisa adiada.

(Esta gente julga que não vai morrer. Porventura, acham  que um ou dois anos mais de vida significa alguma coisa na Grande História Universal. Ou na História Cósmica. Estas pessoas levam-se demasiado a sério. Sobrevalorizam-se. Ou, como diria o meu avô, esta gente pensa que vai ficar cá para semente.)

Após vencer a maratona nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, sempre que José Lucas via o Carlos Lopes como convidado em programas de televisão ou como rosto da publicidade a uma marca de iogurtes, ficava impressionado com o ar pouco saudável que o antigo atleta aparentava. Parecia alguém que, após anos de privação alimentar forçada, inchara à custa de bom vinho e de duas doses de cozido à portuguesa por refeição.

(Fazia-lhe bem umas caminhadas. Ao Carlos Lopes. Digo eu!)

terça-feira, 21 de julho de 2015

"House of Cards" - a corrupção democrática

O sistema político norte-americano apresenta incontáveis diferenças em relação ao nosso. Trata-se de uma república democrática, é certo, mas com muitos e distintos Estados, e outros tantos Governadores, além de se tratar de um regime presidencialista; todavia, na sua essência é uma democracia similar à nossa, a mais antiga e - talvez - exemplar. Na verdade, o republicanismo norte-americano deu ao mundo figuras modelares da importância de Lincoln, Roosevelt ou Kennedy. Figuras inspiradoras. Father figures.

Mas na era dos mass media e dos sound bites, a democracia partidária já passou há muito a idade da inocência. House of Cards, a série produzida por David Fincher para o Netflix (em Portugal passa no TV Séries), recorda-nos os fundamentos da descrença na democracia representativa. Representativa de quê? De interesses pessoais; de lobbys (políticos, económicos, empresariais, que se servem do manto de sinceridade de algumas ONG para servirem monopólios e altos interesses financeiros); de chicana político-partidária (dentro de um partido ou Governo constrói-se e destrói-se a imagem pública de alguém ao ritmo de um estalar de dedos); de gente que se serve em vez de servir a coisa pública; de traições e deslealdades.

Em boa verdade, House of Cards é um ensaio sobre o poder político e aquilo que ele faz aos homens. À semelhança de uma tragédia shakespeariana, a sede de poder corrompe e corrói o melhor (e, por isso mesmo, o mais frágil) da essência humana. O Mal impera e jamais será vencido pelo Bem ou por uma ideia platónica de Justiça.

Pode o Presidente da República ser um corruptor assassino? Sim. E ninguém melhor do que Kevin Spacey para o representar.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

[formas de viver]

quantos refugiados há por esse mundo!
gente sem país, carente de pertença
descalços sobre terra quente e deserto abrasador
temem pelo futuro dos seus filhos
desejam-lhes uma vida melhor.

quantos refugiados há por esse mundo!
gente com língua mas sem pátria
amontoados em botes, embarcações sem bússola ou capitão
em campos sem fronteiras
aceitam tendas como casas, hospitais e escolas.

quantos de nós se sentem como eles?
quantos de nós também se sentem refugiados?

casas, carros, férias, hotéis, hipotecas,
         workshops, formação contínua,
         melhores salários, crise económica,
         euro, dólar, capitalismo, democracia,
         o colega competente, o colega incompetente,
         a nota abaixo da média.

- aqueles refugiados também somos nós.

Rui Louro Mendes

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A vida entre parêntesis - Capítulo 2 (O Pensador)


Entrou no café, pensativo. Não fosse o estabelecimento chamar-se O Pensador e José Lucas sentir-se-ia um estranho. Estrangeiro. Alienado. Estranho estrangeiro alienado. Em boa verdade, também ali ninguém ousava pensar.

(Até n' O Pensador!)

Sentou-se. Pediu um café. Acendeu um cigarro. Na televisão um par de apresentadores, histéricos, discutiam com um psicólogo os motivos de um crime passional ocorrido no Seixal. O empregado serviu-lhe o café.

(Pode levar o pacote de açucar.)

Com a pequena colher, mexeu o café, hábito que adquirira dos tempos em que costumava pôr um pouco de açucar.
Lá fora, começou a chover.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

[sinestesia]

a José Tolentino Mendonça
  
desvios locais
não são formas
não são sinais 
fontes de perigo
em perpétuos romances
de líbido renascida.
perfumes, odores vários,
perversa sinestesia,
tempo de mármore
petrificado
em esculturas de desarmonia.

desvios locais,
cuidado com os animais!
presos ao seu instinto
em cruel desatino
tontos de obsessão
deixam suas crias em desamparo
vão à caça
guiados pelo olfato
primária vocação
de quem à natureza se entrega.

Rui Louro Mendes

terça-feira, 7 de julho de 2015

Estado da Nação (10) - Costa, o improvável


Alguém ainda acredita na sinceridade e no rigor das promessas de António Costa? Haverá ainda quem considere que o programa de Governo do PS é constituído por propostas que Costa e seus parceiros pretendem efetivamente concretizar? Alguém acredita que Costa esteja convencido de que tem uma alternativa para o País? Já agora, alguém acredita que o anterior primeiro-ministro de Portugal está a ser vítima de uma conspiração política injusta e infundada?

quinta-feira, 2 de julho de 2015

"Gotham" - a infância de Bruce Wayne

Inspirada em personagens do universo da DC COMICS, sobretudo cúmplices e vilões da saga Batman, Gotham não é a experiência televisiva ousada que prometia ser, sendo antes uma produção de cariz clássico com bons, maus e vilões, que cumpre os pergaminhos necessários ao acolhimento positivo por parte de público e crítica. A primeira temporada termina de forma interessante, mas os 23 episódios que a constituem podiam ser mais góticos. Mas, para isso, teríamos que ver o nome de Tim Burton associado a esta prequela das aventuras de Batman.

Breves notas sobre o cinema de Wong Kar Wai (6) - "Disponível Para Amar" (2000)

E, no ano da graça de 2000, Wong Kar Wai alcançou o zénite da sua (sétima) arte com a obra-prima Disponível Para Amar . É (mais) uma históri...