No plano de abertura de Ao Sabor da Ambição
(no original, As Tears Go By), primeira obra de Wong Kar Wai, vemos, no
lado esquerdo, uma cidade, à noite, iluminada artificialmente (os néons que se
revelarão tão característicos do cinema urbano do realizador de Hong Kong) e o
trânsito quase claustrofóbico, e, no lado direito, um conjunto
geométrico de ecrãs de televisão que mostram um céu carregado de nuvens. Num só
plano, nos primeiros segundos, estão lançados os traços modelares dos
filmes de Wong Kar Wai: a precisão matemática de uma estética que não é mero
adorno, mas antes complemento emocional de histórias de amor febril em paisagens urbanas asfixiantes.
Logo no seu primeiro opus (sim, a música ocupa
um lugar central na filmografia deste cineasta), Kar Wai mostra vontade em
fazer um cinema simultaneamente cerebral e instintivo, delirantemente romântico
e arrebatadamente trágico, revelando uma paixão pela composição de imagens e
pelo poder sedutor do cinema.
Convém também notar que Ao Sabor da Ambição não deixa de ser um filme ingénuo na crença de
que o espectador se deixará levar por esta variação de Os Cavaleiros do
Asfalto, de Martin Scorsese, tal como o autor do argumento (o próprio Wong
Kar Wai), mas, embora ainda não esteja à altura de obras posteriores, como Chungking
Express, é, ainda assim, tão encantador hoje como em 1988.
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