sábado, 15 de outubro de 2022

"Blonde" - Marilyn por Andrew Dominik

 

Adaptação do romance (inspirado na vida de Marilyn Monroe) de Joyce Carrol Oates com o mesmo título, Blonde é, por enquanto, o acontecimento cinematográfico do ano. É verdade que o filme de Andrew Dominik, estreado no Festival de Cinema de Veneza de 2022, foi produzido (e diretamente disponibilizado) pela plataforma Netflix, quando merecia visionamento no grande ecrã, mas é de Cinema que estamos a falar.

O filme não pretende ser um biopic, embora os espetadores mais incautos possam vê-lo enquanto tal. É antes uma adaptação tão fiel quanto possível de um romance com o epíteto de inadaptável.

Blonde é uma obra barroca, grandiloquente - mesmo quando assume laivos de filme de câmara (e com uma Marilyn onírica e não poucas vezes mostrada em surdina) -, psicanalítica e esteticamente ousada. É de destacar também a admirável (e impressiva) entrega da atriz Ana de Armas ao papel da mítica diva do cinema, assumindo-se de corpo e alma como Marilyn Monroe.

Ao invés de ter a pretensão de ser a biografia realista e fiel aos factos, Dominik opta pela encenação do arquétipo, começando pelo pesadelo (quase lynchiano) de uma infância trágica, passando pela representação da ingénua Norma Jean (nome verdadeiro da atriz mais icónica de Hollywood) no inferno machista dos castings nos grandes estúdios até à sua transfiguração na persona modelar e que acaba por se tornar (pelo menos, para a Norma representada em Blonde) um fardo insuportavelmente artificial. Domink reconstrói – e aí sim, de modo claramente mimético – algumas das fotografias mais célebres da atriz e cenas arquetípicas de alguns clássicos do cinema com Marilyn.

Convém não ir ao engano: Blonde não é para todos, e aqueles que procurarem no filme mais uma biografia realista ou um melodrama a glorificar a atriz, desengane-se. O filme transcende deliberadamente as convenções formais das fitas sobre uma figura histórica, tomando Marilyn (ou, se quisermos, a persona da atriz) como ponto de partida para uma reflexão sobre a Sétima Arte, no período do star system de Hollywood, como criadora de personas descartáveis e fabricante de sonhos tornados pesadelos freudianos.

Quanto a mim, Blonde é uma obra-prima.

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